Perseverança

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O que poderia ser esse homem, senão uma aberração da natureza?

Sua força bruta, sem dúvida, impressionaria qualquer aldeão, mas para mim, era apenas mais uma prova da falta de refinamento. Força sem propósito é apenas desperdício, algo que o próprio Angus parecia desconhecer. Eu, por outro lado, sei que há mais valor em uma mente afiada do que em músculos que apenas esmagam.

E, no entanto, aqui estava eu, pendurado de cabeça para baixo como uma criança, carregado como se fosse algum tipo de bagagem dispensável. Desde que aprendi a caminhar, jamais fui levantado dessa forma, e nunca imaginei que alguém fosse capaz.

Eu debati no começo, é claro, não porque sentia medo, mas porque essa proximidade me causava uma repulsa quase instintiva. Eu não me rebaixo a cheiros. Porém, curiosamente, ele não exalava o odor de carne suada e sangue, como se esperaria de um homem de seu porte. Em vez disso, havia algo quase... marítimo em sua essência.

Um cheiro de sal, como o de um homem que passou sua vida no mar, invadindo terras e retornando com tesouros inúteis, e não com conhecimento — ou bom senso e piedade para parar de roubar o que não o pertence.

Meus dedos se apertaram na capa de pele de urso que cobria suas costas. Era genuína, claro, e ao sentir a maciez sob meus dedos, um pensamento rápido me veio: essa capa vale mais do que ele pode entender.

No entanto, o que eu não esperava era o som abafado de tecido rasgando.

Minhas unhas, num aperto involuntário, haviam rompido parte da costura fina. Travei imediatamente, paralisado. Droga. Uma peça de valor como essa, arruinada em questão de segundos. Afastei minhas mãos com um cuidado quase reverente, longe de estar afim de sofrer uma consequência.

Nas mãos certas, essa capa poderia ser o centro de uma sala de trono, ou o manto de um sábio. Mas aqui, com Angus, ela era apenas mais uma peça para mantê-lo quente, nada mais.

E, eu, a rasguei...

Ah...

Ele continuava a falar, com aquela voz grave e cortante que ecoava no espaço apertado entre nós. Falava sobre me manter preso, sobre me levar para perto dele como se eu fosse um objeto, uma posse a ser vigiada e guardada. Suas palavras eram tão frias quanto o ambiente onde estávamos, mas eu não conseguia focar em nada ao redor.

Meus olhos, quase que por reflexo, voltavam para o pequeno rasgo que eu havia feito na capa. Talvez eu devesse ter dito algo, uma resposta sagaz que o distraísse daquele detalhe insignificante, mas que agora parecia um farol me denunciando.

Preferi o silêncio, um silêncio que eu esperava que o deixasse focado em sua própria ameaça, ignorando o estrago. Eu conseguia imaginar o valor daquela pele no mercado – ela cobriria minha cama inteira e ainda teria o suficiente para me aquecer no inverno.

Ele era grande, monstruosamente grande.

Suas mãos apertavam minhas coxas com uma firmeza que, em qualquer outra situação, eu poderia considerar rude, mas agora... agora, eu sabia que ele só queria garantir que eu não escorregasse das suas costas. O calor de seus dedos se infiltrava na minha pele, firme, decidido, como se cada toque tivesse um propósito.

Eu deveria continuar lutando, me afastar. Qualquer um esperaria isso. Mas, em algum ponto, minhas pernas pararam de tentar se soltar. Eu senti a tensão em seus músculos, a respiração pesada, e sabia que ele não percebia que minha resistência havia cedido.

Sua mente estava em outro lugar, distante, talvez planejando mais uma invasão sem sentido, mais um saque para encher seu tesouro com ouro que ele jamais gastaria.

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