Capítulo Trinta e Três

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|KAILE|

A viagem de volta para Balneário Camboriú é longa e cansativa. As horas passam devagar enquanto a van da clínica corta as estradas em direção à minha cidade natal. Passo a maior parte do caminho olhando pela janela, vendo as paisagens familiares se estenderem como um borrão. Não sei o que esperar quando chegarmos. Não sei se estou pronto para enfrentar tudo isso. Minha cidade, minha família, meus amigos... tudo parece tão distante agora.

Quando finalmente vejo o letreiro da entrada da cidade, algo dentro de mim se agita. Não é alegria ou alívio. É uma mistura de medo e ansiedade. Balneário Camboriú, meu lar, parece mais um peso do que um conforto agora. A cidade não mudou, mas eu mudei. E como eu mudei.

Ao chegar ao Hospital da Graça, sou levado para um quarto limpo e organizado. Minhas pernas permanecem imóveis, e cada movimento que faço depende da ajuda dos enfermeiros ou dos aparelhos ao meu redor. É humilhante, degradante até. Mas há algo dentro de mim que sabe que este é o início de uma longa jornada. Não posso desistir agora. Minha família está aqui.

Algumas horas depois, a porta do quarto se abre, e minha mãe, Giovana, entra. Seu rosto está marcado pela preocupação, mas os olhos dela brilham de alívio. Atrás dela, meu pai, Brendan, segue com o mesmo semblante, e, por último, vovó Eliza aparece, caminhando devagar e cautelosa como sempre, mas com a mesma força de sempre. Eles me olham como se eu fosse uma dádiva, como se minha sobrevivência fosse um milagre, e talvez seja.

— Meu menino... — Minha mãe é a primeira a falar, e sua voz quebra ao se aproximar de mim. Ela se ajoelha ao lado da minha cama, segurando minha mão com força, como se temesse que eu fosse desaparecer a qualquer momento.

Eu não consigo falar. Só sinto a mão dela apertando a minha, e as lágrimas se acumulam nos meus olhos. Não quero chorar na frente deles, não agora. Eles já passaram por muito, e não merecem mais essa dor.

— Achamos que tínhamos te perdido, filho — meu pai diz, sua voz grave quebrando o silêncio. Ele se inclina, colocando a mão pesada no meu ombro, como se sua força pudesse me sustentar. — Mas você está aqui. E nós estamos com você, sempre.

A presença deles é esmagadora de tantas formas, mas o que me prende mais é o amor. Eles me amam, mesmo eu sendo um completo fracasso agora. Tento esboçar um sorriso, mas sei que é forçado. Vovó Eliza se aproxima devagar, sua mão trêmula tocando meu rosto.

— Você é forte, Kaile. Você vai superar isso. — A firmeza na voz dela me traz um conforto que eu nem sabia que precisava.

— Eu não sei como continuar... — murmuro, a confissão saindo antes que eu possa contê-la. Minha mãe me puxa para um abraço apertado, e eu finalmente deixo as lágrimas caírem.

Eles não dizem nada, mas a presença deles é tudo o que preciso no momento. Não tenho mais nada para dar a eles, exceto minha própria culpa e dor. Ainda assim, eles não me abandonam. Eles acreditam em mim.

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Uma semana depois, começo a sessão de terapia com o psicólogo indicado pelo hospital. A sala é confortável, diferente do ambiente frio e estéril do quarto onde estou internado. O doutor Marcelo me observa em silêncio antes de iniciar a conversa.

— Kaile, eu sei que isso é difícil. Mas sei também que você é capaz de superar, se der o primeiro passo. — Sua voz é calma, mas direta. Ele não tenta amenizar minha dor.

Eu suspiro, olhando para minhas pernas imóveis. — Não é só isso. Não são só as minhas pernas. Eu matei uma pessoa. Lígia morreu por minha causa. Como eu posso seguir em frente sabendo disso?

Ele me observa, o olhar firme, mas compassivo. — A morte de Lígia foi uma tragédia, Kaile. E tragédias, infelizmente, acontecem. O primeiro passo para seguir em frente é aceitar que você fez o melhor que pôde nas circunstâncias. Ninguém culpa você por isso.

Eu dou uma risada amarga.

— Como você sabe que ninguém me culpa? Eu nem os vi ainda. Não tenho coragem de encarar nenhum deles. Eu sou o culpado. Eu os levei para aquele inferno.

O doutor Marcelo faz uma pausa antes de continuar.

— O próximo passo, então, é encarar seus medos. Você precisa vê-los, Kaile. Precisa enfrentar isso, ou vai continuar preso nessa culpa para sempre. Seus amigos ainda estão aqui. Eles querem ver você. E você precisa deixar que eles ajudem você a se curar.

Sei que ele está certo. Mas a ideia de ver Rodolfo, Débora... e principalmente Amara... me apavora. Como posso encará-los depois de tudo?

***

As sessões de fisioterapia começam devagar. No início, não sinto nada nas pernas. Apenas uma sensação distante de formigamento. Mas, depois de alguns dias, algo muda. Sinto uma leve pressão. Um movimento involuntário. E, de repente, algo desperta dentro de mim. Uma faísca de esperança que pensei ter perdido.

Os médicos dizem que é um progresso pequeno, mas significativo. Minhas pernas ainda não se movem por vontade própria, mas os estímulos sensoriais mostram que há alguma atividade. Talvez, só talvez, eu não esteja condenado a essa cadeira de rodas pelo resto da vida.

Apesar desse pequeno avanço, a culpa ainda pesa sobre mim como uma âncora. A morte de Lígia é uma sombra que me segue, mesmo nos momentos de esperança. Cada vez que penso em meus amigos, a imagem dela me invade, e o peso de minha responsabilidade me sufoca.

Encarar meus medos... As palavras do doutor Marcelo ecoam na minha mente.

Eu respiro fundo, olhando para o teto do quarto. Se eu vou conseguir me curar, preciso encarar essa verdade. Preciso aceitar o fato de que, por mais que eu queira voltar no tempo e fazer as coisas de outra maneira, não posso. Preciso enfrentar meus amigos. Preciso enfrentar Amara.

Mas ainda não tenho coragem.

O tempo passa, e eu continuo evitando a visita deles. Os dias se arrastam, mas a esperança cresce um pouco mais a cada sessão de fisioterapia. Os pequenos movimentos se tornam mais frequentes, mas ainda são fracos. Eu me apego a isso, como um náufrago se agarra a um pedaço de madeira no meio do oceano.

Então, em uma tarde silenciosa, enquanto observo o sol se pôr pela janela, tomo uma decisão. Talvez eu nunca me perdoe completamente pelo que aconteceu, mas sei que não posso continuar fugindo. Preciso dar o próximo passo. Preciso ver meus amigos. Amanhã, eu os deixarei entrar.

💔

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Aprendizes -Os Bertottis #4 [Completo]Onde histórias criam vida. Descubra agora