Capítulo Trinta e Quatro

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|KAILE|

Acordo cedo, com o sol invadindo o quarto pelas persianas meio abertas, iluminando o ambiente do hospital. O silêncio é interrompido pelo som ritmado das máquinas ao meu lado, o bip insistente que já se tornou parte da minha rotina. Abro os olhos devagar, e, por um momento, tudo parece normal. Só mais um dia como todos os outros, penso, até que algo dentro de mim se agita.

Movimento.

Minhas pernas se mexem.

Eu mal acredito. Tento de novo, e lá estão elas, respondendo aos meus comandos. Os músculos ainda são fracos, é verdade, mas eu as estou controlando. A sensação é quase surreal, um misto de medo e esperança. Sinto o peso da minha determinação crescer, e, antes que perceba, me arrisco a sentar na beirada da cama.

Cada movimento é uma pequena vitória, mas a dor também está presente, latejando em cada fibra dos meus músculos ainda atrofiados. Dói como o inferno, mas eu me recuso a parar. Apoio-me no braço da cama e, com um impulso torto, coloco meus pés no chão frio. A dor me atinge de novo, mas eu respiro fundo e continuo.

Com esforço, dou meus primeiros passos em direção ao banheiro. Meu corpo treme, cada movimento parece um desafio impossível, mas, depois de semanas preso na cama, finalmente chego lá. Faço o que preciso fazer, ainda me sentindo frágil, mas, pela primeira vez desde o incêndio, me sinto vivo.

Quando volto para a cama, o médico entra. Doutor Vicente, meu cunhado e o fofoqueiro que sempre conta tudo a Fernanda, minha irmã, um rosto familiar que deveria me confortar, mas ele parece mais preocupado do que feliz.

— Você se forçou demais, Kaile — ele me repreende com firmeza, enquanto verifica os monitores ao lado da cama. — Está progredindo, sim, mas precisa ir devagar. Não vamos arriscar seu tratamento por causa da sua teimosia.

Eu concordo, envergonhado, mas não consigo evitar um sorriso bobo que surge no meu rosto. Ele balança a cabeça, mas não pode esconder o brilho de orgulho nos olhos.

— Ok, campeão, pelo menos você está sorrindo. Só... não faça isso de novo sem ajuda. Vamos devagar, certo?

Eu aceno e me deito novamente. Meus músculos ardem, mas a satisfação de ter dado esses passos me preenche de uma forma indescritível.

***

O resto do dia passa lentamente. Entre as sessões de fisioterapia e as conversas com os médicos, uma ansiedade crescente toma conta de mim. Eu disse ontem ao doutor Marcelo, meu psicólogo, que hoje seria o dia. O dia em que finalmente encararia meus amigos. A ideia me deixa inquieto, mas sei que preciso fazer isso.

A tarde cai, e o quarto do hospital parece ficar menor a cada segundo. Vai dar tudo certo, repito para mim mesmo, mas o medo continua a latejar no fundo da minha mente. O som de passos no corredor me faz respirar fundo. Sei que são eles. Rodolfo, Débora e... Amara. O coração acelera quando penso nela, no quanto eu a fiz sofrer. A porta se abre devagar, e vejo primeiro Rodolfo entrando. Seus olhos brilham de alívio quando me vê sentado, mais forte do que da última vez.

— Você está vivo, cara! — Ele diz, a voz embargada. Ele caminha até mim e me abraça com força. — Eu sabia que você conseguiria.

Débora vem logo atrás, com os olhos cheios de lágrimas, mas com um sorriso no rosto. Ela se aproxima e me abraça também, seus braços delicados envolvendo meu corpo como uma proteção. — Sentimos tanto a sua falta, Kaile.

Eu não consigo segurar as lágrimas. Eles estão aqui, meus amigos, minha família. Mas ainda há um peso dentro de mim, algo que eu preciso liberar.

E então, Amara entra. E tudo dentro de mim se parte. Ela está linda, como sempre, mas seus olhos refletem tanto amor quanto dor. Quando nossos olhares se cruzam, o mundo parece parar. Eles me abraçam, todos juntos. Eu sinto o calor, o apoio, mas algo dentro de mim ainda está quebrado. Finalmente, desmorono.

— Me perdoem — digo, entre soluços. — Por favor, me perdoem. Foi tudo culpa minha. Eu os levei para lá... eu... eu matei a Lígia.

Rodolfo, com os olhos marejados, balança a cabeça. — Não há nada para perdoar, Kaile. A culpa não foi sua. Foi uma tragédia, uma daquelas coisas que simplesmente... acontecem.

Débora concorda, as lágrimas correndo livremente por suas bochechas. — Nós te amamos, Kaile. Não há culpa a ser carregada. Estamos aqui, todos juntos, por sua causa. Você nos salvou.

Eu choro como uma criança. As palavras deles são bálsamo para uma dor que achei que nunca iria curar. Mas, no fundo, ainda há algo que preciso fazer, algo que sei que não pode esperar. E, mais tarde, depois que Rodolfo e Débora se despedem, fico sozinho com Amara. Eu a olho, ainda incrédulo de como ela consegue estar tão perto de mim, mesmo depois de tudo.

— Amara — digo, hesitante —, preciso de um favor. Eu... preciso ir até o cemitério.

Ela me encara por um momento, seus olhos refletindo a compreensão. Sem questionar, ela apenas acena com a cabeça. Ela me ajuda a entrar na cadeira de rodas e me guia até o carro. A viagem até o cemitério é silenciosa, mas cheia de significado. Quando chegamos, Amara me acompanha até a lápide de Lígia. O nome dela gravado ali me corta como uma lâmina. Fico diante da lápide por longos minutos, incapaz de falar no início. Mas, aos poucos, as palavras vêm.

— Lígia, eu... sinto tanto. Eu sinto muito por não ter conseguido te salvar. Eu sinto muito por ter te levado para aquele lugar. — Minha voz falha, e as lágrimas correm pelo meu rosto. — Por favor, me perdoe.

O vento sopra suavemente, e, por um momento, parece que o peso insuportável que carreguei até agora começa a se dissipar. O alívio é pequeno, mas real.

Amara me coloca de volta no carro, e seguimos em silêncio de volta ao hospital. Quando chegamos ao meu quarto, ela se vira para mim, seus olhos cheios de uma determinação que eu não entendo completamente.

— Eu te amo, Kaile — ela diz, a voz firme, mas doce. — E eu nunca vou desistir de você. Nunca.

Eu a puxo para um beijo, e, pela primeira vez em semanas, sinto meu coração aquecer de verdade.

💔

Hello! Lembre-se da estrelinha e comentário. Mil Beijos, Sra.Kaya 😘

Aprendizes -Os Bertottis #4 [Completo]Onde histórias criam vida. Descubra agora