Capítulo Trinta e Dois

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|KAILE|

Estou sozinho no quarto, o barulho das máquinas ao meu redor e o cheiro estéril de hospital me sufocam. O eco das palavras dos médicos ainda ressoa na minha cabeça: suas pernas podem não se mover novamente... Eu queria me afogar nessa culpa, nesse buraco negro que me consome. Eu fiz isso. Eu sou o responsável. Trouxe todos para aquele maldito projeto, para aquela tragédia. Eu matei Lígia.

Rodolfo e Débora já voltaram para Balneário Camboriú. O funeral de Lígia foi ontem, e eu não pude estar lá. Não sei se isso é um alívio ou mais uma tortura. No fundo, queria ter me despedido dela. Mas ao mesmo tempo, como eu poderia encarar a sua família, seus amigos? Como eles poderiam me perdoar, quando nem eu mesmo consigo?

Quando finalmente penso que vou ter o silêncio e a solidão que tanto desejo, tudo muda de repente. A porta do quarto se abre, e, um a um, eles foram reaparecendo em minha vida. Minha família. Fernanda, minha irmã mais velha, com aquele olhar firme de sempre, e Vicente, seu marido, ambos com a postura de médicos experientes que sabem o que fazer, mas a dor nos olhos deles não mente. Miguel vem logo atrás, seguido de Arabella. Meu irmão mantém o semblante sério, tentando parecer forte, mas sei que ele está destruído por dentro. E então, a última pessoa que esperava ver... Isadora, minha irmã caçula, com Maurício, o marido dela. Eles me cercam, cada um com sua forma de mostrar força, e sei o que está por vir, cada vez que um deles surge em uma visita forçada ao meu quarto de hospital.

— Vocês não deveriam estar aqui — murmuro, sem conseguir olhar diretamente para eles.

— Claro que deveríamos — Fernanda responde sem hesitar, a voz firme como sempre. — Somos sua família, Kaile. E não vamos deixar você sozinho nessa.

Eu suspiro, sentindo o peso esmagador do amor deles, algo que deveria ser um alívio, mas só me faz sentir mais culpado. Eles não entendem. Eu não sou mais o Kaile de antes. Não consigo aceitar isso.

— Eu estou... quebrado — admito, minha voz falha. — Não sou mais o mesmo. Vocês não deveriam perder tempo comigo.

Miguel, com seu jeito prático e direto, se aproxima e coloca a mão no meu ombro.

— Você é nosso irmão, Kaile. E nós não vamos desistir de você, por mais que tente nos afastar.

Arabella permanece em silêncio, mas seu olhar é intenso. Sei que ela está tentando encontrar as palavras certas, mas, na verdade, não há o que dizer que vá mudar o que sinto agora.

— A culpa é minha — digo, tentando não deixar minha voz tremer, mas falhando miseravelmente. — Eu matei a Lígia. Trouxe todos eles para aquele inferno, e agora... agora eu sou isso, um inválido. Vocês não podem me ajudar.

Isadora, que geralmente é a mais emotiva de todos, se aproxima lentamente, com os olhos marejados, mas ainda sim firme e confiante.

— Kaile... — sua voz é suave, mas cheia de determinação. — Não importa o que você pense, a gente nunca vai te abandonar. Você sempre esteve lá por nós, sempre foi nosso irmão querido. Agora, é nossa vez de cuidar de você. Não vamos aceitar um não como resposta.

Eu tento resistir. Eu tento. Mas a força deles, essa união que sempre admirei na nossa família, me cerca como uma barreira inquebrável. Eles estão determinados a me salvar, mesmo que eu não queira ser salvo.

— Vocês não entendem... — sussurro, os olhos começando a arder. — Não sou o mesmo. Não sei como continuar...

Fernanda, com aquele olhar que só as irmãs mais velhas conseguem ter, se inclina para mim e diz:

— Você não precisa entender tudo agora, Kaile. Só precisa confiar na gente. Vamos te levar de volta para casa. Vamos para Balneário, para o Hospital da Graça. Vicente e eu vamos cuidar de você. Você tem o melhor time possível ao seu lado.

Arabella finalmente fala, sua voz calma, mas firme.

— Você não está sozinho. Nós nunca deixaremos você sozinho.

Essas palavras, essa avalanche de amor e apoio, me atingem como um golpe inesperado. Eu não sou digno disso. Eu não mereço essa família, esse suporte. Eu mereço o isolamento, a dor. Mas, enquanto essas vozes familiares ecoam ao meu redor, sinto algo quebrar dentro de mim. O muro que venho tentando construir desde o incêndio começa a desmoronar.

— Não sei como voltar a ser eu mesmo... — admito, a voz embargada. As lágrimas finalmente vêm, e eu me sinto desmoronando de vez.

Fernanda, Miguel, Isadora... eles se aproximam, e eu os deixo me abraçarem. Por mais que minha mente grite para afastá-los, meu coração está cansado de lutar. Eu aceito o que me oferecem: amor, perdão, esperança.

Por um longo momento, o quarto fica em silêncio, exceto pelos nossos soluços e pelas palavras sussurradas de conforto que eles me oferecem. Eu nunca soube que poderia chorar tanto, mas agora não consigo parar. Toda a dor, toda a culpa, toda a raiva que guardei dentro de mim se derrama.

E, de repente, sinto que, mesmo que talvez eu não possa andar novamente, mesmo que meu corpo tenha sido destruído, meu espírito ainda está aqui. Frágil, sim, mas presente. E talvez, só talvez, haja uma maneira de me reconstruir. Não por mim, mas por eles. Por essa família que me recusa a abandonar, que me ama incondicionalmente, apesar de tudo.

— Vamos te tirar daqui amanhã — Miguel diz, secando os olhos. — Vamos para casa.

Eu não posso mais lutar contra isso. Não posso continuar me afastando deles. Choro, finalmente aceitando o que preciso aceitar: o amor deles. E, no fundo, algo me diz que essa é a única coisa que pode me salvar agora.

Fernanda se aproxima e segura minha mão, enquanto Vicente começa a organizar os detalhes da minha transferência. Isadora sorri para mim, ainda com os olhos marejados, e eu percebo, pela primeira vez em dias, que talvez eu ainda tenha uma chance.

— Obrigado — murmuro, mal conseguindo encontrar as palavras.

— Não precisa agradecer — Miguel diz, com um sorriso confiante de irmão mais velho. — Somos os Bertottis, e sempre estaremos juntos.

E nesse momento, enquanto me entrego ao conforto da minha família, sinto que, talvez, eu possa encontrar uma maneira de me reconstruir, uma maneira de viver com o que aconteceu. E, mesmo que eu nunca mais seja o mesmo, sei que eles estarão ao meu lado, me ajudando a me levantar, seja de corpo ou de espírito.


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Aprendizes -Os Bertottis #4 [Completo]Onde histórias criam vida. Descubra agora