Aparentemente a mordida do coiote foi pior do que eu esperava.
Estou deitada há quase dois dias na cama de Ellie. Não consegui levantar nem para ir ao banheiro. Estou usando uma garrafa plástica adaptada que ela me trouxe para fazer xixi. Sem nenhuma expressão de repulsa, ela faz o despejo da minha urina no banheiro todas as vezes, cuidando de mim como se eu fosse uma criança, ou como se eu fosse sua companheira adoecida e digna de cuidados, duas coisas que eu não sou.
Ela parece preocupada, pois não sai de cima de mim nunca, exceto para preparar algo para eu comer, como sopas, caldos e lanches. Vive me enfiando água goela abaixo também, mesmo quando eu digo que não tenho sede. Fica limpando o suor da minha testa com um pano úmido e checa se estou febril a cada meia hora com um termômetro, além de me dar os remédios religiosamente. Também troca meu curativo constantemente, atenta se minha ferida está cicatrizando como deveria.
À noite, como não há televisão neste quarto, Ellie lê para mim. Ela escolhe trechos aleatórios dos meus livros favoritos e lê, como se eu fosse uma criança. É tão bonito que me emociona, mas estou fraca até para esboçar meus sentimentos. É a primeira vez em toda a história da minha existência que me vejo adoecida, tão fraca e vulnerável. E eu jamais me permitiria ser cuidada por alguém assim... e isso só confirma o que eu já sabia: eu realmente confio em Ellie. Como eu nunca poderia confiar em ninguém.
Às vezes, quando pego no sono, provavelmente por causa da febre, eu não sei se estou sonhando ou delirando. Imagens confusas e assustadoras me assaltam e eu começo a me debater, chorando e resmungando coisas. Tem horas que sinto tanto medo, que sou invadida por delírios tão ruins, que penso que talvez seja melhor não resistir e me entregar de uma vez. Talvez a morte seja boa. Talvez haja algum descanso para mim afinal. Ou um purgatório me esperando no além. Estou mais inclinada a crer na primeira opção.
Estou num momento desses. De delirar. De sentir meu corpo todo frio, embora suando. De ouvir vozes, especialmente a da minha mãe, me dizendo coisas terríveis. Começo a me debater debaixo das cobertas, sentindo um frio congelante. Estou de olhos fechados, não consigo abri-los, mas estou acordada. Acho que Ellie não percebe isso quando se inclina sobre mim, me segurando pelo tronco.
— Shhh, calma, eu estou aqui, grandona. — fala amorosamente, pondo uma das mãos sobre a minha testa. — São só pesadelos... não dê ouvidos a eles... — sussurra, e eu sinto seu hálito, o calor de sua respiração em minha bochecha. É tão reconfortante que quero sorrir, mas não consigo mover nem meus músculos, nem ao menos abrir as pálpebras. — Ah, você é uma bela filha da puta, né? Tinha que ir se embrenhar na floresta e sair no soco com a porra de um coiote. Só você mesma, Abigail Anderson... — Ellie pensa que está falando sozinha, pensa que não posso escutá-la porque estou quieta e de olhos fechados, mas eu ouço atentamente cada palavra. — Já está na hora de você reagir e levantar dessa cama. Estou ficando realmente preocupada, com medo dos antibióticos não estarem fazendo efeito. Se alguma coisa te acontecer... — sua voz vai ficando baixa, embargada. Se pudesse apostar, diria que ela está chorando. Posso visualizar as lágrimas escorrendo pela sua linda face enquanto seus olhos verdes adoráveis me encaram. Queria poder vê-los agora.
Sua outra mão agarra a minha sobre a cama com firmeza.
— Você é uma lutadora, Abby, então, por favor, lute. Volte para mim. Há muitas razões para eu odiá-la, eu sei, mas estou cansada de todas elas. Que se fodam. Eu odeio, sobretudo, a minha incapacidade de conseguir te odiar, sua filha da puta. A verdade é que eu amo você de uma maneira tão esquisita, tão assustadora, que eu me sinto amedrontada como uma garotinha diante de você. Não porque eu tenha medo do seu tamanho ou da sua capacidade de fazer coisas questionáveis, mas porque o meu amor por você me assusta. Eu seria capaz de coisas absurdas por ele, Abby. Eu seria capaz de coisas absurdas por você. — ela não larga minha mão, ao passo que alisa os cabelos acima da minha testa, falando perto do meu rosto. — Você é uma desgraçada tão linda... eu amo o seu sorriso de menina, que faz um contraste insano com sua aparência de geladeira duas portas... — Ellie ri ao dizer isso e eu sinto vontade de rir também. — Amo seus músculos, o seu porte, o jeito que se dedica às coisas, como consegue ser focada. Eu acho sua mente brilhante. E se quer saber, à essa altura, nem mesmo a parte mais obscura dela me espanta. Eu aprendi a enxergar a luz e as trevas em seu interior, e eu amo os dois. Eu amo também as partes ruins. Amo como você pode ser raivosa às vezes, como sua testa enruga quando perde a paciência, como a sua voz engrossa... E sim, você me machucou demais aquele dia. Não fisicamente apenas, mas emocionalmente. Porque eu esperava que as coisas fossem diferentes. Eu desejava ser sua da forma mais clichê e romântica possível. Porque... é esse o lance, Abigail. Por sua causa, eu me tornei realmente uma garotinha clichê toda apaixonada, e essa merda nunca rolou comigo antes. Eu nunca quis me entregar dessa forma a ninguém. Talvez porque nunca experimentei esse sentimento antes. Eu nunca amei alguém como eu te amo, então por favor, por favor, lute. Eu preciso que você volte para mim.
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A Caçadora [ellabs]
FanfictionQuando uma caçadora faminta e astuta encontra uma nova vítima bastante peculiar, ela vê a possibilidade de enfim conseguir a comunhão perfeita que buscou por toda sua vida. Direitos Reservados dos personagens a The Last of Us. #ellabs