Capítulo Oito

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|KAILE|

Eu estou na sala com meus amigos para assistir essa palestra, mas já sei de cara que ela vais ser um tremendo de um porre. O título no telão da sala é algo como "O Mercado de Trabalho no Brasil e Oportunidades no Setor de Engenharia Civil". Só o título já dá sono. A gente está ali porque é obrigatório e, claro, por conta do certificado que vai valer presença em uma das matérias mais barra-pesada do curso.

— Três horas disso, cara. Três horas! — Rodolfo murmura, jogando a mochila no chão e se sentando ao meu lado.

Rodolfo é meu melhor amigo, praticamente um irmão. Tranquilo, gente boa, ele é aquele tipo de pessoa que nunca perde a calma, mesmo quando o mundo está caindo. Hoje, no entanto, ele parece à beira do colapso. Lígia, a mais doida do nosso grupo, já foi lá para frente fazer suas graças, depois das brincadeiras que fiz há minutos atrás e já se esquecendo de tudo. Ela está abanando as mãos como se fosse uma fã histérica prestes a ver um show.

— Gente, me falem que eu tô sonhando! — Lígia se vira pra gente. — Eu prefiro assistir um filme francês sem legenda do que isso aqui!

— E eu preferia limpar privada com escova de dente — Débora, a desbocada e sensata do grupo, solta enquanto se ajeita na cadeira ao lado de Rodolfo. — Mas, né? Estamos aqui por amor ao curso.

Dou risada. Débora é sempre assim, reclamando, mas quando o assunto é coisa séria, a gente sabe que ela tá prestando atenção. Eu me jogo na cadeira, esperando o pior. O CEO que vai dar a palestra começa a se preparar, ajeitando o microfone, enquanto as primeiras filas de nerds já estão com cadernos e laptops abertos, prontos pra anotar tudo. Olho pro telão e já começo a cochilar por dentro.

— Cara, por que eu não larguei engenharia pra virar jogador de futebol? — comento, me virando pra Rodolfo.

Ele ri baixinho, mas não responde. Então de repente eu vejo a garota nova entrando pela porta lateral da sala. Ouço alguns sussurros atrás de mim, alguns alunos comentando que ela acabou de mudar pra nossa turma, então tudo faz sentido, por isso eu não a conhecia antes. E até agora, o pouco que eu sei sobre ela, é que a garota não gosta de mim desde o momento em que nos esbarramos nos trombamos na tarde de ontem, de forma desastrosa. E, olha, nem foi minha culpa. Eu estava distraído, mas foi ela que trombou em mim, e fez a gente protagonizar aquele showzinho barato no meio do estacionamento. Desde então, sempre que nos cruzamos, ela lança um olhar que poderia me matar, se tivesse a chance.

Ela se senta algumas fileiras à frente e nem me olha. Melhor assim.

A palestra começa e, como esperado, é um desfile de gráficos, estatísticas e termos burocráticos que ninguém aguenta. Dez minutos depois, meu cérebro já está em modo automático. Eu olho para Lígia, que faz um gesto como se estivesse dormindo, a cabeça pendendo para o lado. Rolo os olhos. Começamos a cochichar baixinho, tentando não chamar atenção.

— Se eu conseguisse jogar charme pra esse CEO, talvez a gente saísse mais cedo — Lígia sussurra.

— Boa sorte com isso, Lígia. Ele parece ser do tipo que só dá bola pra contratos milionários. — Débora ri, cobrindo a boca.

Eu tento me manter concentrado, mas está difícil. Rodolfo, ao meu lado, já está mexendo no celular, e eu dou uma espiada por cima do ombro dele.

— O que você tá vendo?

— Nada. Só os memes do grupo da turma — ele diz, virando a tela pra mim.

Por mais que eu tente, não consigo segurar a risada. Mas aí o palestrante começa a falar de algo mais relevante, um tema que faz sentido pra gente que está prestes a entrar no mercado de trabalho. Ele fala sobre as dificuldades de adaptação no início da carreira, sobre o choque entre teoria e prática, e aí sinto que a sala começa a despertar, incluindo meus amigos.

— Isso aí eu tô sentindo na pele já — Rodolfo murmura. — Estágio é uma selva.

Então, no meio da palestra, uma voz interrompe. A novata. Ela levanta a mão, se apresenta ao palestrante como Amara Magalhães, e então começa a falar com ele. Hum... que nome interessante, penso comigo mesmo.

— Professor, você mencionou o desafio de inserir novos profissionais no mercado atual, mas não acha que o modelo de trabalho tradicional já está ultrapassado? Digo, as grandes empresas ainda estão presas a estruturas antigas, que não permitem que os novos engenheiros realmente inovem.

A sala fica em silêncio. A pergunta é boa, e até o palestrante parece surpreso com a profundidade do comentário. Mas alguma coisa dentro de mim se mexe. Não sei por quê, mas sinto uma vontade absurda de provocar. Talvez seja o fato de ela me odiar sem motivo, ou talvez eu só queira testar os limites dela.

Levanto a mão logo depois.

— Só uma coisa, Amara. Você fala de inovação, mas onde exatamente você acha que essas empresas tradicionais erram? Digo, não é só porque algo é novo que necessariamente é melhor. O setor de engenharia é conservador por uma razão: segurança, estabilidade. Inovar por inovar pode ser perigoso, não acha?

Ela me olha de cima a baixo, os olhos faiscando. Acho que consigo ver o ódio crescendo nela.

— Perigoso é ficar preso em métodos ultrapassados, Kaile. A indústria precisa se adaptar às novas tecnologias. Ficar parado no tempo, com medo de mudanças, não vai ajudar em nada a engenharia civil ou o mercado de trabalho. Ou você acha que trabalhar da mesma forma que há vinte anos vai resolver os problemas de hoje?

— Eu só acho que não podemos jogar fora o que já funciona bem. Modernizar é importante, mas com responsabilidade — respondo, tentando manter o tom calmo.

— E quem disse que a modernização não é responsável? Você está supondo que o novo é descontrolado, e isso é uma visão limitada.

Agora a sala toda está atenta. Nem percebo que o CEO está assistindo ao nosso pequeno arranca-rabo com um sorriso discreto no rosto. Amara e eu estamos trocando farpas como se o resto do mundo não existisse. Ela é rápida, afiada, e eu sinto que preciso revidar a altura.

— Talvez seja uma questão de ponto de vista — digo, cruzando os braços. — Mas se você quer jogar tudo pra cima e tentar algo novo, esteja preparada pra lidar com as consequências. Nem todo mundo tá pronto pra falhar.

— E talvez você tenha medo de falhar, Kaile — ela rebate, sorrindo com um toque de ironia. — É fácil falar de estabilidade quando você tem medo de arriscar.

A sala fica em silêncio por alguns segundos, e o CEO dá um passo à frente, com os olhos brilhando.

— Bom, eu tenho que admitir que não esperava um debate tão animado — ele diz, rindo. — Vocês dois trouxeram pontos válidos, mas eu acho que essa discussão pode ser levada ainda mais longe. Amanhã, durante o tempo de aula de vocês, vou voltar com uma proposta interessante. Vamos ver quem consegue provar seu ponto de vista na prática.

O burburinho na sala começa de novo, enquanto Amara me lança um último olhar desafiador antes de se sentar. Parece que o jogo começou, e eu estou mais do que pronto para isso.

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Aprendizes -Os Bertottis #4 [Completo]Onde histórias criam vida. Descubra agora