Capítulo Vinte e Sete

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|AMARA|

Os dias de trabalho aqui no projeto têm sido intensos, mas cada segundo vale a pena. Estamos exaustos, nossos corpos doloridos, as mãos calejadas de tanto carregar tijolos, misturar cimento e subir escadas intermináveis com materiais pesados. Mas, ao mesmo tempo, estou mais realizada do que jamais estive. Ver os rostos das famílias para quem estamos construindo essas casas, seus olhos brilhando com uma esperança renovada, me dá forças. Essas pessoas finalmente terão um lar digno, algo que muitos de nós consideramos garantido.

É um trabalho árduo, sim, mas não poderia ser mais gratificante. Todos nós aprendemos tanto, não só tecnicamente, mas como seres humanos. A humildade dessas pessoas, a força delas diante das dificuldades, está nos ensinando a valorizar ainda mais o que temos em nossas vidas confortáveis de cidade grande. Cada parede levantada é mais que um marco físico, é um tijolo de esperança para eles e para nós.

Entre as piadas que trocamos com os amigos e os momentos de descontração com a comunidade, eu e Kaile sempre encontramos alguns poucos minutos para nos perdermos um no outro. É engraçado como o cansaço não diminui a intensidade de quando ele me puxa para um canto, me rouba um beijo rápido, mas cheio de sentimento. Nessas trocas breves, conseguimos esquecer por um momento o peso de nossas responsabilidades. À noite, durante as refeições simples, todos nós nos sentamos juntos, mortos de cansaço, mas com sorrisos no rosto, trocando histórias e risadas. É uma sensação de realização completa.

Hoje, porém, tudo parece diferente. É o último dia do projeto, e estamos correndo para terminar a última parte da construção. As horas voam, e o trabalho não para. Queremos deixar tudo perfeito, dar o melhor de nós para concluir essa missão que assumimos com tanto entusiasmo. No entanto, algo não parece certo. Há uma tensão no ar, um incômodo que se instala em meu peito sem motivo aparente.

Enquanto estou carregando mais alguns sacos de cimento para o prédio que estamos finalizando, um conjunto habitacional popular que abrigará várias famílias, eu paro por um segundo e observo ao redor. O lugar parece... estranho. Não sei bem o que é, mas o ar está diferente, pesado, como se algo estivesse fora de lugar. Ligo para Lígia, que está a alguns metros de mim.

— Você também está sentindo isso? — pergunto, franzindo o cenho.

Lígia olha ao redor, confusa, mas logo dá de ombros. — Não sei... talvez seja só o cansaço. Estamos no último dia, pode ser só ansiedade para acabar logo.

Eu tento afastar a sensação, mas ela persiste. Algo está errado.

— Vamos verificar lá dentro — sugiro, me referindo ao prédio que estamos quase terminando. As duas concordam e seguimos juntas.

Entramos no edifício pela entrada lateral, onde parte do acabamento ainda está sendo finalizado. Enquanto subimos as escadas, o cheiro de fumaça começa a invadir o ar. Paro imediatamente, meus sentidos em alerta.

— Lígia, você está sentindo isso?

Ela para ao meu lado, o olhar preocupado de repente substitui o cansaço habitual. — Sim. É... fogo?

Antes que possamos processar o que está acontecendo, ouvimos um estalo alto vindo do andar superior. O som é tão intenso que reverbera por todo o prédio. Em questão de segundos, a fumaça começa a se espalhar mais rapidamente. O calor aumenta de maneira assustadora.

— Meu Deus, Amara! — Lígia grita. — Isso é sério. Precisamos sair daqui!

De repente, o caos explode. Gritos ecoam pelos corredores, e vejo pessoas correndo desesperadas. A fumaça agora é tão espessa que mal consigo enxergar o caminho à frente. Meu coração dispara, um pânico crescente toma conta de mim. O que era para ser nosso último dia de celebração, nossa despedida desse projeto tão importante, está se transformando em um pesadelo.

— Lígia, vamos! — Eu tento segurar a mão dela, mas as pessoas em volta nos empurram, tentando escapar também. Nos separamos, e quando olho novamente, não consigo mais vê-la. Meu peito aperta.

— Lígia! — grito, desesperada, tentando lutar contra a multidão que se atropela nas escadas.

A fumaça está por toda parte agora, sufocante. Meu corpo treme, e meus pulmões ardem cada vez que tento respirar. Tento me guiar, mas é impossível enxergar qualquer coisa com clareza. O calor está insuportável, partes do teto começam a ceder, estalos como trovões anunciam o perigo iminente. Preciso sair daqui, mas onde está Lígia?

Os gritos ao meu redor aumentam em intensidade. Pessoas tropeçam, algumas caem, outras conseguem escapar pelas escadas, mas eu estou paralisada por alguns segundos, incapaz de raciocinar. Tudo acontece rápido demais. O calor, os gritos, o som das chamas consumindo a estrutura, tudo me atinge de uma vez, como se o mundo estivesse desmoronando ao meu redor.

Sinto algo quente e pesado tocar meu braço, e por um momento acho que é o fogo. Mas quando me viro, percebo que uma viga de madeira despencou do teto e está bloqueando a saída mais próxima. Não há para onde correr.

— Amara! — Ouço uma voz familiar, mas abafada, e meu coração acelera. É Kaile.

— Aqui! — grito, com a voz fraca, sentindo as lágrimas se misturarem ao suor e à sujeira no meu rosto. O medo me consome, mas eu preciso manter a calma.

De repente, sinto sua mão agarrar a minha no meio da fumaça. O alívio que sinto é imediato, mas também sei que ainda não estamos a salvo. Kaile me puxa com força, e seguimos para uma outra saída.

— A escada está bloqueada! — ele grita por cima do barulho. — Temos que sair pelo lado oposto!

Corremos o mais rápido que podemos, desviando de escombros e tentando não tropeçar no caos que se desenrola ao nosso redor. O prédio está desmoronando, e tudo o que eu consigo pensar é em sair dali, viva, com ele.

Chegamos a uma janela parcialmente quebrada, e Kaile a chuta com força, abrindo passagem. Ele me ajuda a passar, e logo em seguida, pula também. Estamos do lado de fora, ofegantes, e ao olhar para trás, vejo o prédio em chamas, pedaços caindo como em câmera lenta. Eu caio de joelhos no chão, exausta e em choque. O ar frio da rua contrasta com o calor infernal que acabamos de enfrentar, mas meus pensamentos ainda estão presos lá dentro. Kaile se ajoelha ao meu lado, segurando meu rosto com as mãos.

— Você está bem? — ele pergunta, os olhos arregalados de preocupação.

Eu balanço a cabeça, ainda em estado de choque, mas aliviada por estarmos fora de perigo.

— E Lígia? — murmuro, o pânico ainda em meu peito e o desespero volta com tudo ao lembrar que a deixei para trás. 


💔

Hello! Lembre-se da estrelinha e comentário. Mil Beijos, Sra.Kaya 😘

Aprendizes -Os Bertottis #4 [Completo]Onde histórias criam vida. Descubra agora