Embates - 04, final

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Capítulo nove: Mael

A

inclinação da ladeira se acentuava, e com ela, meus pensamentos se perdiam na neblina. "Será que ela sempre foi tão espessa, ou será que eu simplesmente não a percebi até agora?" A frieza do ar se entrelaçava com a névoa, formando um pacote sensorial que me impedia de notar qualquer coisa além do véu branco que se estendia diante de mim. Meus olhos não se aventuravam acima da linha do horizonte; eles estavam fixos, presos ao caminho sob meus pés, como se temessem encontrar algo desconhecido no branco que tudo consumia.

A sobrevivência tornou-se um conceito palpável, uma presença constante em cada passo cauteloso que eu dava. Jamais imaginei que meus pensamentos seriam consumidos pela necessidade de sincronizar cada movimento, com medo de que um deslize pudesse me fazer tropeçar, cair e encontrar um fim prematuro. Nunca, até agora. E a respiração? Eu deveria ter prestado mais atenção, evitando a troca apressada do ar nasal pelo bocal, que agora me castiga com uma dor aguda e persistente. Se ao menos eu soubesse antes... Mas o conhecimento chega tarde, e a dor já se instalou, profunda abaixo do meu peito, enquanto o frio pinta meu nariz de um vermelho vivo, tão intenso quanto o de uma pétala de rosa — um eco das minhas bochechas, que também ardem em um rubor involuntário.

A cada puxão da barra do casaco, o tecido já desgastado se moldava ao redor dos meus dedos, uma tentativa desesperada de reter o calor fugaz. Meu queixo se escondia contra o peito, numa busca instintiva por um pouco mais de proteção contra o frio que me cercava. As mãos, que eu deveria manter aquecidas, estavam abandonadas à própria sorte, pois o casaco só garantia o calor do meu tronco — as extremidades eram um território que eu tinha que defender sozinho.

Era uma batalha contra o clima que afunilava a população jovem da cidade, e eu, particularmente sensível a cada variação térmica, me encontrava frequentemente à mercê de um resfriado ou de uma dor inexplicável. No frio, meus joelhos se tornavam prisioneiros de um gelo invisível, e a dor que se seguia era como se os ossos fossem moídos. Avançar pelo chão congelado era uma luta constante, com obstáculos que pareciam multiplicar-se à medida que o ar frio roubava meu fôlego.

Várias vezes me peguei questionando se conseguiria chegar sequer à metade da montanha. O pico se escondia tão alto que as nuvens o tocavam antes mesmo dos meus olhos. Vasculhei os arredores em busca de um caminho mais curto, uma trilha menos árdua, mas a solidão era minha única companhia — não havia vestígios dos mais jovens. Talvez tivessem descoberto uma rota mais inteligente ou, pior, um fim prematuro. Eu não queria encontrar nenhum dos dois; nem o silêncio eterno dos que se foram, nem o pulsar da vida daqueles que, por sua mera existência, poderiam pôr a minha em risco.

A coceira discreta na garganta era um lembrete seco da minha sede. Com dedos trêmulos, vasculhei os bolsos da calça, alimentando uma esperança vã de encontrar um resquício de água, qualquer gota que aliviasse a irritação persistente. Mas os bolsos estavam tão vazios quanto minha esperança.

Tossir era um ato que eu abominava, uma quebra da compostura que minha mãe sempre insistiu que deveria ser mantida — nada além de palavras refinadas deveriam passar pelos meus lábios. E assim, com a mão cerrada diante da boca, eu hesitava, lutando contra o impulso de expelir o desconforto de forma tão vulgar.

Quando finalmente cedi, o som que emergiu foi menos de uma tosse e mais de um arranhar gutural, um som que me fez sentir menos do que deselegante — me senti primitivo, quase selvagem. Quase viking.

O som oco que brotava de minha garganta despertava um arrepio visceral, uma antipatia que se agravava quando uma voz furtiva se insinuava por entre as árvores à esquerda, subindo a ladeira.

Os mais astutos se camuflavam com cores que mimetizavam a casca da madeira, permitindo-lhes se fundir ao cenário e aguardar o momento propício. A arma, tão discretamente oculta quanto seus portadores, era um prenúncio de um fim silencioso e abrupto. Para mim, era um péssimo presságio.

O eco que se deslizou até mim carregava meu nome, sussurrado com uma insegurança que parecia destinada apenas aos meus ouvidos. Naquele som hesitante, eu senti a presença de alguém escondido além do alcance da minha visão, alguém que me observava de longe.

A sensação de desconforto subiu pela minha garganta, mas eu a contive e ergui a cabeça com rapidez, deixando o tecido que antes aquecia meu rosto cair, expondo-me novamente à crueza do frio. Meus olhos buscaram a figura oculta, mas tudo o que encontraram foi o silêncio, um silêncio que parecia ter vida própria.

— Saia. — eu ordenei, com a voz firme de quem não conhece o medo. Mas, por dentro, o medo estava lá, pulsando em cada palavra.

Ele não se revelou de imediato, mas não demorou a poupar-me da espera, desvendando-se aos poucos, começando pelas mãos até chegar ao rosto. Para os do seu próprio círculo, ele era alguém de importância. Para mim, não passava de um estranho. Suas roupas eram um estandarte de sua posição elevada, um contraste gritante com o tecido surrado dos demais. Ele exalava opulência, uma riqueza que transbordava até de seu olhar. No entanto, por trás do brilho dourado de seus olhos, espreitava uma hostilidade latente, um aviso claro de que nem todo o ouro brilha benignamente.

Levantei o queixo com a graça de quem nunca foi perturbado por trivialidades e permiti que meu olhar percorresse sua figura, desta vez com a intenção clara de ser notado. Meu sorriso era um esboço no rosto, desprovido de qualquer calor. Meus olhos se fixaram nos dele, mas não havia afeto ali, apenas um reflexo frio da minha determinação. Com uma leve pigarreada, abri caminho para que minha voz emergisse, tingida com a verdadeira intenção das minhas palavras.

— Um leão entre lobos. — eu disse, com um tom que carregava mais escárnio do que admiração. Ingênuos poderiam confundir isso por um elogio, mas era tão sarcástico e vazio quanto o meu sorriso contido. — O que deseja de mim? Um atalho para o cume ou a rota mais fácil para a fortuna?

Suas mãos foram atrás do corpo, como um rico agiria para pensar numa resposta e então devate-la com um comentário pessoal ou pergunta. Ele deu um passo leve e outro, derrubando o olhar para as próprias botas, em melhores condições que as minhas, doadas pelo próprio líder viking, certamente de descarte enquanto as dele de primeira mão e couro, e então me devolveu a intensidade, um afrontamento e ousadia que eu nunca veria se não fora das fronteiras do meu reino.

Ele deslizou as mãos para trás do corpo, um gesto típico de alguém acostumado à riqueza, ponderando uma resposta antes de tecer um comentário pessoal ou lançar uma pergunta incisiva. Com passos calculados, ele baixou o olhar para suas próprias botas, impecáveis e polidas, um presente de primeira linha em comparação com as minhas, um descarte generoso do líder viking. Mas quando seus olhos encontraram os meus novamente, havia uma intensidade neles, um desafio e uma audácia que eu jamais teria testemunhado se permanecesse confinado às fronteiras do meu próprio domínio.

— Não finja e eu não fingirei. — cessou os pés — Te ofereço um acordo. Aceite, e conhecerá a liberdade.

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