Desconfiança

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Ivar

— Isso não parece certo. Nada disso parece estar. — encolho-me, abraçando as pernas, sentindo meu coração batendo descompassado enquanto tento manter alguma postura diante do homem que mais admiro. Mesmo assim, não consigo erguer o olhar para ele; as bochechas queimam em vergonha, e prefiro encarar o chão frio do que encarar os olhos dele, tão frios quanto o rio que corre lá fora.

— Não precisa estar. — A voz dele rompe o silêncio, e há uma firmeza ali, mas menos agressiva do que eu imaginava. Sinto sua mão repousar no topo da minha cabeça, seus dedos afundando em meus cabelos, um toque pesado, mas estranhamente reconfortante. — De quem você está se escondendo? — ele pergunta, inclinando-se ao meu lado, seu joelho roçando o chão, como se pudesse se igualar a mim naquele momento de fraqueza.

A proximidade me faz tremer, mas sei que é pelo frio, não pelo medo. Meu corpo está quase congelando, cada sopro de ar gelado atravessa as paredes finas da cabana abandonada onde estamos, à margem de um rio que mais parece um espelho de gelo. Mas, por mais que o frio castigue minha pele, não quero deixar este canto. Fugir daqui significaria enfrentar minha família... e principalmente meu pai. Ele me aterroriza, de um jeito que nem mesmo Ulf, o melhor guerreiro do meu pai, é capaz de fazer.

— Você sabe... — repito, quase como um gemido, encolhendo-me ainda mais, desejando que as paredes finas da cabana pudessem me engolir de vez, esconder-me de tudo. Sinto o peso do olhar de Ulf sobre mim, atento, quase pesado, mas ele permanece em silêncio. Às vezes, isso é o que mais me incomoda nele: essa calma, essa paciência, como se nada fosse capaz de abalar sua força.

— E o que você faria se estivesse sozinho? — ele pergunta, em um tom baixo e envolvente, quase um sussurro, mas que parece cortar o silêncio ao meu redor. A mão em minha cabeça desce até minha nuca, apertando-a de leve. — Se não fosse pelo seu pai, pelo nome, pelas expectativas... o que você faria?

As palavras dele reverberam em mim, ressoando em lugares que eu preferia deixar quietos, intocados. O que eu faria se fosse apenas eu? Se não fosse por esse peso que carrego? Nem consigo imaginar... é como se eu tivesse nascido preso a essas correntes, invisíveis, mas pesadas o suficiente para me puxarem para o chão toda vez que tento levantar a cabeça.

Fecho os olhos, o peito comprimido. Por um momento, permito-me pensar. A cabana, o rio, o frio... tudo parece tão distante. E Ulf, de alguma forma, é a âncora que me mantém aqui, na realidade, mas também o único que me deixa vislumbrar o que poderia ser a liberdade.

— Eu não sei. — a resposta sai como um sussurro, quase uma confissão. — Talvez... — Tento formar as palavras, mas elas me escapam, escorregam da minha mente como água entre os dedos. A vergonha retorna, queimando em minhas bochechas, porque eu, de todas as pessoas, não sei. Não sei o que quero, não sei como seria essa vida sem a sombra do meu pai.

Ele faz um som baixo de compreensão, algo entre um suspiro e uma risada sutil, e sinto seus dedos deslizando para longe, o frio imediatamente tomando o lugar de seu toque. — Não saber o que quer é normal — diz ele, com uma suavidade inesperada. — O que importa é o que você não quer.

Abro os olhos, encarando o chão, processando suas palavras. O que eu não quero... isso eu sei, talvez seja a única coisa que eu sei com certeza. Eu não quero ser o reflexo do meu pai, não quero carregar esse fardo que não é meu.

— Não quero ser ele. — finalmente sussurro, as palavras saindo em meio ao medo e à culpa, como se apenas verbalizá-las fosse uma traição.

O silêncio de Ulf parece maior agora, preenchendo cada canto da cabana, mas ele não diz nada, apenas permanece ao meu lado, uma presença sólida e imperturbável. Sinto sua mão em meu ombro, firme, como se quisesse me lembrar de que, apesar de tudo, não estou sozinho. E, por um instante, essa pequena fagulha de apoio me aquece mais do que qualquer fogo poderia.

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