23º capítulo

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Quando abri os olhos novamente eu não estava mais no meu quarto, mas em algum lugar na praça central de Toronto que estava muito diferente da atual.

- Que lugar é esse?

- Toronto, porém não nos dias atuais, estamos no ano de 1812, nessa época essa cidade ainda não existia, e estávamos em guerra.

- Em guerra?

- Sim, York tinha sido atacado por forças americanas e tudo aqui era muito difícil.

Eu olhei para as pessoas que passavam por nós correndo e buscando por abrigo e depois vi uma mulher que se aproximava de uma capela local, ela usava um longo vestido negro e escondia o rosto com uma capa, não consegui ver sua face claramente, ela bateu na porta da capela em desespero e logo foi atendida por um pároco local.

- Quem é ela?

- Venha comigo e verá.

Com as mãos trêmulas dei minha mão a ele e logo estávamos dentro da igreja, velas iluminavam o local enquanto duas freiras e um padre faziam um parto de emergência, eu não sabia do que se tratava, mas aquela mulher estava passando por um grande sofrimento.

- Precisa ajudá-la Haziel! Ela não vai aguentar.

- Não podemos Alicia, isso já aconteceu e nada que façamos aqui será notado, não se pode mudar o passado.

Assim que a criança nasceu às velas do local se apagaram e um vento gelado adentrou no recinto congelando o local, o padre olhou apavorado para a mulher que jazia morta no chão completamente ensanguentada.

- Essa criança é amaldiçoada pelos céus! Tirem-na daqui!

Eu não entendi aquilo direito, mas a freira enrolou o bebê em um pano e saiu correndo com ele pelas ruas da cidade, eu e Haziel a seguimos e vimos quando a mesma abandonou o pequeno bebê nas portas de um orfanato.

- Quem é essa criança Haziel?

Ele apenas me olhou sem me dar uma resposta, o menino foi recolhido e à medida que os anos passavam pudemos ver que a vida que ele levava parecia se tornar mais dura a cada dia, o garoto era perseguido e maltratado por todos, sofria na mão dos mais velhos, até que um belo dia ele foi castigado, arrastado pelo braço por uma senhora foi trancafiado em um armário escuro, do corredor eu pude ouvir o choro dele desesperado.

- Me tirem daqui!

Eu corri até a porta tentando abri-la, mas minhas mãos não podiam segurar o trinco.

- Alicia, pare com isso! Não pode mudar o passado lembra-se?

Me vi desesperada, mas obedeci, logo nossos olhos estavam sobre o garoto e era possível vê-lo dentro do armário, ele tinha se agachado em um canto e abraçado as próprias pernas, balançava-se indo para frente e para trás, tentei não sentir medo quando o vi erguer o rosto e o mesmo foi refletido no espelho que havia dentro do armário, os olhos claros de tom âmbar me fizeram sentir uma pontada no fundo do peito, aquele menino, aquele garoto era Caled, eu estava presa ao passado dele.

Algo começou a mudar no olhar dele e eu o vi se transformar pela primeira vez, os olhos âmbar logo ficaram alaranjados e por fim vermelhos enquanto o ambiente ficava cada vez mais quente, ouvi os gritos que vinham do lado de fora.

- O que está acontecendo?

Haziel me levou para fora e no corredor pessoas corriam para todos os lados, crianças tentavam escapar de toda forma, umas até saltando pela janela enquanto o fogo consumia todo local, voltei a olhar para o armário que estava intacto.

- Não pode ser ele quem está fazendo isso! Ele é só uma criança!

- Não subestime alguém como Caled Ferhell, ele sempre foi muito poderoso, seus dons vão muito além da confusão mental que você conhece Alicia!

- Ele sofreu abusos, foi torturado, machucado! Não pode condená-lo por nunca ter recebido amor!

- E você acha que pagar com crueldade quem um dia lhe fez mal é uma justificativa?

Eu fechei os olhos, Haziel tinha razão, nada daquilo podia ser justificado por mais que fosse compreensível a raiva que ele sentia.

- Não, mas tente compreender, ele não sabe controlar seus dons! E está ferido, como quer que ele aprenda a amar se o amor nunca lhe foi ofertado?

Haziel apenas estalou os dedos e me levou para outro lugar, agora nós estávamos em uma casa, uma bela casa por sinal, Caled já estava maior, vestia um uniforme escolar e parecia ter uma boa família, numerosa, porém boa, certamente tinha sido adotado, ele não era muito bom com jogos então trapaceava usando seus dons mentais para ganhar sempre, isso irritou seu irmão mais velho.

"está roubando"!

"Prove"!

Não havia como provar, então os dois começaram a brigar, Caled era muito mais forte que uma criança normal, machucou seriamente o outro garoto que era maior que ele, e sua mãe adotiva decidiu devolvê-lo ao internato.

Com o passar dos anos, ele vinha piorando cada vez mais, passando de um lar adotivo a outro e sendo sempre devolvido por algum motivo.

Não contei, mas tenho certeza de que foram mais de dez lares, até que por fim ele completou dezoito anos e agora eu o podia ver como ele era nos dias atuais, Caled não tinha mudado nada, e pelo que eu podia perceber fazia muito tempo que ele mantia aquela aparência, ganhava a vida com jogatinas, enganando pessoas, enganando mulheres, uma vida de horror eu diria, meu coração estava quebrado de todos as formas por ter que assistir aquilo em silêncio, ele vivia alcoolizado e fazendo muitas maldades, roubava pessoas na cara dura, e não se importava em causar mortes, pelo contrário parecia feliz em saber que podia causar dor.

Alicia e o CondenadoOnde histórias criam vida. Descubra agora