A Caçadora

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Dormir nunca foi algo fácil para mim.

Se para os outros o sono a partir de determinada hora da noite chega sorrateiro e potente, levando-os a capotarem e muitos a dormirem pesadamente, comigo sempre ocorreu o oposto. Leva-se um tempo infindável até que eu consiga apagar, e quando acontece, nunca é muito agradável.

Tenho pesadelos desde criança com os mais variados conteúdos. Eles se intensificaram conforme fui sofrendo traumas nas mãos da minha mãe e de terceiros e, depois de adulta, quando eliminei as ameaças da minha vida, eles continuaram a acontecer.

Geralmente, além da desgraçada que me pôs no mundo, eu costumava ser atormentada pela imagem das minhas cobaias. Mesmo depois de mortas, elas visitavam os meus sonhos, me impossibilitando de dormir em paz, como uma forma de se vingarem. Era direito delas, afinal ceifei suas vidas.

Depois que a Ellie chegou, a frequência e intensidade dos pesadelos diminuiram, até que eles se transformaram. Passei a ter sonhos com ela. Todos terríveis, porque se no princípio pareciam românticos e felizes, no fim eu simplesmente a perdia.

Saber que agora Ellie está dormindo no quarto do lado me deixa tão incrivelmente em paz, - embora ansiosa com a ideia de tê-la tão perto ao alcance das mãos, - me faz dormir rápido e pesadamente. Um sono que não tenho há um longo tempo...

— Abby! ABBY!

Acordo sobressaltada no meio da noite, vejo no relógio ao lado da minha cama que são 4:56h, pulo da cama e corro até o quarto ao lado, de onde vem os gritos. Ellie está em sua nova cama, toda suada, chorando e acordada. Ela me olha desesperada quando eu apareço com um olhar confuso à sua porta, não sabendo exatamente o que aconteceu nem como proceder.

— Pesadelos? — arrisco, segurando a porta com uma das mãos.

— Sim, os piores... — se encolhe na cama, coberta pelo lençol, fios castanhos acobreados colados nas laterais do seu rosto perfeito pelo suor. — Essa merda nunca vai embora!

Parece bem chateada, a ponto de afundar o rosto entre os joelhos e chorar baixinho.

Só queria poder afastar os pesadelos, mandar todos os seus demônios de volta ao inferno. Me sinto completamente inútil.

Então é assim que as pessoas se sentem quando amam? Impotentes?

— Quer um copo de água? Talvez um chocolate quente? Um chá?

— Não, não quero nada. — responde meio seca. — essas merdas não vão ajudar.

Sigo parada na porta sem saber como ajudar, extremamente agoniada.

— Amanhã podemos conseguir remédios que te ajudem a dormir. Na maior parte do tempo eu uso eles para conseguir ter uma noite de sono decente.

— Tudo bem. — ergue o rosto devagar e seca suas lágrimas com seus pequenos dedos, olhando para mim. — Acho que há outra coisa que pode me ajudar... pelo menos ajudou da outra vez... — sua voz sai baixa, parece meio constrangida.

Não estou muito certa ao que Elle se refere, embora eu desconfie de algo. Não quero tirar conclusões precipitadas e fazer nada errado novamente, então prefiro questionar.

— O quê?

— Você pode ficar comigo? — olha fundo em meus olhos.

Meu coração dispara com o pedido inesperado e sinto vontade de sorrir, mas não o faço devido a tensão do momento. Apenas adentro o quarto, balançando a cabeça positivamente.

Claro que eu posso ficar com ela.

— Sempre.

Vejo um brilho surgir em seus olhos verdes e um pequeno sorriso de alívio surge nos lábios bem contornados. Ellie é extremamente adorável, apesar dela não aceitar o título e fazer de tudo para parecer o contrário. Ela é adorável desde a sua fisionomia, o rosto perfeito e delicado com o qual nasceu, até sua baixa estatura e o coração gigantesco que esconde a sete chaves.

A Caçadora [ellabs]Onde histórias criam vida. Descubra agora