Capítulo 16

60 10 0
                                    

Quem é vivo, sempre aparece!!
X
X
X
XXXXXXXXXXXXXX

Camila

Eu sempre ouvia os fantasmas.

A morte não era nenhuma estranha em Venda. Ela caminhava pelas ruas com audácia, esfregando seus cotovelos ossudos nos transeuntes cujas bochechas eram tão esqueléticas quanto as próprias, com seu largo sorriso avistando-nos ao longe, sussurrando: Você é o próximo. E eu sussurraria de volta: Ainda não, hoje não.

Todo mundo em Venda estava sempre a um passo da morte, incluindo eu mesma, dependendo apenas da direção para a qual ela resolvesse se voltar, mas seu sorriso largo e congelante há muito tempo deixara de me amedrontar.

Então, quando vi os fantasmas no Canal dos Ossos, seus dedos esqueléticos estirando-se em minha direção, batendo como patas nos meus pés, suas vozes ruidosas soando em tom de aviso, Volte, não passe por este caminho, eu os ignorei.

"Não passe por este caminho."

Mas foi isso que fizemos.

E agora não poderíamos voltar atrás. Havíamos caído por um buraco e, do outro lado, saímos em um mundo diferente, um mundo temporário que estava de cabeça para baixo, onde tudo soava de outra forma, tinha gostos e sensações diferentes, e onde todo sabor efêmero era perigosamente doce.

Shawn se inclinou para perto de mim, erguendo meu queixo, e seus lábios encontraram os meus — o melhor da situação, era o que dizíamos a nós mesmos, repetidas vezes, conforme os dias iam se passando.

Estávamos apenas tirando o melhor proveito de tudo aquilo. Uma história, uma charada, um talo de dente-de-leão era o que tecíamos em cada beijo, partículas de um açúcar tão doce e fadado a derreter e desaparecer nas pontas de nossas línguas, mas, por ora, era verdadeiro o bastante.

O que podia haver de mal nisso? Estávamos sobrevivendo.

Porém, conforme os quilômetros percorridos aumentavam, nossos passos sussurravam uma mensagem diferente, cada um deles nos aproximando do mundo do qual havíamos partido.

O peso contraía minhas entranhas, um animal escondido que não podia ser enganado, quaisquer que fossem as histórias que contássemos a nós mesmos.

Shawn poderia ser um tipo de pessoa aqui fora, mas quando voltássemos, ele seria o inimigo, o chefe fora da lei de uma família fora da lei — que possivelmente acolhia um sanguinário criminoso de guerra, uma ameaça para todo o continente. E, caso eles estivessem mesmo fazendo isso, ele e sua família haveriam de pagar o preço.

Aqui eu podia ser a garota que o ajudara a fugir de caçadores e a curar suas feridas, a garota que adorava ouvir suas histórias, mas lá, no mundo real, a rainha de Venda havia me encarregado de um trabalho. Eu lhe devia lealdade tanto quanto ele a sua família, e o trairia quando chegasse a hora. Faria sua família e sua dinastia ficarem de joelhos. O mundo dele estava prestes a terminar.

O melhor da situação.

Nós só estávamos tirando o melhor da situação, aproveitando o momento. Por ora.

Essa era a nossa história. Que não tinha de ter um começo feliz nem um final feliz, mas cujo meio era um festim, um delicioso banho de espuma, uma noite de descanso em uma estalagem com a barriga cheia, um peito quente aninhado nas minhas costas, o calor suave dos lábios dele na minha nuca, histórias sussurradas ao meu ouvido.

Paramos no meio da manhã para beber de uma fonte, então descansamos à sombra de um amieiro. A folhagem estava ficando mais espessa agora, com as planícies atrás de nós, as montanhas aos pés de outras mais altas e mais escarpadas, as florestas se erguendo logo atrás, acima delas.

SWEET ARROW         {SHAWMILA}Onde histórias criam vida. Descubra agora