Embates - 02

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Olá, Cecilia.C aqui!
Gostaria de pedir desculpas pela demora a quem aguardava pela atualização, estava e estou um pouco ocupada com alguns projetos, desde já peço paciência.

Boa leitura, e deixem seus comentários sobre o que estão achando do enredo e dos personagens

Bjss

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Capítulo quatro: Angus

Em Harkness, o rito de passagem era uma tradição anual tão antiga quanto as próprias montanhas que circundavam o vale. Era o momento em que os meninos eram desafiados a cruzar a fronteira invisível para a masculinidade, uma jornada de três dias pela montanha mais imponente que se erguia como um gigante adormecido contra o céu. Aqueles que retornassem seriam recebidos não mais como meninos, mas como homens forjados pela natureza e pelo próprio espírito.

Na véspera da partida, as famílias se reuniam em um banquete repleto de risos e pratos transbordando, uma celebração que buscava afogar o medo do desconhecido em vinho e canções. Era uma noite de festa, mas também de despedidas veladas, onde cada abraço carregava o peso do que poderia ser o último.

Os pais, com olhares carregados de orgulho e preocupação, entregavam aos filhos suas armas mais estimadas, símbolos de proteção e legado. Entre os jovens estava Ivar, com o fogo da determinação ardendo em seus olhos. E eu, incapaz de ficar à margem, sabia que tinha que estar lá, ao seu lado, compartilhando o peso da tradição e o sabor da incerteza.

— Pai?

Ivar ergueu as sobrancelhas em uma surpresa silenciosa ao me ver, e um sorriso tímido, tão parecido com os que costumávamos compartilhar, brincou em seus lábios por um instante fugaz.

Eu poderia ter compartilhado aquele momento de leveza, mas a gravidade da ocasião me manteve firme, imóvel como o rei deste reino. Embora fosse o momento somente dos jovens, a atenção ainda latejava nas minhas costas.

Deixei o que estava em meu redor para prestar atenção em meu filho.

Minha sombra se estendeu sobre ele, cobrindo sua figura ainda não totalmente formada, a roupa cuidadosamente escolhida pela mãe e as marcas de guerra certamente pintadas por Ulf.

— Seja forte. — eu disse, um gesto de alerta e bênção. Ele sorriu, um sorriso que era mais um acordo silencioso do que uma expressão de alegria. Suas mãos, notei, estavam desarmadas. — Onde está seu armamento? — A pergunta saiu tingida com uma pitada de preocupação, pois ele ainda não estava totalmente equipado para o que viria.

Ivar relaxou, a tensão em seus ombros se dissipando.

— Ulf prometeu trazer... já que o senhor não pode me passar a sua arma... — Sua voz vacilou, e seus olhos desviaram, um gesto tímido de quem carrega o peso de expectativas não atendidas e de uma vulnerabilidade que ele raramente mostrava.

Eu o impedi de baixar a cabeça, levantando seu queixo com um dedo.

— Mantenha a cabeça erguida, garoto.

Eu podia sentir a decepção de Ivar, talvez até uma sombra de tristeza. Mas a resiliência de um guerreiro é forjada nas chamas da dor e do desapontamento. Eu não poderia suavizar seu caminho; ele precisava trilhá-lo por si mesmo, crescer além do menino que eu conhecia. Como guerreiro, como meu filho, ele tinha que se superar. As únicas palavras de afeto que permiti a mim mesmo foram as que proferi antes de virar as costas e me afastar.

Ivar não precisava de despedidas.

Ele retornaria.

As mulheres da família se aproximaram dele, minha esposa o envolveu em seus braços, oferecendo o conforto que eu não podia dar.

Enquanto eles se uniam, eu me afastei, minha presença imponente se dirigindo ao trono. Sentando-me, um suspiro pesado escapou dos meus lábios, mas foi interrompido por passos firmes e um sorriso confiante que carregava consigo as amarras de um loiro imundo, porém a postura ereta e o penteado arrumado o diferenciava de todos presentes no salão.

Meus olhos se estreitaram, uma fenda de fúria controlada, enquanto eu contemplava a possibilidade de estrangular meu irmão por sua insolência. Ele tinha escolhido este momento crítico para tecer uma de suas travessuras, uma que ameaçava desfazer a solenidade que o dia exigia.

Isso era um desvio inaceitável.

E isso me incendiou por dentro.

— Leif.

— Irmão! — Sua voz cortou a multidão, uma lâmina de entusiasmo impróprio. Ele manobrou entre os corpos, ignorando as convenções, arrastando consigo um escravo que não tinha lugar ali, fora das sombras do cativeiro. Sua abordagem desrespeitosa, uma afronta em plena vista de todos, acendeu em mim um desejo de violência. — Não se irrite, eu venho com boas... intenções.

O anel em meu dedo girava, um reflexo do turbilhão em minha mente. Leif capturou meu olhar, um desafio silencioso antes que eu desviasse meus olhos para o escravo.

Alto e loiro, vestido em farrapos que mal conseguiam ocultar seu charme wessexiano.

Era o tipo de beleza que não passava despercebido, que poderia ser tão facilmente manipulada quanto rapidamente cobiçado e invejado pelas camareiras.

Desviei o olhar de sua aparência marcante, evitando deliberadamente o encontro desnecessário de nossos olhares, e voltando para Leif.

— Fale. — A palavra saiu de mim, cortante como o inverno, congelando os incautos e aguçando os sentidos dos distraídos no salão.

Leif, com aquele seu sorriso que sempre escondia mais do que revelava, recuou com passos carregados de teatralidade.

Meu irmão brincava com a corda que prendia os pulsos do escravo, enrolando-a em torno de seus dedos com um prazer mórbido. Ele abriu a boca, pronto para tecer suas desculpas ou soltar alguma piada de mau gosto.

Eu não tinha interesse em suas palavras, em Leif, ou no motivo pelo qual aquele cativo havia sido trazido até aqui.

Leif iniciou seu discurso, despertando em mim uma preguiça quase instintiva. Repousei meus braços no encosto do trono, aguardando pacientemente. O que não esperava era que, em um ímpeto, ele soltasse a corda do escravo e se lançasse sobre mim, suas mãos firmes em meus pulsos, seu hálito quente roçando meu ouvido.

— Que tal uma aposta? — sussurrou ele.

A audácia do movimento fez o salão inteiro prender a respiração. Eu não antecipava tal agressividade, mas conhecia Leif o suficiente para saber que ele não ousaria me ferir.

Engoli o desdém que brotou em minha garganta e lancei um olhar severo para Aslaug, que já se adiantava com fúria nos olhos. Um olhar meu foi o suficiente para detê-la.

— Fale. — A palavra saiu fria, cortante, e Leif suprimiu um riso sarcástico.

— Eu e você, irmão. — Ele se aproximou, um odor desconhecido emanando de sua pele. — Permita que o pequeno príncipe participe da cerimônia. Se ele perecer, você ganha; se ele triunfar... eu ganho.

Minha mão se fechou com tanta força sobre o trono que quase arranquei um pedaço do aço.

— E o que você ganha com isso? Uma foda passageira? — Virei o rosto para encará-lo. — Ou será que já recebeu sua recompensa? — Minhas palavras eram um sussurro carregado de ameaça.

Ele sorriu, um sorriso que era mais uma declaração afirmativa do que de alegria.

— E qual é a sua resposta?

Apertei os lábios, uma barreira contra o peso de sua presença indesejada. A força dele contra meus braços era insignificante, não mais do que um incômodo. O que me impedia de agir era o resquício de consideração que eu mantinha por ele, meu único irmão de sangue.

— Prossiga como quiser. Mas esteja ciente, se trouxer problemas, pagará com a própria vida.

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