A Caçadora [ellabs]

A Presa

Abby estuprou três mulheres.

Estuprou.

Depois de trazê-las para cá. Sob cárcere privado. O que significa que essa mulher não entende nada sobre consensualidade ou apenas a despreza, preferindo viver à sua própria maneira, seguindo seus instintos mesmo que estes sejam moralmente errados.

Então, por que parece querer respeitar o meu direito de escolha agora? Porque reafirma em cada oportunidade que eu só farei aquilo que quiser, inclusive no âmbito sexual? E como espera que eu realmente acredite em algo assim?

Não serei hipócrita.

Eu sinto tesão por Abby. Isso me assusta, porque não deveria me sentir assim em relação a ela. Também não deveria sentir meu coração sair pela boca todas as vezes que nos vemos, nem me desarmar diante do seu sorriso. Eu tinha que ser forte, me manter alerta diante da psicopata que me sequestrou e nunca baixar a guarda, mas não consigo. Não é uma opção. Se fosse, eu jamais escolheria cair por ela. Mas no momento já estou em queda livre e não sei onde vou cair.

Ela me confunde em todos os sentidos. Seus comportamentos são contraditórios. Às vezes, é claro como a luz do dia que estou diante de alguém insana, perigosa e fria que sabe que está fazendo coisas terríveis, mas não consegue se conter. Nem mesmo tenta. Essa pessoa me assombra e me enoja em muitos níveis pelas coisas horríveis que já fez. Em contrapartida, há um lado seu generoso, gentil, dedicado, doce, diferente de qualquer outra pessoa que já conheci. Ela parece ser a criatura mais amável e nem todo o azedume que habita em mim é capaz de me impedir de suspirar por Abby. Mais que isso: de sonhar com um mundo paralelo onde somos normais e podemos ficar juntas.

O resto da festa ocorreu sem intercorrências. Continuamos bebendo, comendo e até dançamos, mas as coisas não voltaram a esquentar. Mesmo bêbada, Abby parecia atenta às coisas. Atenta em mim. Ela não queria ultrapassar meus limites e parecia pensativa depois que revelei ainda ser virgem. Eu queria saber o que ela estava pensando sobre isso, mas não ousei perguntar. Às vezes era melhor o silêncio.

Três dias passaram.

Foram os melhores dias que tivemos até o momento. Abby ficou comigo praticamente o tempo todo, saindo apenas na hora de trazer novas refeições, as quais surpreendentemente fez ao meu lado, trazendo comida extra. Só foi embora de noite, pontualmente às 22h30, horário que julgava apropriado para que eu fosse pra cama. Sim, às vezes me tratava igual a uma criança, o que eu acho meio bizarro, mas... O que não é bizarro sobre ela e nossa situação?

Assistimos meus filmes de terror favoritos disponíveis nos streamings e daí começamos a ver Stranger Things. Nessa coisa de assistirmos filmes e séries juntas, comecei a reparar ainda mais em seu jeito. Abby ficava tensa em cenas que envolviam violência contra crianças e mulheres, especialmente quando os assassinos caçavam as vítimas por um longo tempo. Nem preciso dizer que achei isso muito contraditório. Não que ela seja uma serial killer como eles, né... Só que, querendo ou não, de certa forma, agiu como um ao perseguir, sequestrar, estuprar e eventualmente matar suas cobaias.

Acho que eu estou ficando meio maluca à essa altura. Estou menos incomodada com o fato de Abby ter feito coisas grotescas e terríveis e mais irritada por ela ter se sentido atraída por três mulheres antes de mim, as quais viveram nesse mesmo quarto, nas mesmas circunstâncias. Porque isso faz eu me sentir diminuída, sem autoestima. É difícil acreditar que ela realmente goste de mim e que o que disse sobre eu ser diferente seja real quando sou, obviamente, igual às outras.

Essa merda fica martelando na minha cabeça o tempo todo, mesmo quando estamos de boa vendo televisão ou comendo ou só conversando ou até mesmo... nos agarrando. E isso me impede de continuar, de tentar deixar as coisas evoluírem numa escala sexual.