A Presa

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Faz uma semana que estou aqui embaixo, aprisionada, longe da sociedade lá fora e honestamente ainda não sinto falta de nada.

Provavelmente eu possa estar entrando numa crise depressiva, o que explica essa apatia, ou é só o meu lado niilista, que não vê razão na vida e que se sente vazio o tempo todo, falando mais alto.

Acontece que acordar cedo, ter de sair às ruas, ver pessoas horrorosas, trabalhar, nada disso nunca me agradou. Fora que eu não tenho família realmente e estou incrivelmente só desde a morte de Joel e a partida de Dina. Só me restou Jesse para socializar às vezes, porém nos tornamos mais distantes depois destes eventos. Ao contrário de mim, meu melhor amigo de infância é mais saudável e propenso a socializar.

Admito que com um serviço de streaming completo desses, livros à mão, papel e caneta a disposição para desabafar as loucuras que passam na minha cabeça, chocolate de sobra para me entupir, música para cantar a plenos pulmões e até dançar às vezes, além de elásticos para fazer uns exercícios, eu não me sinto tão mal quanto deveria me sentir por ter sido enjaulada como um animal exótico e selvagem. Mas claro que estou puta por me sentir submissa aquela loira estúpida.

Me agrada ficar horas jogada na cama ou no sofá assistindo. Depois, lendo e escrevendo. Quando começo a me agitar demais, me ponho a fazer exercícios. Abdominais, flexões, tudo o que é possível dentro do pouco espaço. Posso não ser musculosa como Abby, mas tenho resistência e sempre me exercitei. Até que estou em forma, apesar dos pesares.

A maluca segue na mesma rotina, vindo nos mesmos horários, umas cinco vezes ao dia - dependendo. Ela me alimenta bem, com comida sempre gostosa e vegana e um cardápio variado, como se não quisesse me enjoar. E isso me leva a pensar no quão rica a puta é, e em como adquiriu esse dinheiro. Se trabalhando é impossível enriquecer no sistema capitalista, e Abby claramente não se casou para poder ter dado o golpe, ou nasceu rica de berço ou, sei lá, ganhou na loteria.

Apesar de ser uma sequestradora, estupradora e provavelmente assassina, ela é gentil, ao contrário de mim, que quase nunca respondo seus cumprimentos, faço cara feia até espantá-la, não dando espaço para nenhum assunto brotar. Ela me dá "bom dia", "boa tarde", "boa noite", sempre questiona se gostei da comida ou se preciso de algo e só me limito a dizer não. Abby não me força a sua presença, mesmo que caso o fizesse, eu nada poderia fazer para espantá-la. Após colocar as bandejas das refeições, ela se retira depressa, como se não quisesse me atrapalhar. Eu acho isso estranho, mas interessante.

Pelo menos dentro da lógica maluca da sua cabeça, respeitar - até certo ponto - o livre arbítrio dos outros lhe soa importante. E isso é uma puta ironia.

— Achei que seu objetivo me prendendo aqui fosse a gente se conhecer melhor.

Ela ergue as sobrancelhas finas e louras ao me ouvir. Enfim, dirige seu olhar direto para os meus olhos.

— E é.

— Então por que não diz nada além desses robóticos "bom dia", "precisa de algo, Ellie?", "o ar está muito frio, Ellie?" — imito sua voz num tom infantil e tosco que a faz revirar os olhos e repuxar os lábios quase num sorriso.

Abby encosta na parede, só um ombro, e cruza os braços - como sempre despidos. Hoje a regata é preta e essa cor lhe cai bem.

— Deve ser porque todos os dias você me recebe com a mesma expressão, que me leva a conclusão de que não quer minha companhia.

Dou de ombros. Estou sentada na cama, tomando meu café da manhã.

— Até que você não é tão estúpida assim. — debocho.

A Caçadora [ellabs]Onde histórias criam vida. Descubra agora