A Presa

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Um mês, quinze dias e contando...

Pedi algo inusitado a Abby e tive medo que ela recusasse, mas meu pedido foi acatado e cá estamos.

Há uma garrafa de Absolut e dois engradados de Budweiser sobre a mesa. Já esvaziei quatro latas e sinto que estou leve como uma pluma, quase flutuando.

Ela diz que não bebe, portanto não encostou em nenhuma bebida, mas está aqui comigo me fazendo companhia nesta sexta-feira à noite. Dia de "festejar". Ao quê? Nem eu sei.

Abby está com uma calça jeans - nunca a vi vestir jeans antes - e uma polo preta bem agarrada no corpo, mostrando seus músculos. Parada de braços cruzados, ela apenas me observa com o olhar concentrado, me admirando enquanto eu danço da minha maneira toda errada ao som alto que sai da caixinha de som que me deu. Estamos ouvindo Queen.

Desisti de tentar compreender certas coisas. Tipo o motivo pelo qual eu vim parar em seu porão. Quer dizer, ela é meio maluca e tem uma fixação nessa sua ideia de relacionamentos à força e eu nunca vou conseguir entendê-la completamente, mas, ao mesmo tempo, até que temos coisas em comum. Preferi focar nisso do que nas coisas ruins. É melhor eu aceitar meu destino de uma vez - que é ficar eternamente em seu porão - do que tentar sonhar com algo impossível: a liberdade.

Mas a liberdade para fazer o quê?

Neste momento, só consigo pensar que estou estranhamente feliz.

No tempo que estou aqui, passamos por algumas coisas inusitadas. Tipo os ataques histéricos que eu tive, as vezes que tentei atacá-la para fugir e até mesmo a noite que dividimos a mesma cama. Tudo isso soa como loucura em minhas lembranças, mas foram tão reais quanto este momento inédito que estamos vivendo agora: eu bêbada dançando à sua frente como se estivéssemos numa boate, e não numa cela.

Abby parece bem concentrada, o olhar fixado em mim, como se eu fosse algo que ela não conseguisse decifrar, mas desejasse com todo o seu âmago - e sei que no fundo isso é verdade. O pensamento me faz sorrir enquanto danço de um jeito ridículo, porque não sei dançar...

Depois daquela noite em que nos abraçamos e ela dormiu na mesma cama que eu, não voltamos a compartilhar de nenhum toque ou de uma intimidade igual aquela e isso me deixa incomodada. É quase como se eu sentisse "saudade". Mas provavelmente é apenas carência por estar presa no subsolo.

A quem eu quero enganar? Não é como se lá fora tivessem amigos ou alguma mulher me esperando mesmo. Ninguém que eu realmente quisesse abraçar ou falar abertamente das coisas insanas da minha cabeça. Sempre tive dificuldade de me abrir, fazer amizades não é meu forte e romance obviamente também não. Então, seja lá o que for isso que eu estou sentindo em relação à Abby, não é só pelas circunstâncias. Acho que, por mais bizarro que possa ser, estou aprendendo a apreciar sua companhia. E estou inclinada a pensar que, sim, nós temos algumas coisas em comum. Muitas.

— Sério que você não vai beber nem uma lata? — questiono.

Ela apenas balança a cabeça.

— Álcool é uma droga como qualquer outra. Tira a gente do controle das situações. Não gosto disso. — explica.

— Ah, claro. — falo em tom de deboche e imediatamente ela franze o cenho. — A grande Abigail Anderson não pode perder nunca o controle! — faço gestos toscos e lentos com as mãos, pois o álcool já me afetou bastante. — Tem que estar sempre no controle de tudo... Que baboseira! Que merda mais chata!

— Está brava porque não quero beber?

— Sim. Não há graça em ficar bêbada com alguém sóbrio do lado.

A Caçadora [ellabs]Onde histórias criam vida. Descubra agora