Esperto

43 5 3
                                    

Embora ele ostentasse um ar de 'nobreza', eu sabia que não podia confiar cegamente em sua palavra. Nos breves segundos que tive para ponderar, não encontrei alternativa. Encarei-o com uma gravidade que mascarava a vulnerabilidade pulsante em meu peito e declarei com firmeza:

— Leve-me até o final do caminho e providencie um barco; eu me arranjo daí em diante. Mantenha-se em silêncio e será generosamente recompensado.

Não esperava por seu sorriso de canto nem pelo olhar repleto de expectativa. Ele cruzou os braços num gesto quase arrependido e, em seguida, estendeu a mão, selando nosso acordo com um aperto firme.

Ele se mostrava leal ao nosso acordo, apesar de ser apenas um garoto entre tantos. Lancei-lhe um último olhar desconfiado e com um aceno de cabeça concordamos em seguir juntos. No entanto, ao tentar liderar o caminho, ele segurou meu ombro e apontou para outra direção.

— Você está indo para uma armadilha. — ele murmurou com uma certeza que me fez hesitar.

Olhei novamente para o caminho que eu teria tomado e percebi jovens escondidos entre as árvores, aguardando o momento oportuno. Um arrepio de alerta percorreu minha espinha. Com um aceno, segui seu conselho e nos afastamos dali rapidamente, evitando ser encurralado prematuramente.

Ele avançou com passos seguros e meticulosos, como se cada pedaço da terra fosse familiar. Seu corpo estava tenso, inclinado para frente, e seus olhos permaneciam fixos no horizonte que nos guiava, absorvendo cada detalhe com cautela. Ao se agachar atrás de um tronco robusto, fiz o mesmo. Com um dedo sobre os lábios, ele sinalizou silêncio e, em seguida, pegou uma pedra pequena do chão, lançando-a numa direção que parecia aleatória.

O som da pedra ao atingir o solo revelou a presença de outros – estávamos acompanhados. Se não fosse pelo acordo que fizemos, talvez eu nem tivesse me movido. Como poderia confrontar alguém assim? Tão jovem e ainda assim tão astuto.

Ele repetiu o gesto, desta vez com uma pedra maior lançada na direção contrária. A manobra expôs parcialmente os escondidos; foi o bastante para ele se erguer rapidamente e arremessar seu machado na direção deles, atingindo um alvo. O grito que se seguiu reverberou pela floresta, mas ele não hesitou; sacou pequenas lâminas e as lançou contra os outros dois, neutralizando-os.

A sensação de admiração era inegável, e eu o segui, saltando sobre o tronco caído e correndo para alcançar sua arma. Mas ao me aproximar do primeiro corpo estendido no chão, uma hesitação me tomou. Engoli em seco, e ele, como se pudesse ouvir os gritos silenciosos da minha consciência, falou enquanto se agachava junto ao corpo, recolhendo o armamento e algumas folhas que suspeitei serem para cura.

—Eles vão morrer. —  Disse ele, erguendo-se e encontrando meu olhar com uma intensidade que me paralisou. — Mas não pelas minhas mãos. — Abriu a palma da mão para mim, revelando um pacote improvisado feito de folhas e cipós entrelaçados. — Tome. Use isso se tiver algum corte. — Ele deslizou as mãos nos bolsos e me observou, aguardando uma reação.

Eu apenas guardei o pacote e murmurei um agradecimento, ainda atordoada pela complexidade daquele momento.

— E quanto aos outros? — indaguei, recebendo como resposta apenas o encolher de ombros indiferente do rapaz pomposo enquanto ele se virava, mas ele fez uma pausa, permitindo que eu alinhasse meu passo ao dele antes de prosseguir.

Um silêncio persistente se seguiu, sem que ele me desse uma resposta, mudando habilmente de assunto.

— Meu mentor aconselha agir como um animal quando estamos na selva; na presença de dois humanos, aquele que primeiro reconhecer a humanidade do outro está em desvantagem. — ele explicou com clareza, embora eu ainda não compreendesse completamente. — Para matar como um selvagem, é preciso tornar-se selvagem. — comentou ele, com um leve sorriso nos lábios enquanto seu olhar permanecia fixo no chão sob nossos pés, aparentemente perdido em outro mundo.

Observando-o, não pude deixar de comentar.

— Você parece admirar muito esse homem... seu mentor.

O meu tom saiu mais cético do que eu pretendia, e o arquear de uma sobrancelha pouco fez para suavizar o que soou como uma "acusação". No entanto, ele pareceu não perceber, pois foi apenas ao som da minha pergunta que um rubor tomou conta de sua bochecha, e só então ele virou o rosto em minha direção, com os lábios comprimidos como se lutasse para segurar um sorriso. Ele era apenas um menino, afinal de contas.

— Sim. — ele confessou, com os olhos desviando para o lado, sua voz um sussurro, como se compartilhasse uma confissão ou um segredo. Ou quisesse ultrapassar além da resposta curta.

O que eu estava perdendo?

Coração Forjado Onde histórias criam vida. Descubra agora