Aprendizes -Os Bertottis #4 [Completo]

Capítulo Dezenove

|AMARA|

Desde o beijo com Kaile no laboratório, sinto como se minha vida tivesse virado de cabeça para baixo. Não consigo tirá-lo da minha cabeça: seus olhos azuis penetrantes, o toque firme em minha cintura, a intensidade daquele momento que parece ter me consumido por completo. Tento me convencer de que foi só um beijo, algo passageiro. Afinal, estou focada em tantas outras coisas. Tenho um novo emprego, uma carreira para construir, uma vida para organizar. Mas... ele continua ali, invadindo meus pensamentos.

Tento evitá-lo a qualquer custo. Quando o vejo no corredor, desvio o olhar. Se ele está em um grupo de amigos, dou um jeito de seguir por outro caminho. Ficar longe dele é a única solução para não encarar a verdade que eu venho fugindo desesperadamente: eu gosto dele. Admitir isso seria como abrir uma caixa de Pandora, cheia de complicações que eu não estou pronta para lidar.

Lígia, claro, já está desconfiada de que algo aconteceu naquele dia no laboratório. Ela me cerca com perguntas indiretas, observações rápidas, e seus olhos curiosos me estudam o tempo todo. Mas eu me finjo de desentendida, mudo de assunto, sempre invento alguma desculpa para escapar. O pior é que ela é minha melhor amiga agora, e sei que ela apenas quer me ajudar, mas não estou pronta para compartilhar essa bagunça interna.

Até que um dia, enquanto estou sozinha no corredor da faculdade, Kaile me surpreende. Ele aparece do nada, como se tivesse adivinhado exatamente onde eu estaria. Tento fingir que não o vejo, mas é impossível. Ele se coloca na minha frente, um sorriso provocador no rosto, e me encurrala.

— Amara — ele diz, sua voz soando suave, mas firme. — Preciso falar com você.

— Agora não, Kaile — respondo, tentando escapar, mas ele se coloca à minha frente de novo, me impedindo de seguir adiante.

— Só por um minuto — insiste, com um tom que parece desarmar qualquer resistência que eu possa ter. — Prometo, sem provocações.

Eu o olho desconfiada, cruzo os braços e respiro fundo. Ele continua sorrindo, mas dessa vez, o sorriso é mais tranquilo, quase... inocente. — Só quero fazer um convite — continua ele, erguendo as mãos como se estivesse tentando mostrar que não há segundas intenções. — Eu e os outros vamos nos reunir mais tarde. Vai ser tranquilo, só para relaxar. Você devia vir com a gente.

Minha mente dispara, já pensando que isso é mais uma provocação, um plano para me deixar desconfortável. Mas, de algum modo, a expressão dele parece sincera. Acabo cedendo, ainda desconfiada, mas aceito o convite. Talvez seja uma forma de... esclarecer as coisas entre nós. Ou, quem sabe, uma oportunidade de manter as coisas no campo da amizade.

Mais tarde, encontro Kaile, Lígia, Débora e Rodolfo no ponto de encontro combinado. Eles estão animados, prontos para o que eu imagino ser uma noite casual. Só quando estamos a caminho percebo que o destino é a casa de Kaile. Tento não demonstrar o desconforto que sinto, mas estou definitivamente nervosa.

Chegamos a uma casa grande e bonita, diferente do que eu esperava. Não há extravagâncias, mas tudo é impecável, de bom gosto e acolhedor. A turma se acomoda como se já fosse rotina estar ali, enquanto eu me sinto um tanto deslocada. Porém, como sempre, Lígia está ao meu lado, fazendo de tudo para que eu me sinta confortável. Ela percebe meu nervosismo e me lança um olhar encorajador.

— Relaxa, você vai adorar — sussurra ela, antes de correr para abraçar uma senhora que aparece no hall.

É nesse momento que conheço vovó Eliza.

Kaile vai correndo em direção a ela, e os dois se abraçam com uma alegria contagiante.

— Essa é minha avó — ele me apresenta, como se fosse algo natural. A senhora, que deve ter mais de oitenta anos, é cheia de energia. Ela sorri, com os olhos brilhando de entusiasmo e me olha com curiosidade. Sinto meu rosto corar.

— Ah, então você é Amara! — diz Eliza, com uma risada calorosa. Antes que eu possa dizer qualquer coisa, ela me puxa para um abraço. Fico sem jeito no início, mas há algo no toque dela que me faz relaxar. É um abraço quente, reconfortante. Como se, de repente, eu pertencesse ali.

A turma ao redor já se sente à vontade, rindo e conversando. Débora e Rodolfo estão fazendo piadas, Kaile está encostado em um canto, observando tudo com um sorriso, e eu... me vejo cativada por vovó Eliza. Ela faz perguntas sobre mim, sobre meu trabalho, minha vida. É engraçado, pois me sinto mais aberta a responder do que imaginei que estaria.

— Você me parece uma garota muito especial — diz ela, piscando para mim, enquanto me oferece mais um pedaço de bolo que está na mesa. — Kaile tem bom gosto em escolher amigos.

Eu rio, tímida, mas agradecida. A presença dela é tão acolhedora que me faz esquecer por um momento toda a confusão dentro de mim. A noite segue de forma leve, e o clima é descontraído. As risadas de todos preenchem o ambiente, e aos poucos, me sinto mais à vontade. Lígia, claro, não para de brincar comigo, me provocando com piadas sobre minha seriedade, mas até isso me faz rir.

Em um dado momento, Eliza me olha nos olhos, segura minha mão com carinho e diz.

— Você já faz parte da família, minha querida. Ganhamos mais uma neta bonita na família Bertotti.

Fico sem palavras. A simplicidade e o carinho dela me tocam de um jeito que não esperava. Por um instante, sinto uma onda de calor tomar conta de mim. Uma sensação de pertencimento que nunca tive. Meus olhos quase se enchem de lágrimas, mas consigo me controlar.

O sorriso de Kaile no outro lado da sala me faz desviar o olhar rapidamente, tentando não demonstrar a agitação interna que sinto toda vez que ele está por perto. Ele, claro, percebe, e quando nossos olhares se cruzam, há algo ali que não sei explicar. Algo que me faz sentir em casa, e ao mesmo tempo, perdida.

A noite termina de forma tranquila, mas algo dentro de mim mudou. Não sei dizer exatamente o que é, mas ao me despedir de todos, especialmente de vovó Eliza, percebo que estou sorrindo. Um sorriso genuíno. Uma parte de mim quer entender o que é isso que estou sentindo.

💔

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