Os Jogos Vorazes - Capítulo 1

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Eu não senti medo e acho que se alguém soubesse disso à princípio pensaria que sou uma pessoa corajosa, mas para mim a minha ausência de medo naquele momento se encaixaria mais como o sinal de alguma insanidade porque o medo é um sentimento comum, natural e necessário. Um extinto de sobrevivência que desde que a humanidade existe serve como uma faca de dois gumes, servindo como um aviso quando as coisas estão prestes a se transformar numa grande e apavorante merda, mas também algumas vezes o medo nos consome paralisando cada vibra nossa e nos impedindo de fazer muitas coisas só pela possibilidade de algo extremamente ruim acontecer.

Uma pessoa racional sentiria medo se estivesse no meu lugar e o fato de eu não sentir absolutamente nada nesse momento faz de mim uma idiota. Minhas chances de ser sorteada são com certeza muito maiores do que todas as crianças a minha volta, já ouvi em alguns programas de entrevistas que segundo algumas pessoas da Capital a vitória e a glória está no sangue e é por isso que filhos, irmãos e outros parentes de vitoriosos são sorteados com uma grande frequência é o obvio que isso não é verdade e apenas um idiota acreditaria nisso.

Sou filha do primeiro tributo masculino vitorioso do Distrito 12 e da queridinha da capital a mais bela e perfeita vitoriosa Petra Stone vinda da longa dinastia de vitoriosos carreiristas do 8. E mesmo que eu não carregue o sobrenome que mais possuem vitorias em toda Panem o legado dele pesa em mim, só que isso não tem nada a ver com destino ou algum tipo de azar desgraçado no meu sangue, isso acontece simplesmente porque faz parte desse show sádico a euforia de ver a família dos favoritos de Panem aparentemente é algo muito divertido para os expectadores infames da capital. Minha bisavó a primeira vencedora e matriarca da família Stone previu isso de alguma forma nos primórdios da 9ª edição dos jogos quando eles ainda eram uma carnificina e não o espetáculo de hoje ela sabia bem o que precisava fazer para proteger os seus. Por isso ela treinou seus filhos e os filhos dela venceram e depois treinaram os filhos deles e aqui estou eu a 4ª geração da família que não possui se quer uma baixa para os jogos.

A pior parte disso é que não temos escolha porque eu sei desde que me entendo por gente que um dia meu nome será sorteado e eu irei para a arena lutar e matar, não para manter um legado que nunca pedi para ter, mas sim para sobreviver.

Eu só não esperava que ele seria tão cedo.

— Kalea Abernathy — Diz Silla Castleroy me procurando na multidão, ela sabe quem eu sou a anos acompanha minha mãe e meu tio que são mentores desde que a memória do meu avô começou a falhar.

E se eu não tinha medo algum antes provavelmente foi porque eu o guardei todo para esse momento — Fecho meus olhos em uma tentativa falha de acordar de um pesadelo.

Não isso está errado, só pode ser um engano eles nunca fizeram isso antes. Não fazia sentido me sortearem logo na minha primeira colheita eu não sobreviveria, com doze anos ninguém vencia os jogos. Eu estava prestes a surtar perder a calma e a sanidade, quando uma mão se pós no meu ombro não olhei a princípio imaginei que fosse um pacificador para me arrastar a força até o palanque não era incomum isso acontecer principalmente com crianças menores quando sorteadas, mas isso seria ruim para mim eu me sairia como fraca e malvista quando a Capital visse isso seria a primeira da minha família a parecer fraca. Por esse motivo abri os olhos e ergui a cabeça pronta para dar meu melhor enfrentado isso tudo, só que quando olhei para trás não dei de cara com pacificador algum. E quando reconheci quem estava ao meu lado e na hora soube em seu olhar o que ela planejava fazer.

— Não — Sussurrei.

Estava prestes a dizer a ela que estava tudo bem que eu iria enfrentar isso quando aconteceu.

— Eu me ofereço. Eu Eden Stone me ofereço como tributo — Com uma nas mãos se agarrando a minha e a outra levantada ela se portou como se já fosse uma vitoriosa.

E enquanto se separava de mim e seguia os pacificadores até o palanque observei como sua postura era ereta e seus olhos atentos se fixavam nas câmeras, aquela era a sua última colheita se não fosse por mim ela jamais precisaria ir aos jogos. Eden podia ser a pessoa mais forte e letal que eu conhecia, mas também era doce e gentil e odiava isso tudo e agora se sacrificaria por mim.

Quando ela subiu no palco seu olhar se voltou a mim no lugar que eu ainda permanecia paralisada de medo sem dizer uma palavra se quer. Eu deveria ter gritado negado isso e exigido que fosse eu a ir aos jogos e não ela, foi então que o céu escureceu e todos batiam palmas para minha prima cujo sorriso aumentava cada vez mais e então o sangue veio jorrando de sua garganta e consumindo tudo como uma onda escarlate, em algum lugar ouvi minha mãe gritar e depois ouvi um tiro.

Eu não me mexia não chorava ou gritava só ficava lá paralisada com o que estava acontecendo. O mundo sob meus pés estava desabando e eu não poderia fazer absolutamente nada quanto a isso, afinal sou fraca demais para impedir que aqueles que amo se machuquem e enquanto eles morrem eu só posso fazer a coisa mais covarde e patética que existe, me afogar no mais puro terror.


Acordei com falta de ar e corpo pegajoso de suor. Olhei pela janela e vi que o céu ainda estava escuro o que indicava que era bem tarde, e mais uma noite em claro estava por vir. Dois anos haviam se passado e as consequências daquele dia ainda me assombravam.

Usamos a palavra pesadelo para descrever um sonho ruim, mas o que eu vivo todas as noites embora mais vivido e complexo que a própria realidade pode se quer ser chamado de sonho, já que se encaixa mais como um conjunto de memórias que me assombram constantemente.

A morte de Eden, a doença que rapidamente consumiu minha mãe e o suicídio do meu tio; três tragédias quase simultâneas que ficaram conhecidas como a queda da família Stone. Se ignorarmos meu avô que está literalmente biruta só sobrou eu "A última esperança do legado" segundo os tabloides da Capital é um legado que eu odeio sentir a cobrança do mundo de ter que carregar. Venho de uma família de assassinos não de valentes e horados guerreiros a glória da minha família veio banhada em sangue e de certa forma acho até irônico que foi no sangue de Eden que a queda teve o seu estopim.

Tributo de PrataOnde histórias criam vida. Descubra agora