A Caçadora

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Quando eu enfim melhoro e consigo me levantar e voltar as atividades cotidianas normalmente, Ellie sugere algo inesperadamente à mesa de jantar:

— Por que nós duas não saímos daqui para passear um dia desses?

Eu a olho um pouco atônita, pois não esperava mesmo este tipo de ideia, especialmente porque eu só saio daqui por obrigação, para ir às compras, já que detesto pessoas e me sinto mal entre elas. Também fico com medo de que essa sua sugestão indique que Ellie está enjoada de ficar enfurnada nesta minha pequena fazenda.

E se ela estiver entediada? Se minha companhia não for mais agradável o bastante? E se, ao irmos "lá fora", Ellie perceba que sinta falta de sua vida antiga, de sua casa e até mesmo das pessoas que convivia? Se o choque com a realidade fizer com que sua ficha caia de que eu sou, definitivamente, um monstro insano e que ela deve fugir de mim?

Tento afastar esses pensamentos antes de respondê-la, porque não quero falar nenhuma bobagem. Agora que o clima entre nós está incrivelmente bom a ponto de nos beijarmos às vezes sem que ela me acerte um soco, não posso arriscar tudo por pura insegurança da minha parte.

— Ei — ela me chama, ao ver que estou divagando. Sua mão alcança a minha sobre a mesa. — é só uma sugestão, não precisa ficar tensa. Não estou exigindo nada. Se você não quiser ir ainda, posso esperar. É que achei que seria legal você e eu fazermos algo juntas fora daqui, algo que não envolva só malhar e cuidar das plantas ou da casa... — o sorriso delicado que me esboça é mais que suficiente para me convencer a aceitar sua proposta.

— Vamos aonde você quiser, Ellie.

— Mesmo? — pela forma que suas pupilas dilatam, eu vejo que está empolgada.

— Sim! Eu só... não levo muito jeito entre outros seres humanos. Fico um pouco nervosa, mas acho que valerá à pena. Tudo para te ver feliz.

— Ah, obrigada, obrigada! — aperta forte minha mão e, ainda mastigando, se levanta e vem sentar do nada em meu colo, me agarrando pelo pescoço. — Obrigada por todos os seus esforços para se adaptar, para viver comigo aqui em cima de igual para igual. Eu sei que não é fácil. E sei também que eu não digo muito essas coisas, mas eu reconheço seu esforço, Abby. Sou muito grata por ele. E não se preocupe quanto ao que você disse. Eu odeio pessoas também. É só ignorá-las. Vai ser legal! A gente pode ir no cinema, pode ir tomar sorvete, ir à uma lanchonete encher a barriga até passar mal... — dou risada e ela também. Meus braços apertam seu corpo e senti-la assim, sentada em mim, me abraçando tão abertamente, como se não me temesse mais, enche meu coração de alegria. — A gente pode ir também ao parque de diversões! Puta merda, ia ser da hora demais!

— Calma, calma, pequena Ellie... um passo de cada vez. Passos de bebês, ok? Parques são lotados e aqueles brinquedos me dão medo. Eu não suporto alturas.

— Você com medo de altura? — me debocha e me rouba um beijo rápido. — Por essa eu não esperava. Caralho, Abby... você é mesmo muito surpreendente. Mas, olha, não se preocupe, ok? Eu seguro sua mão o tempo todo quando a gente estiver lá no alto.

Apesar de Ellie claramente estar debochando do meu medo, porque é um pouco ridículo alguém do meu tamanho e com inclinações assassinas temer altura, ela também está sendo fofa ao dizer isso. Inclusive acaricia meu rosto com uma das mãos e beija minha testa e depois a ponta do meu nariz.

É assim que as coisas estão sendo nos últimos dias: harmoniosas e fofas.

Ellie está me permitindo conhecer seu lado mais doce, e eu nem consigo descrever o quão bom tem sido. Eu tenho muita sorte mesmo por ter uma segunda chance e espero não estragá-la por nada.

A Caçadora [ellabs]Onde histórias criam vida. Descubra agora