Pessoas borderline eram diferentes. Eram pessoas que amavam demais. Que sentiam demais. Românticos ao extremo. Sempre com problemas para manejar suas relações interpessoais. Isso me define muito. Minha vida foi permeada pela falta de aptidão em manter quaisquer relacionamentos. Não tinha habilidade suficiente. Tudo era sempre caótico e instável, como eu. Por mais que amasse alguém, não sabia o que fazer para retê-los comigo. Por isso, acabava perdendo-os.
Essa era a parte mais dolorosa. Assistir as pessoas amadas partirem porque eu não conseguia ser suficiente para fazê-las ficar. Eu sei que o pensamento não é legal, certamente um fruto sintomático do transtorno, afinal, pessoas entram e saem das nossas vidas pelas mais variadas razões, mas a cada nova partida, eu me sentia tão pequena e quebrada. Insuficiente. Como se todo o meu amor, por mais intenso que fosse, não bastasse. Talvez por isso eu tenha me tornado falsamente fria. Uso a aspereza das minhas palavras e a minha cara feia como escudos de defesa para me preservar das pessoas. Eu fujo do amor, amedrontada por ele, ainda que secretamente eu o deseje mais que tudo.
Porque, para mim, é mais fácil viver sem ele como que por escolha, do que me destroçar todas as vezes em que meus objetos de amor decidem partir pela porta.
Era assim que eu estava vivendo antes de parar neste porão: fugindo de encrencas, especialmente românticas. Eu não queria mais namorar. Também não queria criar nenhum vínculo, nem mesmo de amizade. Porque eu sabia que cedo ou tarde, eu não seria mais suficiente e teria de ver a pessoa partir.
Por um lado, eu deveria agradecer Abby por me trazer para cá. Ironicamente ou não, o fato de estar presa aqui me impede de ter qualquer possibilidade de me vincular a alguém - ou era isso que eu pensava até me vincular a ela sem querer.
Estou parada, sentada no tapete, encostada no sofá, olhando em direção à porta, lembrando da forma como ela partiu daqui depois que discutimos. Pensando no quanto eu sou burra e sempre preciso dar um jeito de estragar tudo. Talvez esse seja meu único talento: estragar as coisas.
Mas, neste caso, eu sinto que se eu ficasse calada diante dos absurdos que Abby diz em relação às "cobaias", eu estaria sendo conivente com sua loucura e perversidade, e eu não sou conivente. Posso até ter empatia por ela, por causa da sua infância, posso até mesmo ter me apaixonado, porque a gente não controla essas merdas e estou presa aqui e minha cabeça deve estar mais fodida que o habitual, mas isso não significa que vou começar a achar normal o fato dela ter sequestrado, estuprado e matado mulheres antes de mim.
Depois que ela se foi, comecei a gritar histericamente, tive um ataque de fúria e aí comecei a chorar. Clássico. Nada anormal para mim. Agora, estou aqui, caída as traças, desejando uma garrafa de vodca e os lábios carnudos daquela maldita...
Não sei como nem quando, mas em dado momento eu devo ter apagado. Quando acordo, estou na cama. O relógio indica dez da manhã. A bandeja do meu café está na mesa. Me sento depressa e tomo um susto ao ver Abby no sofá.
— Ei, bom dia.
A olho com os olhos arregalados.
— Ei... bom dia. — levo a mão à cabeça, me sentindo confusa. — Não me lembro de ter vindo para a cama, nem sei quando dormi.
— Eu te coloquei na cama. — explica, levantando-se do sofá e pondo as mãos enormes dentro dos bolsos da calça jeans. Eu amo quando ela usa jeans. Suas coxas parecem que vão explodir o tecido azul marinho. — Fiquei preocupada depois da nossa discussão e mesmo com medo de você me mandar à merda, decidi vir de madrugada, daí você estava apagada no tapete. Tive que te colocar na cama. — diz, olhando para mim com uma expressão suave.
— ... obrigada por isso.
— Quer comer na cama ou... — faz um gesto com a mão, indicando a bandeja de café.
VOCÊ ESTÁ LENDO
A Caçadora [ellabs]
FanfictionQuando uma caçadora faminta e astuta encontra uma nova vítima bastante peculiar, ela vê a possibilidade de enfim conseguir a comunhão perfeita que buscou por toda sua vida. Direitos Reservados dos personagens a The Last of Us. #ellabs