Capítulo três: Mael
A cadeira oscilava perigosamente sob mim, enquanto eu me inclinava para frente, a ponta dos dedos pressionando contra a parede fria e irregular. A curiosidade fervilhava dentro de mim, uma força tão poderosa que me fazia ignorar o risco de uma queda iminente.
As vozes do lado de fora, cada riso e palavra, pareciam mais nítidas quando eu concentrava toda a minha atenção nelas, inclinando a cabeça para o lado, deixando que meu ouvido bom captasse os fragmentos de vida que se desenrolavam além da minha janela de observação.
Com os olhos fechados, eu me permitia ser levado pela imaginação, mordendo a ponta da língua em um gesto inconsciente de foco. Mas então, um som diferente — passos que se aproximavam, vindos de dentro, não de fora.
Meus olhos se abriram num instante, e eu me afastei bruscamente da janela, as mãos deslizando pela parede enquanto eu perdia o equilíbrio e caía.
Uma dor aguda disparou pelo meu tornozelo esquerdo, e eu sabia que o tinha torcido. Mas, apesar da dor, eu me forçava a ficar de pé, determinado a não ser pego num pequeno momento de vulnerabilidade.
Para abafar o gemido que ameaçava escapar, transformei-o em um rosnado surdo, contido no fundo da garganta, enquanto meus lábios permaneciam firmemente pressionados um contra o outro. A dor aguda no tornozelo era quase sufocante, mas eu me impunha a ficar ereto, a postura rígida e desafiadora, justo quando a porta de madeira, pesada e imponente, se abriu com um movimento brusco e repentino.
A porta se chocou com a parede com um estrondo que reverberou pelo espaço confinado, e uma onda de constrangimento me invadiu por ter reagido tão instintivamente a um som tão previsível. O susto me fez dar um salto involuntário, que só serviu para intensificar a dor aguda no tornozelo.
Com um esforço hercúleo, engoli o gemido que ameaçava se libertar e rapidamente recomponho minha expressão, mascarando o desconforto com uma máscara de indiferença.
Levantando o olhar, encarei a figura que se materializava na entrada, a poucos metros de distância, com uma curiosidade cautelosa.
A luz da tocha rasgava a escuridão, um farol de claridade que se derramava pelas paredes do meu quarto. A mão que a segurava era firme e pertencia a um guerreiro cujo olhar encontrou o meu num reconhecimento fugaz, antes de se desviar para outro ponto qualquer.
Quando ele se moveu, a figura que estava oculta por sua larga sombra veio à luz. Um homem longe de pertencer à imundície dos estábulos. Seus olhos se estreitaram em minha direção, um brilho calculista brincando nas bordas de suas pálpebras semicerradas, e então ele se virou, revelando um sorriso que mal se insinuava nos cantos de sua boca.
Ele não era um homem comum. Seus traços carregavam a herança viking, mas havia neles uma beleza quase fora de lugar, como se fossem esculpidos com mais arte do que brutalidade. As bochechas altas, um traço de nobreza raro nestas terras, lhe davam um ar juvenil que contrastava com a profundidade de seus olhos.
Ele caminhou em minha direção, e cada passo seu era como uma nota dissonante na melodia de desconfiança que tocava em minha mente. Ele emanava uma aura de sarcasmo, quase palpável como o aroma da terra úmida depois da chuva.
Engoli em seco, permitindo que o orgulho ressurgisse, trazendo consigo um vislumbre de dignidade. Precisava disso para encarar o homem que, apesar de ser trinta centímetros mais baixo que o brutamontes que quase arrancou a porta do batente, impunha uma presença de líder.
Ele repousou uma mão casualmente sobre a faixa de pele que circundava sua cintura e lançou um olhar ao redor do quarto. Seu sorriso era tudo menos agradável; era carregado de sarcasmo e cinismo, e eu não pude evitar sentir que era direcionado a mim. Com movimentos lentos, cruzei os braços, erguendo uma barreira invisível de defesa contra a autoridade e o escárnio que ele emanava.
Seus lábios, estreitos e bem desenhados, se abriram sem emitir som, como se hesitassem em quebrar o silêncio.
Eu, por minha vez, preferia que continuasse assim, calado.
Não me interessava conhecer a sonoridade de sua voz, que imaginava ser forte o suficiente para ser ouvida de longe, nem as palavras rudes que ele poderia proferir. E, por uma sorte que talvez ele desconhecesse, eu não compreendia nem uma palavra do que ele dizia.
A voz dele emergiu rouca, tingida de um humor que me pegou de surpresa, fazendo-me recuar até as aulas de geografia da igreja , onde eu tentava decifrar sotaques de terras distantes. Ele falava com uma leveza que, no meio de sua frase, revelou minha aparente indiferença às suas palavras.
Eu deveria mostrar medo diante de uma ameaça ou irritação frente a uma piada? A clareza da minha indiferença não passou despercebida, e com um olhar rápido por cima do ombro, ele fez um sinal discreto para o brutamontes.
O grandalhão se aproximou, ouviu um murmúrio inaudível e, com um último olhar em minha direção, virou-se e desapareceu pela porta.
Agora, estávamos a sós. Os trinta centímetros que ele tinha a menos em comparação ao brutamontes pareciam ter migrado para sua estatura, fazendo-o parecer mais alto e imponente na ausência do outro.
Com uma mão já repousando no tecido que envolvia seu quadril, ele adicionou a outra e deu dois passos lentos, depois mais alguns, deslizando horizontalmente como se reexaminasse o quarto — um espaço mais adequado para um cavalo do que para uma pessoa.
O sorriso continuava lá, firme em seu rosto — a única forma de comunicação que ele parecia considerar adequada para me afetar. Apertei os punhos, tentando conter o ranger dos dentes que a tensão exigia, mas a rigidez se desvaneceu quando a voz dele preencheu o espaço, um timbre que eu ouvia, mas não via, pois ele havia passado por mim e agora contemplava a janela — talvez notando os dedos marcados na parede ou a cadeira tombada no chão.
— Príncipe nervoso, — ele pronunciou, o sotaque carregado marcando cada palavra em um inglês fluente, mas tingido com a aspereza dos termos plebeus. Com um movimento orgulhoso, ergui o queixo diante de sua audácia, girando o torso com uma lentidão calculada antes de alinhar meus pés em sua direção. A silhueta dele se tornava mais nítida no escasso espaço que nos separava. Ele não estava suficientemente perto para tocar, mas também não estava distante o bastante para que uma aproximação súbita fosse impossível. — todos são como você?
— Terá que se esforçar muito para chegar aos meus calcanhares. — retruquei, com um sorriso que era mais um desafio do que uma expressão de alegria.
Ele havia cutucado o leão do meu orgulho com uma vara curta, e eu, por minha vez, havia soprado as cinzas quentes do seu ego até que as chamas se erguessem.
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Coração Forjado
Storie d'amoreREMAKE da primeira versão de Coração Forjado!!! O príncipe Mael vivia uma vida de privilégios e deveres, até ser arrancado brutalmente de sua corte e lançado ao coração gelado das terras vikings. Cativo de guerreiros selvagens, ele luta contra o fri...