XXIII: Outro crime abafado

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Silvana esperou ansiosamente para que o homem viesse bater em sua porta.

— Me enviou um recado. — ele falou olhando a mulher. 

— Sim. — deixava-o passar. 

— O que está quebrado desta vez? — olhou ao redor e sentiu o cheiro de bolo de chocolate. 

— Nada. Ou espero que não. — franziu o cenho. — Na verdade, o senhor no último dia...

— Dois dias atrás.

— Sim, — sorriu sem graça. — o senhor deixou cair uma parte de seu pagamento, tentei lhe alcançar, mas seria demasiado escandaloso gritar. 

— Escandaloso para quem? 

— Para as pessoas na cidade, um comportamento a evitar na sociedade. 

Ele riu concordando com a cabeça. A mulher lhe ficava olhando vendo que ele talvez nem fosse feio, ou não o suficiente para sentir nojo de seu rosto. Seu nariz era feio, isso era certo, mas o resto parecia bem. 

— E meu dinheiro então? 

— Ah, sim. — despertou e foi até o quarto buscar a nota. — Aqui está. 

— Está um cheiro de bolo, novamente não vai me oferecer? Por educação ao menos.

— O senhor quer um pedaço? 

— Não, eu estou de saída. — riu da cara dela, estava desajustada. — É brincadeira, óbvio que quero. 

Silvana franziu o cenho, chateada, e foi indo até à cozinha. 

— É brincadeira. — repetiu se sentando à mesa. — É suposto rir. 

— Eu acho que fazer as pessoas de idiota não é bem o melhor jeito de fazer alguém rir. — serviu-o e cruzou os braços. 

— A senhora tem que descontrair mais. 

— E há como descontrair nesta cidade? — suspirou olhando o relógio em cima da cabeça dele. 

— Temos uma praia lindíssima. Deveria experimentar, já que mora de frente para ela. — gesticulou indicando atrás dela.

— Uma senhorita não fica saltitando na areia. — ditou com seu ar estressado. 

— Uma senhorita também não recebe um homem estando só em sua casa, mas aqui estamos. E não pela primeira vez. — comeu. — Se não se importasse tanto com esses "senhorita não faz isso, senhorita não faz aquilo", definitivamente seria mais feliz. 

— O senhor é? — franziu o cenho. 

— Claro. Além de não ficar grudado a essas imposições, eu sou homem e o mais importante, a felicidade só depende de nós mesmos. Felicidade é algo permanente, é uma forma de ser, um modo de vida e não um estado de espírito que pode mudar a qualquer problema grave. 

— O senhor é daqui, de Magris? — franziu não entendendo tão bom humor, definitivamente era um estrangeiro ilusionado. 

— Nascido e criado. Na rua da feira, ali em cima. — se serviu de refresco. 

— E é sempre sozinho? 

— Não. Eu tive filhos, tenho sobrinhos, dois irmãos. — encolheu os ombros. 

— Teve filhos, como assim? — tentou não ficar extremamente chocada, afinal não era ele um solteirão?

— Ah eles morreram no parto junto com a minha esposa. A parteira não chegou a tempo e eu não estava presente. 

Magris A história de uma cidadeOnde histórias criam vida. Descubra agora