A Presa

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Acordo num sobressalto, tão violentamente, como se despertasse de um coma.

Olho ao redor assustada e tenho um deja vú; me lembro de quando acordei no porão de Abby, há quase um ano atrás. A sensação de medo que me tomou não se compara ao que eu sinto agora. Talvez seja porque, neste momento da minha vida, depois do que vivi ao lado dela, estou aterrorizada com a ideia da morte. Morrer significa me separar dela e essa é a última coisa que eu quero.

Sinto meus braços doloridos, estão amarrados para trás, assim como minhas pernas estão amarradas às pernas de uma cadeira de madeira onde fui colocada. Pisco devagar por causa do mal estar que sinto. Meus olhos levam uns instantes para se adaptar a iluminação pesada e esquisita. Bem em cima de mim, no teto, tem aquelas lâmpadas fluorescentes terríveis. Estou numa espécie de quarto imundo, com as paredes brancas todas sujas e mofadas.

Ok, respire fundo Ellie e tente se lembrar... tente se lembrar do que aconteceu, assim você saberá onde está.

Forço meu cérebro e a última coisa que me recordo é de ter saído da fazenda sozinha para me embrenhar pela floresta. Eu queria surpreender Abby caçando meu primeiro animal sozinha. Queria matar, sei lá, um esquilo. E sim, eu sei que isso soa totalmente contraditório vindo de uma vegana, mas nos últimos tempos eu ando repensando até o veganismo e por algum motivo que não sei explicar, a ideia de caçar um animal me pareceu... atraente. E eu também queria me exibir um pouco, provar a Abby que não sou tão pura e vulnerável quanto ela acha.

É que depois que falamos sobre casamento, ela continuou na defensiva, sempre alegando que independente dos meus modos poucos sutis, sou uma pessoa "normal", livre da violência e dos horrores que vem no pacote. Como se estivesse tentando colocar um muro entre nós, coisa que eu não aceito. Não depois de tudo o que passei e engoli para me permitir ser feliz ao seu lado. Então, tive a brilhante ideia de matar um animal para mostrar a ela que posso sim ser violenta quando preciso e que não somos tão diferentes.

Que ideia de merda...

Em algum momento enquanto eu tentava não espantar todos os animais com meus barulhos por ser desengonçada, acabei atraindo para mim um grupo de caçadores. Três homens estranhos surgiram do nada e não tive tempo de fugir ou de acertá-los, pois fui dominada e desmaiada com uma coronhada na cabeça que justifica a dor horrível que estou sentindo na parte de trás, perto da nuca.

Esses malditos me arrastaram para este lugar fétido, feio e sombrio que pode ser perto ou não da fazenda. Aliás, eles podem ter me carregado para qualquer lugar. Como eu saberia se estava desmaiada?

Merda, merda, merda. A perspectiva não me parece nada boa.

Não tem alguma coisa aqui que eu possa usar para me soltar?

Olho ao redor em busca de alguma arma, qualquer coisa, mas não há nada além de um colchão extremamente fino e sujo jogado no chão. Só quando eu vejo as manchas enormes de carmim, indicando que alguém sangrou em cima do objeto insalubre é que fico amedrontada.

Esses caras não são normais e este lugar está me dando muitos indícios de que talvez eu não seja a primeira mulher a ser trazida para cá.

O que se esperar de homens?

Provavelmente esses caçadores devem ser estupradores malditos que na primeira chance carregam mulheres para cá. E, diferente da Abby, duvido que eles queiram conversar e criar vínculos. A única coisa que eles desejam é realizar suas fantasias sórdidas o mais rápido possível.

Puta que pariu!

Eu não acredito que vou morrer nas mãos de sequestradores maltrapilhos.

Consegui sobreviver a Abby Anderson, uma mulher inteligente, perspicaz, que levou um longo tempo construindo seu calabouço, que estudava suas vítimas, que caçava metodicamente e fazia tudo com cuidado para morrer nas mãos de três patetas grotescos?

A Caçadora [ellabs]Onde histórias criam vida. Descubra agora