Capítulo 13

74 8 5
                                    

Oieeee, voltei!!!!

Boa leitura!!!
.
.
.
-+-+-+-+-+-+-+-+-

Camila

NÃO TENHO CERTEZA DE QUE ESSE SEJA SEU VERDADEIRO NOME.

O estranho é que essa era, provavelmente, a coisa menos complicada e mais verdadeira em relação a mim. Camila de Brightmist.

Minha mãe tinha vindo da província nortista de Balwood, aventurando-se rumo à cidade do Sanctum, como fizeram muitos outros que ali se amontoavam, na esperança de uma vida melhor do que a que eles tinham no árduo terreno fora da cidade. Mas ela vinha com o fardo extra de um bebê na barriga e apenas um punhado de moedas.

Ela nunca falava do meu pai. Eu não sabia se ele estava vivo ou morto, se ela o havia amado ou odiado, ou se ela sequer o conhecera direito. Viajar sozinha pelas planícies inférteis era uma perspectiva perigosa para qualquer um.

Ele se foi, Camila, era tudo o que havia dito, e ela parecia tão triste que não voltei a perguntar.

O quadrante de Brightmist ficava na parte norte da cidade. Lá, ela conseguiu encontrar uma barraca desocupada e, que manteria a chuva — e qualquer parteira — do lado de fora, de modo que se acomodou ali.

Shawn não foi o primeiro a questionar a veracidade do meu nome. A maioria daqueles que encontramos na cidade nunca tinha ouvido o nome Camila. Quando perguntada a respeito disso, minha mãe dizia que era um nome das terras altas e que queria dizer “primavera”. Em uma outra vez, ela disse que significava “passarinho”, e outra vez ainda, “mensageira de deus”. Eu me dei conta de que ela não fazia ideia do significado do meu nome, e, uma vez que ela se fora, aquilo não parecia importar. Quem ou o que eu era se tornou um detalhe esquecido. Qualquer nome serviria, e todos os tipos de “apelidos” eram usados para me fazer sair correndo.

Suma daqui, verme, fedelha nojenta, peste, seu amontoado de cocô!

Até que apareci com um plano para fazer com que eles quisessem minha presença.

A questão em torno dos nomes, de uma marca, é que eles criam mentiras na cabeça das pessoas, uma história inventada e na qual elas desesperadamente desejam acreditar, uma fantasia que só precisa ser alimentada com paciência — você é mais bondosa, mais bonita, mais astuta, mais sábia, você é merecedora, limpe seu prato —, como um peixe de boca redonda irrompendo na superfície da água, seguindo uma trilha de migalhas de pão.

Atraia-os para perto com um bocadinho, dois, e então enganche o anzol atrás de suas guelras, deixando-os desnorteados e se debatendo, fazendo-os esquecer o que eles realmente haviam perdido porque seus estômagos estufados estão cheios.

Karla Camila, às vezes eu sussurrava para mim mesma, enquanto saía furtivamente com comida escondida debaixo do meu casaco, porque havia dias em que até eu mesma me esquecia de quem eu tinha sido antes.

*****

Eu me esforcei além da conta para apagar as suspeitas de Shawn e convencê-lo de que eu era apenas uma soldada contando-lhe sobre o meu treinamento e minha vida no Sanctum. No entanto, até mesmo nesse assunto eu tinha de tomar cuidado e editar a verdade.

O treinamento dos Rahtan era diferente. Os exercícios físicos, as horas, assim como o estudo, eram infindáveis. Eu tinha falhado no nado, mas apenas por falta de prática. Eu era menor do que a maioria dos candidatos e tinha de trabalhar em dobro para provar o meu valor. Essa era a parte fácil.

O mais difícil foi aprender a dormir em uma cama, e não embaixo dela. Na maioria das noites, para me poupar a angústia, eu simplesmente ia de fininho, com um cobertor na mão, para uma passagem oculta debaixo das escadas.

Certa noite, a rainha inesperadamente se juntou a mim. Lembro de ter olhado para a chama da lanterna, focando-me nela, e não na rainha. Senti vergonha por estar ali, aninhada no escuro. Ela sentou no chão ao meu lado, o túnel pequeno demais para que nos levantássemos.

— Eu também vinha até aqui. — ela dissera. — Era um espaço escuro, seguro para mim. Houve muitos dias que eu temi serem os meus últimos aqui no Sanctum. Eu sentia tanto medo naquela época. Às vezes, há dias em que ainda sinto. Tenho muitas promessas a manter.

— Mas você manteve suas promessas.

— Liberdade não é algo que se conquista definitivamente, Karla. Ela vai e vem, como os séculos. Não posso me descuidar. As lembranças são curtas. É o esquecimento o que eu temo.

Era o que eu temia também.

Esquecer.

Mas eu não poderia partilhar nada disso com Shawn.

Quando ele me perguntou se o malabarismo fazia parte do treinamento dos Rahtan, dei risada e levei na brincadeira, dizendo que era algo que eu havia aprendido no meio do caminho.

— Que caminho?

Ele estava escavando em busca de informações. Eu lhe disse que um amigo havia me ensinado.

— Você tem amigos espertos.

— Sim, eu tenho. — foi a minha resposta, não lhe oferecendo mais nenhuma informação.

Eu era autodidata. O desespero pode ser um bom professor, talvez o melhor dos professores. Eu tinha de aperfeiçoar novas habilidades rapidamente, ou morreria de fome.

Porém, o comentário dele sobre amigos fez com que eu pensasse em Hailey e Ariana. Elas chegaram no Sanctum poucos meses antes de mim, ambas haviam sido surpreendidas em brigas e não tinham nenhum familiar imediato que pudesse ser chamado. Com a mesma idade e tendo se conhecido nas ruas, elas naturalmente se uniram. Depois de dois anos, Kaden, o Guardião da rainha, decidiu quem passaria para o treinamento dos Rahtan.

Kaden nos olhou de um jeito austero e demorado, tentando decidir se nós três poderíamos passar para o próximo nível. Surpreendentemente, a esposa dele, Pauline, lançou-lhe um olhar severo a nosso favor. Havíamos treinado e trabalhado juntas desde então.

Eu tinha esperanças de que elas estivessem seguras, escondidas em algum lugar, Ariana entretendo Hailey com os detalhes mundanos acerca dos racaas.

Sim, nosso plano tinha dado errado, mas elas eram engenhosas e tínhamos planos reserva. Por ora, elas provavelmente já deviam imaginar que eu não estivesse dentro da torre da Vigília de Tor.

— O assentamento fica a quanto tempo daqui?

— Não sei ao certo. Esqueci de trazer o mapa e a bússola. Por que você não procura os seus?

— Você acha que ainda estamos no caminho certo?

— Sim. — foi a resposta enfática dele.

Eu não tinha certeza se ele estava irritado por ser a segunda vez que eu fazia essa pergunta ou se estava simplesmente infeliz por estarmos seguindo para o assentamento de Casswell — território vendano —, quer ele gostasse ou não.

Ele continuou a me contar histórias sobre a torre da Vigília de Tor. Eu tinha de admitir que elas me fascinavam. Eu ansiava por ouvi-las. De manhã ele havia me contado sobre as Lágrimas de Breda, um conjunto de sete cascatas nas montanhas de Moro, nomeadas em homenagem à deusa Breda, que tinha vindo à terra e se apaixonado por Aris, um mero mortal. Seu amor era tão grande que flores brotaram nas pegadas deixadas por eles, flores mais belas do que quaisquer outras já criadas pelos deuses, que ficaram enciumados com isso. Então eles proibiram Breda de voltar para a terra e, quando ela os desobedeceu, Aris foi morto. O pesar dela foi tão imenso que rios de lágrimas caíram dos céus, escorrendo e descendo pelas montanhas onde eles haviam caminhado, criando cascatas que ainda fluem nos dias de hoje.

— E há flores que crescem apenas na base dessas cascatas e em nenhum outro lugar na montanha.

— Então deve ser verdade. — falei.

Ele sorriu.

— Deve ser. Um dia eu mostro para você.

Um silêncio pesado caiu sobre nós. Nós dois sabíamos que ele nunca me mostraria, mas suas palavras tinham escapado com facilidade, antes que ele pudesse impedir, como se estivesse falando com uma amiga.

Seguiram-se outros momentos embaraçosos.

Ontem de manhã acordei com o braço dele em cima de mim, seu peito aninhado junto às minhas costas. Ele não estava ciente disso; deve ter buscado se aquecer enquanto dormia.

Fiquei lá deitada, pensando no peso do braço dele, em como era a sensação de ter aquele braço ali, no som suave de sua respiração, no calor de sua pele. Foi um minuto impulsivo e indulgente, durante o qual me perguntei com o que ele poderia estar sonhando, até que o bom senso recaiu como um dilúvio sobre mim, e eu cuidadosamente afastei seu braço antes que ele acordasse.

Eu havia feito um esforço consciente para não tocá-lo e acho que ele tinha feito o mesmo, mas o sono se aproximara feito um ladrão, roubando nossas intenções.

Eu o enchi de perguntas enquanto caminhávamos, jogando-as com muita cautela, de modo que parecessem espontâneas e casuais, e a maior parte delas era sobre a torre da Vigília de Tor.

Fiquei sabendo que se tratava de um complexo de lares e edifícios que abrigava os escritórios dos negócios dos Mendes, um verdadeiro império.

A renda deles vinha de múltiplas fontes, mas ele não disse que fontes eram essas. Quando achei que ele havia percebido minhas intenções, mudei de assunto, mas acabei descobrindo que boa parte de sua renda vinha da arena de comércio, uma grande feira na qual compradores e vendedores de todo o continente trocavam e comercializavam suas mercadorias.

Começou com os grãos cultivados na Eislândia, porém, com uma maior abertura comercial entre os reinos desde os novos tratados, a arena triplicara de tamanho a cada ano desde então.

— Estou ouvindo direito? — perguntei, utilizando meu tom mais denso de zombaria. — Quer dizer que vocês se beneficiaram dos novos tratados?

— De algumas formas, sim. Mas não a ponto de nos dispormos a abrir mão de quem somos.

Ele esfregou o dedo logo abaixo do lugar onde estivera o anel de sinete. Era um outro tique que eu havia notado. Ele fazia isso com frequência quando falava de seu lar. Eu imaginava a luta que havia se seguido quando o caçador tentou tirar o anel dele. Tinha certeza de que Shawn não cedera facilmente. Imaginei que ele tinha sorte por ainda ter o dedo.

Coloquei a mão no fundo do bolso e passei os dedos pelo cálido círculo de metal, perguntando-me se deveria entregá-lo, mas parecia tarde demais agora. Ele iria querer saber por que eu pegara o anel, para começo de conversa, e, acima de tudo, por que tinha demorado tanto para devolver.

As chaves tinham sido roubadas por questões de sobrevivência. Mas o anel fora por um motivo bem diferente.

No ano anterior à vinda da rainha, meus roubos haviam se tornado cada vez mais uma forma de punição. Eram um imposto de fúria que eu cobrava pelas respostas que nunca recebia, uma retribuição por todas as pontas de dedos de crianças que haviam sido tomadas por lordes de quadrantes e então dadas aos porcos. A maior parte desses roubos punitivos era de itens que não tinham valor algum. Eles não enchiam a barriga, mas me preenchiam de outras maneiras.

A menor — e mais inútil — coisa que já roubei na minha vida foi um brilhoso botão de latão, do qual o lorde do quadrante de Tomac tinha muito orgulho.

O botão se sobressaía em sua barriga, em meio à longa linha de botões brilhosos em seu casaco, um raro tesouro que ele havia comprado de um condutor dos Previzi.

Para mim, esses botões pareciam gordos rebites dourados que mantinham sua barriga no lugar. Roubar o botão do meio havia arruinado todo o efeito espalhafatoso daquilo. Eu o havia seguido durante uma semana, sabendo exatamente quando ele passaria pela viela abarrotada, com multidões atrás dele, empurrando-o, e eu estava lá, com meu gorro puxado para baixo, a pequena lâmina curva na palma da minha mão. Ele não soube que o botão havia desaparecido até chegar no fim da viela, quando ouvi seu berro agudo e estridente. Sorri diante do doce som. Era o único alimento de que eu precisava.

O anel de Shawn era simplesmente tão inútil para mim quanto aquele botão; ainda assim, eu o havia roubado pelo mesmo motivo. Era um símbolo de poder, um legado por eles reverenciado, que, em um movimento silencioso, foi rebaixado para o fundo do meu bolso escuro e sujo.

.
.
.
-+-+-+-+-+-+-+-+-+-+-

Me diz oq vcs estão achando!!
VOTEM!!!!

SWEET ARROW         {SHAWMILA}Onde histórias criam vida. Descubra agora