O despertar do cativo

102 11 0
                                    

Capítulo um: Mael

Os dias se arrastavam como uma lenta tortura. A luz do sol raramente tocava minha pele, filtrada pelas frestas da cela que se tornara meu novo mundo. Eu estava acostumado com o conforto de sedas e o calor de uma lareira, mas aqui, o chão de madeira era meu leito e o frio do mar, meu cobertor. As correntes em meus pulsos eram um lembrete constante da minha situação: eu era um cativo, um príncipe sem reino, um homem sem liberdade.

A comida era escassa e insípida, mas eu comia com a voracidade de quem sabe que cada migalha é preciosa. A água era fria e muitas vezes amarga, mas eu bebia, grato por qualquer alívio que ela trouxesse à minha garganta seca. Eu me perguntava se esse seria meu destino até o fim dos meus dias, sobrevivendo ao invés de viver.

O viking que me capturou era um enigma. Ele vinha e ia como a maré, trazendo comida e água, mas pouco mais. Não havia crueldade em seus gestos, mas tampouco havia gentileza. Ele era eficiente, tratando-me mais como uma tarefa a ser cumprida do que como um ser humano. Eu tentava ler suas expressões, buscar algum sinal de empatia ou remorso, mas seu rosto era uma máscara de indiferença.

Às vezes, ele falava, sua voz tão áspera quanto o mar revolto lá fora. Ele me contava histórias de terras distantes, de batalhas e conquistas. Eu ouvia, não porque me interessasse pelas glórias de um povo que não era o meu, mas porque a voz dele era o único som humano que eu ouvia por dias a fio.

Dentro daquele peito havia um coração que batia com arrependimento? Eu não podia dizer. Mas à medida que a costa se aproximava, uma nova sensação tomava conta de mim — uma mistura de medo e uma estranha antecipação.

As águas se acalmaram e o navio começou a deslizar mais suavemente, sinalizando que estávamos perto da terra. O viking apareceu na minha cela, sua expressão inescrutável. — É aqui que você vai servir, — ele disse, sem um pingo de calor em sua voz.

Hauksness se erguia diante de nós, um bastião de madeira e pedra contra o céu cinzento. O lugar era conhecido entre os marinheiros e contadores de histórias como um assentamento viking robusto, situado nas costas escarpadas da Noruega. Era um lugar de lendas, onde o mar encontrava o céu e os guerreiros encontravam a glória.

Fui arrastado para fora do navio, meus olhos demorando para se ajustar à luz brilhante. O ar estava impregnado com o cheiro de sal, peixe e... liberdade, embora eu soubesse que a última ainda estava fora do meu alcance.

Os habitantes de Hauksness me encaravam com desdém, seus olhares carregados de suspeita e escárnio. Eu era um estranho, um intruso, um prisioneiro. Eles não se preocupavam em esconder seu nojo, suas palavras eram ásperas e suas risadas, cruéis.

O viking me guiou através das ruas com uma mão de ferro em meu ombro. Eu mantinha minha postura ereta, meu orgulho intacto, apesar do medo que fervilhava em meu estômago. Eu era um príncipe, mesmo em correntes, e não lhes daria a satisfação de me ver quebrado.

Paramos diante de uma grande casa no centro do assentamento. — Aqui, — ele disse, — você vai aprender o seu lugar.

Ao entrar, fui atingido pelo calor de uma lareira central e pelos sons de uma família. Uma mulher robusta, com traços fortes e olhar penetrante, me avaliou com uma mistura de curiosidade e cautela. Ao seu redor, três jovens guerreiros cessaram suas atividades para me estudar, seus olhares tão avaliadores quanto os da matriarca.

Foi então que percebi, pela forma como eles olhavam para o viking, pelo respeito implícito em seus gestos, que ele não era apenas meu captor. Ele era o líder deles, o jarl de Hauksness. E eu, o príncipe cativo, estava agora sob o teto do homem que comandava o mar e a terra, cuja palavra era lei.

Que ótimo, pensei. Tentei ao mínimo não revirar os olhos, portanto suspirei.

O calor da lareira central de Hauksness era um contraste bem-vindo ao frio cortante do mar, mas o calor não alcançava meu coração. Eu estava em pé, algemado, no meio da grande casa do jarl, cercado por olhares que me perfuravam como flechas invisíveis. A família do viking me observava com uma mistura de curiosidade e desconfiança, como se eu fosse um animal selvagem que poderia atacar a qualquer momento.

O viking, cujo nome eu ainda não sabia, conversava com a mulher robusta ao lado do fogo. — Aslaug, — ele começou, sua voz baixa e firme, — este é o príncipe Mael, o cativo que trouxe de terras distantes.

A mulher, Aslaug, me avaliou com olhos críticos. — Ele parece mais fraco do que os homens de nosso povo, — ela disse, sua voz carregando um tom de desdém que me fez cerrar os punhos.

— Ele tem sua utilidade, — respondeu o viking, que eu comecei a ter certeza que era o jarl, dado o respeito que emanava dele. — Ele será útil para nossos propósitos.

Eu me esforcei para acompanhar o diálogo, apesar da língua estranha que dançava em meus ouvidos. Eles falavam de mim como se eu não estivesse presente, como se eu fosse apenas um objeto a ser discutido e não um ser humano com pensamentos e sentimentos.

Os três filhos do jarl, duas meninas e um menino, me encaravam com uma mistura de interesse e desafio. Eles eram jovens, mas já carregavam a marca de futuros guerreiros, seus ombros largos e posturas confiantes.

— Ele não vai causar problemas, vai? — perguntou Aslaug, sua voz cortando o ar como uma lâmina.

— Não, — respondeu o jarl, seu olhar encontrando o meu. — Ele sabe que sua vida depende de nossa boa vontade.

Eu mantive meu olhar firme, apesar do medo que se agitava dentro de mim. Eu era um príncipe, e mesmo que estivesse em desvantagem, não deixaria que me vissem vacilar.

— Seu nome, — eu disse, minha voz soando mais forte do que eu sentia, — qual é?

Houve um silêncio momentâneo, e então o jarl respondeu, — Angus. Angus de Hauksness.

A atmosfera na grande casa de Angus era tensa, como se cada respiração pudesse ser a última. Eu, Mael, ainda algemado e agora sob o olhar atento da família do jarl, sentia o peso do julgamento em cada olhar que me era lançado.

Angus se voltou para mim, seus olhos azuis penetrantes refletindo uma inteligência que eu não esperava. —Você vai trabalhar, — ele disse, — e se provar útil, talvez ganhe mais do que apenas sua comida.

Aslaug, ainda com um olhar de desconfiança, acenou para uma das crianças. — Ivar, mostre ao príncipe onde ele dormirá.

Ivar, o mais novo dos filhos, um rapaz de cabelos escuros e olhos tão frios quanto os do pai, me conduziu para fora da sala principal e para um pequeno espaço atrás da casa. Era uma cela, não muito diferente da que eu ocupava no navio, mas com uma pequena janela que dava para o pátio.

— Você ficará aqui, — disse Ivar, sua voz destituída de qualquer calor. — Não tente fugir. As florestas ao redor são vastas e perigosas, e os lobos estão sempre famintos.

Eu assenti, minha mente já trabalhando em maneiras de usar essa informação a meu favor. — Eu entendo, — respondi, mantendo minha voz neutra.

Nos dias seguintes, fui posto para trabalhar. As tarefas eram árduas e os vikings não tinham paciência para a lentidão ou erro. Eu era encarregado de ajudar na forja, batendo o metal enquanto o ferreiro, um homem chamado Bjorn, moldava espadas e escudos. O calor era sufocante e o trabalho, exaustivo, mas eu persistia, sabendo que cada dia de trabalho era um dia a mais de vida.

À noite, eu retornava à minha cela, as mãos calejadas e o corpo dolorido. Mas minha mente estava viva, fervilhando com planos e possibilidades. Eu observava os vikings, aprendia suas rotinas, seus pontos fracos. Angus, em particular, era um enigma que eu estava determinado a decifrar.

Ele era um líder nato, respeitado e temido por seu povo. Mas havia momentos, raros e fugazes, em que eu via algo mais nele. Uma fagulha de algo que não era apenas poder ou autoridade. Era algo que eu não conseguia nomear, mas que me fazia questionar tudo o que eu pensava saber sobre o homem que me mantinha cativo.

Coração Forjado Onde histórias criam vida. Descubra agora