Impiedoso

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Angus

A expectativa paira no ar, espessa como a neblina que se forma nas manhãs frias. Os aldeões, mesmo os menores entre eles, carregam um brilho de esperança nos olhos. Esperam, anseiam, pelo retorno dos guerreiros mais fortes do reino. Cada rosto, cada par de olhos, reflete a crença de que, de alguma forma, esses bravos poderiam mudar o destino do reino, que estava à beira da desolação.

Em um contraste chocante, eu permaneço em um silêncio sepulcral, vestindo a armadura mais resistente que tinha. A espessura do couro protege minha honra como rei dentre todos os mais simples que me cercam. A esperança do meu povo parece distante, quase irreal, enquanto eu me preparo para enfrentar as piores notícias. Meus braços estavam cruzados, uma defesa contra o frio que penetrava até os ossos, enquanto eu observo Ulf Torvald se aproximando.

Ulf, com sua espada pesada repousando nas costas, a carrega com a facilidade de um homem que já havia enfrentado muitas batalhas. No entanto, havia um peso maior em seu semblante; seu rosto era uma máscara de seriedade, seus olhos sombrios, incapazes de transmitir qualquer vestígio de esperança. Ele se aproxima com a gravidade de quem traz notícias que podem alterar o curso de tudo. O caos que ele carrega parece estar em suas mãos, e eu era o responsável por resolvê-lo, mesmo sem saber como.

Os passos dele param, afundando na neve fofa. Ele ofega levemente, um esforço claro de quem havia percorrido uma longa distância, atravessando até os limites dos rios que eu havia ordenado. Ulf era assim, sempre se esforçando, sempre buscando um caminho onde parecia não haver nenhum.

Retira um saco de linho da cintura e o lança aos meus pés. A neve ao redor não se move com o peso do objeto, e meu coração se aperta ao perceber que não precisa abrir o saco para saber que está vazio.

— Estamos passando por tempos piores que antes — disse ele, a raiva e a decepção dançando em sua voz. Pôs uma mão na cintura, sua respiração irregular indicando a luta que travou para chegar até mim. — Fomos até Mjorná.

Meu estômago se revirou. Mjorná, o maior e mais distante dos rios, tinha a fama de suas águas resistirem ao frio por mais tempo, um recurso vital para nós, mas também uma longa jornada para aqueles que buscavam alimentá-lo. Sabia que, se ele tivesse ido até lá, era porque as coisas estavam muito mais complicadas do que eu imaginei.

— E como está a situação? — pergunto, forçando a voz a sair de minha garganta, que se fecha num rosnado contido.

— Temos pouco menos de uma semana — informa ele, a seriedade na sua expressão se aprofundando — para fazermos tudo o que pudermos antes que esteja completamente congelada. Seus guerreiros estão cansados, Angus. Caçam por dias sem descanso para retornar de mãos vazias. Dê a eles uma folga. Eu irei amanhã sozinho para tentar novamente.

Ulf era persistente, um verdadeiro lutador. Sei que não desistiria até que um peixe fosse puxado para fora das águas geladas. Concordo com um movimento de cabeça, soltando um ar pesado que se transformou em nuvens de vapor, enquanto o vento cortante fazia minha barba arrepiar.

— Os ventos sopram frios — murmuro, olhando para o horizonte coberto de branco. — O fogo é bom nesse tempo. — Apoiando-me na madeira rugosa da cerca, volto meu olhar para ele, que observa a paisagem antes de se voltar para mim. — E a lenha? — mudo o rumo, buscando um sinal de alívio.

— Temos o suficiente para o meio inverno — ele responde, seu tom de voz baixo, mas tranquilizador.

Deixo escapar um suspiro, murmurando:

— Logo as famílias devem entrar em reclusão quando o tempo frio aumentar. — As palavras saem pesadas, uma preocupação constante em minha mente. — Devo ordenar isso. Há muitos que ainda desobedecem e morrem pela própria idiotice.

É impossível apagar a lembrança das crianças que saíram em uma noite gelada e encontraram a morte no silêncio da neve da minha mente. Não era uma perda massiva, mas significativa.

— Faça o que tem que fazer — disse Ulf, afastando-se lentamente. Um último pensamento o fez hesitar. — E quanto ao prisioneiro?

A menção do prisioneiro me fez levantar a atenção.

— Mantemos ele vivo por dias — continuou Ulf, sua expressão repleta de desprezo — Soube que a comida retorna do mesmo jeito que foi levada. É idiotice. Estamos compartilhando nossa escassa comida para manter aquele wessexiano vivo!

Ele não via o que eu via. O príncipe de Wessex não era apenas um prisioneiro; ele era uma chave, um valor oculto em meio à nossa escassez. Sabia que Ulf não enxergava além do seu desprezo, mas a verdade era que a vida daquele homem poderia muito bem ser a única coisa que nos salvasse.

— Deixe-o. Eu posso lidar com ele sozinho — rebato, minha voz firme como o aço que protege meu corpo. A determinação pulsa em minhas veias, e eu sei que Ulf não teria coragem de me enfrentar.

Ele solta um bufar, um som que carrega a sabedoria de um homem que conhecia os limites da confrontação. Sem mais palavras, recua um passo, desviando-se de mim enquanto segue em direção à sua casa.

Exalo todo o ar que estava preso em meu peito, um alívio temporário diante da pressão que sentia. No entanto, minha mente não se aquieta, e uma pergunta paira no ar, como uma nuvem pesada e carregada.

— E quanto a Ivar? — Indago, meu tom firme o suficiente para que ele ouvisse à distância. Não viro as costas, mas sei que a pergunta captura sua atenção. Ivar deveria ter voltado, mas sua presença ainda não se manifestou.

O silêncio que se seguiu foi arrastado.

A resposta de Ulf demora a surgir, como se ele ponderasse o peso das palavras que escolheria.

— Ele está bem — respondeu, de maneira vaga. Não era a confirmação que eu espero, e isso só aumenta a minha inquietação.

Giro nos tornozelos, voltando-me para ele. O semblante de Ulf estava retraído, como se ele estivesse hesitando em revelar algo. Uma sombra de teimosia pairava entre nós.

— Quero saber se ele passou — insisto, a frustração começando a se infiltrar em minha voz.

— Sobreviveu — disse ele, de forma direta, mas em um tom mais baixo, quase como um sussurro. — É o que importa. — E, sem esperar uma resposta, continuou a andar.

A relação entre Ivar e Ulf era um mistério para muitos, mas não para mim. Desde que se tornaram inseparáveis, Ulf havia tomado a responsabilidade de proteger Ivar como se ele fosse seu próprio filho. Arrisco dizer que a ligação deles era mais forte do que qualquer outra que Ivar poderia ter, mesmo com seu pai. Era nítido, a maneira como se tratavam; Ulf exibia um orgulho que, mesmo assim, não podia esconder a fragilidade que sentia em relação ao garoto. E, no fundo, sabia que essa proteção vinha do entendimento de que, se Ivar falhasse, as consequências seriam minhas.

Eu não admitia perdas.

A ideia de que Ivar pudesse não ter sido bem-sucedido não me deixava. Ele tinha que ganhar, ou, caso contrário, mereceria o fracasso que o aguardava.

Não sou impulsivo. Prefiro ter meus próprios métodos. Precisava encontrar Ivar e buscar as respostas que desejava, não importando onde ele estivesse. A verdade era que, quando se tratava de alguém sob minha proteção, eu não descansaria até que a situação estivesse clara.


























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