Cap 36 - Aquela garota ruiva

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Por Samuel

- Ah, oi Samuel. - Morgana estava com olheiras profundas e com o rosto úmido.

- Boa noite May. - Eu olhei sobre o ombro dela para dentro da casa e vi que havia varias garrafas de bebidas sobre a mesa, algumas até jogadas pelo chão.

- O que você quer?

- Posso entrar?

- Não. - Ela entrelaça o braço dela no meu. - Eu quero andar. - Ela falou fechando a porta da casa, saindo andando e me levando junto.

Nós estávamos andando para algum lugar que nem ela parecia saber onde era.

- Como você está?

- Estou chapada demais para conseguir pensar na resposta que você quer ouvir.

- Você pode apenas dizer como se sente.

- O que eu sinto não é o que você quer ouvir.

- Já pensou em sair um pouco de casa?

- Acredite, eu estou saindo.

- Para festas ou para encher a cara?

- Sim, por quê? Vai me julgar agora?

- Não, eu nem poderia na verdade.

- Eu sou fraca Samuel, parabéns por descobrir isso, eu nunca vou saber qual a receita mágica para ser forte como você, nunca vou seguir em frente ignorando o fato que minha família inteira está morta e a culpa é minha.

- Você não é fraca Morgana e eu também não sou forte, nós só arrumamos válvulas de escapes diferentes, enquanto você enche a cara de bebida eu me fechei para o mundo, há 6 anos eu não sei conversar direito com as pessoas, há 6 anos eu não tenho amigos porque eu perdi todos os que eu tinha e não queria, podia ou conseguia fazer outros, há 6 anos eu não consigo chorar porque eu chorei sem parar durante uma semana inteira e quando percebi que isso não ia trazer meus pais de volta, eu parei de chorar e nunca mais derramei uma só lágrima. Sabe o conselho que eu te dei? Eu mentir, eu não sabia o que fazer, eu nunca soube o que fazer.

- Morgana.

- O que?

- Você me chamou de Morgana, não me lembro de você ter me chamado assim alguma vez, é estranho.

- Ah, sim.

- Me conta como foi?

- Como foi o que?

- A morte dos seus pais.

- Não acho que você realmente iria querer ouvir sobre isso.

- Eu quero, conta.

- Eu não posso te dar todos os detalhes, porque não me lembro, mas eu tinha 10 anos e estava no meu quarto, quando escutei alguns barulhos estranhos vindo da sala, eu já estava me preparava para verificar o que estava acontecendo, mas antes disso, minha irmã invadiu meu quarto e sussurrou para que eu entrasse entro do guarda roupa. Perguntei o que havia acontecido e a única coisa que ela respondeu foi "um estranho entrou aqui, a mãe e o pai estão lutando com ele, o papai está ferido, mas nós vamos dá um jeito, fica aqui e não sai até eu voltar ou até isso tudo passar." Ela beijou minha testa e fechou a porta do guarda roupa, depois disso eu não sei e nem imagino ou quero imaginar o que aconteceu. O barulho passou e eu esperei mais um tempo dentro do guarda-roupa, mais algumas horas talvez ou muitas horas juntando coragem para sair. Quando finalmente consegui sair, fui andando a passos lentos e tremendo até a sala, lá eu vi a pior cena da minha vida, acho que em toda a minha vida eu nunca vou ver cena pior que aquela. A sala estava completando suja de sangue, do chão até o teto, em cada canto da minha sala, minha mãe estava com o pescoço cortado e meu pai com uma espada cravada no peito, eu nunca vou esquecer o semblante dos dois, não importa quantos anos se passarem, acho que se eu bater a cabeça e perder a memória, eu não vou esquecer dos rostos deles. Eu não sabia o que fazer, então voltei para dentro do guarda-roupa e passei horas chorando, sem sair de lá de dentro. Depois eu descobri, quando vários estranhos invadiram meu quarto e me tiraram de dentro do guarda-roupa, que aquelas horas foram 7 dias dentro de um guarda-roupa, eu passei 1 semana dentro de um casa com a minha família morta na sala. Eu precisei passar uns 3 dias no hospital tomando soro, eu quase morri desidratado, eu queria ter morrido.

- Por quê?

Eu passei em torno de 1 minuto calado, porque eu nem sequer sabia como verbalizar aquilo, eu nunca havia verbalizado aquilo.

- Meus pais não morreram dos ferimentos, eles morreram de hemorragia, eles passaram horas vivos. Você disse que seus pais morreram e a culpa foi sua? Bem... Provavelmente eu sou mais culpado do que você pela morte dos meus pais, se eu tivesse saído daquela porra de guarda-roupa para pedir ajuda, talvez meus pais ainda estivessem vivos, quando eu voltei para o meu quarto e me tranquei de novo naquele droga de guarda-roupa, eu estava terminando de matar meus pais e nem sabia.

- Sabe o que eu acho que você deveria fazer Samuel?

- O que?

- Siga seu próprio conselho.

- Meu própria conselho?

- Sim, chore, é só chorar.

- Só chorar? - Sinto algo escorrendo pelas minhas bochechas. - Isso está começando a parecer com as minhas seções de terapias, a diferença é que eu nunca tive uma psicóloga ruiva.

May colocou a mão no meu rosto, enxugando minhas lágrimas.

- Você é uma das poucas pessoas que eu conheço que não ficam feias chorando, você até que fica bem bonito chorando na verdade.

Só aquela garota ruiva, temperamental e explosiva conseguiria me fazer rir e chorar ao mesmo.

Também coloquei a mão em seu rosto e me inclinei na intenção de beija-la, sinceramente eu esperava que ela recuace, mas diferente do que eu imaginava, ela permitiu que os meus lábios encostassem os seus.

Quando a sensação de falta de ar nos invade e nós fomos obrigados a separar nossas bocas, ficamos alguns segundos apenas olhando uma para o outro, até que Morgana fica na ponta dos pés para alcançar meu ouvido.

- Oh meu querido, você sabe que fogo com gelo não combinam, não sabe?

- May, eu queria ter adjetivos para descrever você.

Ela sorriu para mim, será que eu já havia reparado antes o quanto o sorriso dela era bonito? Será que mais alguém havia reparado?

- Vamos voltar. - Foi tudo que ela disse.

As vozes da BruxaOnde histórias criam vida. Descubra agora