CONTATO IMEDIATO

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Lya

Um barulho gotejante me puxa aos poucos para a realidade, mas ainda sou incapaz de abrir os olhos. Meu corpo está letárgico e dolorido. Tenho a leve impressão de ser arrastada bruscamente e cair com um baque mole no chão. Isso faz meu quadril latejar. Certamente estou viva, do contrário não estaria sentindo nenhuma dor. Com um pouquinho mais de esforço e zero de vontade, consigo abrir os olhos, quando tudo que desejo é me entregar a essa letargia e, quem sabe, um sono revigorante.

Minha primeira visão é da copa das árvores, o que significa que estou na selva. Pela densidade da floresta, poderia apostar que fui cair na floresta amazônica. Meu capacete não está na minha cabeça e isso me permite sentir o ar puro e a umidade invadindo meus pulmões. Menos mal, ter ficado vagando no espaço e acabar perdendo todo o combustível teria sido meu fim, ainda que eu não saiba como consegui reentrar na atmosfera da Terra, naquelas circunstâncias, sem explodir.

Depois de alguns minutos, finalmente tive forças para me sentar. Eu preciso sair do traje espacial e sozinha, será muito complicado. Depois de um esforço tremendo, consigo me livrar das parafernálias e me dou um tempo para observar à minha volta. Era para essas árvores serem tão altas assim?! E onde está meu módulo?! Dou um giro de 360° graus , lentamente olhando ao meu redor e tudo que vejo é um rastro na terra e folhas revolvidas que vão dar exatamente onde estou.

É nesse momento que percebo que fui arrastada até esse exato ponto. A questão é: pelo o quê ou por quem?! Agora que estou mais atenta, percebo que a floresta está um completo silêncio, o que só é possível quando há um predador por perto. Isso é um mau sinal. Há uma vontade latente em mim de perguntar "tem alguém aí?", porém o medo da resposta é bem maior. Porque sim, sinto que tem alguém me observando.

Acabo fazendo a coisa mais sensata a se fazer, que é ir na direção de onde fui arrastada. Há suprimentos no módulo e formas de pedir por um resgate. Não faço ideia de há quanto tempo estou nesse lugar, mas poderia jurar que pelas condições envelhecidas do meu traje, foram anos, o que não faz nenhum sentido; a menos que eu tenha sido lançada num looping temporal. Ok! Isso é ficção científica demais. Estou ficando cheia de paranóias. Procuro andar o mais rápido que minhas dores corporais me permitem e para minha surpresa, o módulo está há mais de cem metros de distância do local onde eu estava.

Há um rastro de destruição onde ele caiu e um rasgo na copa das árvores, mas ainda insuficiente para eu identificar qualquer aspecto importante do céu. Só sei que é dia e não noite. Minha nave está parcialmente destruída, o vidro frontal foi estilhaçado. É um milagre que eu tenha sobrevivido nestas circunstâncias. Enquanto estou examinando em volta do módulo, se há possibilidade de explosão, antes de tentar entrar nele, ouço barulho de galhos se partindo.
É só o que falta, aparecer um animal selvagem para me devorar, porque tenho sérias dúvidas se o que me arrastou é humano.

E tem mais, estou sentindo como se meu tórax tivesse sido comprimido. Pode ter sido provocado pela queda?! Sim! Mas essa sensação me lembra da vez que Frederico me deu um abraço nada agradável. E por falar nele, espero que esteja bem e se comportando.
Observo calmamente de onde o barulho veio e percebo uma sombra oculta na densa folhagem.

— Sei que está aí…saia! — Tomo coragem para dizer.

Espero não parecer desafiadora, até porque não tenho qualquer arma para me defender, mas tenho preparo físico para me defender de algum engraçadinho. Agora se for uma onça, fudeu! Vejo quando a sombra se move, como se estivesse se escondendo.
Inferno! Será que alguém da equipe de resgate chegou e estão tentando me aterrorizar?! Porque se for isso, está funcionando.

— Olha, isso não tem graça…apareça logo! — A sombra volta a se mover. Essa merda está me irritando. Eles não vão me fazer de idiota. Aposto que armaram esse cenário todo só para me pôr medo.

Assim que a sombra se move novamente, corro em sua direção e termino derrapando no chão liso, quase caindo de cara no chão.

— Mas que…— eu ia xingar, mas diante do que vejo, fecho minha boca instantaneamente.

Maldição! Por que tem uma criança aqui?! O menino não deve ter mais do que três anos de idade, seus cabelos ruivos estão na altura dos ombros; só consigo identificar que é um menino porque está nú como veio ao mundo. Sua pele é alva, mesmo sob toda essa sujeira e posso ver arranhões em seus braços e pernas.
O quê?! Há estilhaços de vidro encravados em suas pernas e mãos.
Céus! Foi esse neném que me tirou do módulo! Acabo deduzindo. Cadê os pais dessa criança?!

Enquanto estou aqui indagando os porquês, o pequeno me olha de um jeito estranho. Será que é filho de nativos e se perdeu dos pais?! Ou será que foi abandonado aqui?! Sinto um nó no estômago ao pensar nessa última hipótese. Porém, ao observar o quão grande e emaranhado está seu cabelo e o tamanho de suas unhas, estou inclinada a acreditar nessa última possibilidade.

— Ei, você está sozinho?! — ele inclina a cabeça pro lado e continua a me encarar — Não consegue me entender?! — E nada de resposta.

Talvez não tenha aprendido a falar. Dou passos para me aproximar e ele se afasta.  Hum, isso não está dando certo. Eu não tenho jeito com crianças.
Talvez tenha alguma coisa no módulo que chame sua atenção, então vou até lá e abro a escotilha. Por sorte, há um carregamento de mantimentos aqui e estou torcendo para que esteja intacto. A fome está chegando para mim e aquela criança lá fora não parece muito diferente de mim.

Há frutas e rações. E faço uma prece para estar tudo em bom estado. Abro os locais de armazenamento e para meu desespero, as frutas estão estragadas, a maioria delas. Passo para os seguintes compartimentos, ao menos as rações sólidas estão preservadas e a depender do tempo que terei de ficar aqui, estou salva. A nave, em si, será meu abrigo, uma vez que não posso me distanciar muito dela por conta do dispositivo de rastreamento. Só assim poderão me encontrar. Pego um pacote de ração de patê, pena que não tem como hidratar isso aqui no meio da selva. Vai ter que ser assim mesmo, é melhor do que morrer de fome. Uma pera é minha outra opção. Minha intenção é ir até a criança, mas assim que me viro para sair, deparo-me com o guri dentro do módulo. Só não dou um grito de susto, porque meu modo racional é mais rápido em conter minhas emoções.

Como ele entrou aqui e não ouvi nada?! Eu não estava tão concentrada assim no que fazia.

— Está com fome?! — mostro a fruta para ele. — Pera…

Seu olhar é de quem não entende uma só letra do que estou falando, mas levando em consideração que encher o estômago é uma necessidade universal, ele parece entender que estou lhe oferecendo uma refeição. O modo como toma a fruta das minhas mãos é como se eu estivesse ameaçando pegar tudo de volta. O mais incrível é quando sai em disparada pela escotilha aberta.
Misericórdia! Crianças são tão rápidas assim?! Não me lembro disso. Ponho a cabeça para fora e percebo que está anoitecendo.
Que merda! Passar a noite no meio da Amazônia é tudo que menos quero.

— Volte aqui, neném! É perigoso! — Eu não devia estar gritando, isso pode ser perigoso. Sabe-se lá que tipo de animal feroz posso atrair.

Fui atrás dele, porém sumiu. O pior é que escureceu muito rápido e acabei retornando para a nave. Já estou começando a questionar minha sanidade mental. Posso ter tido uma concussão cerebral e estar vendo coisas que não existem. Afinal, não é como se crianças andassem pela floresta sozinhas.

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