A Caçadora

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Faz três dias que Ellie não sai da cama.

Desde que... desde que eu cometi um erro terrível, tudo mudou para muito pior. De uma forma que nem eu mesma pude prever com todo o meu raciocínio lógico e perspicácia. Nem os piores cenários que idealizei eram tão ruins quanto a realidade que se apresenta para mim agora.

A mulher que eu amo - a única pessoa que consegui amar - está deitada na cama em posição fetal há dias sem comer, sem ir ao banheiro, sem fazer absolutamente nada, por minha causa. Porque eu a quebrei.

Ela não sabe, mas há uma micro câmera escondida que me permite ver tudo que acontece em sua cela desde o primeiro dia. Eu tenho lhe monitorado em segredo, especialmente nestes dias de silêncio sepulcral.

Obviamente, Ellie não quer saber de mim. Eu não esperava outra coisa. Mas não pensei que ficaria assim, completamente inerte na cama há tanto tempo. Ela sequer levanta para ir ao banheiro, o que eu acho muito preocupante porque pode lhe gerar problemas de saúde. Se vi Ellie ir ao banheiro três vezes ao dia foi muito.

Como de costume, eu levo as bandejas com suas refeições nos mesmos horários, mas desde que o episódio fatídico ocorreu, Ellie não tocou em nenhuma delas. Ela não comeu absolutamente nada. O máximo que faz é beber água - bem pouco. E, levando em consideração o tanto que ela chorou na primeira noite e ainda tem chorado, acho que precisa beber muito mais do que isso.

Estou realmente preocupada. Já tentei falar com ela, de longe, sem me aproximar por razões óbvias, mas Ellie sequer se moveu. Às vezes parece até que está morta. Só sei que continua viva porque, quando eu não estou, ela se vira na cama e eu vejo através da câmera.

Me sinto a pior das criaturas. Nunca antes uma sensação tão ruim me acometeu, nem mesmo na infância, quando eu procurava minha mãe atrás de carinho e recebia tapas na cara, socos na cabeça, insultos como: "seu viadinho de merda, o que pensa que está fazendo?", "eu me arrependo todo dia por não ter te abortado" etc. Eventualmente me acostumei em ter um monstro como mãe, sem desconfiar que um dia me tornaria um.

Eu nunca quis ser igual a minha mãe em nada. Eu a desprezava, por isso a matei com minhas próprias mãos quando tive a chance. A decapitei e humilhei seu cadáver de todas as formas possíveis, esquartejando, cozinhando pedaços dele e dando para os cachorros comerem - eu não poderia me alimentar de alguém tão podre, embora não tenha problemas com a ideia de ingerir carne humana.

A questão é que cresci muito sozinha, num mundo sombrio na minha própria cabeça. Nas minhas fantasias, eu conseguia encontrar alguém que se parecesse comigo. Alguém tão perdida e solitária quanto eu. Uma pessoa que poderia me entender, que não me apontaria como aberração igual meus colegas de escola faziam. Essa pessoa seria o meu grande amor, e eu, se tudo desse certo, o dela.

Foi com esse sonho que me alimentei ao longo dos anos e decidi começar a insanidade de trazer mulheres à força para o meu porão. Nunca tive a intenção de machucá-las deliberadamente. Matar não era meu objetivo, não era uma obsessão, apenas um meio para um fim, como no caso dos meus pais. Eu tive que matá-las quando as coisas saíram do controle. Não significa que eu desejasse isso, nem que tenha ficado feliz.

Quando encontrei Ellie, apesar dos meus traumas e frustrações pelas decepções anteriores, eu senti em meu coração que ela era a garota que eu desejei durante toda a minha vida. Mesmo no começo, quando Ellie acabou de chegar e resistiu de todas as formas. Eu sabia que seria ela. Eu não estava errada.

Mas como eu pude quebrar a única coisa que já amei? Como pude decepcioná-la assim? As coisas estavam indo tão bem, ela estava claramente apaixonada por mim e eu simplesmente arruinei tudo ao magoá-la tão profundamente. O que eu fiz é imperdoável, eu sei disso, por isso mesmo estou aterrorizada. Porque eu não quero perdê-la, mas é inevitável. Não tenho como mantê-la depois disso.

A Caçadora [ellabs]Onde histórias criam vida. Descubra agora