Capítulo Trinta

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|RODOLFO|

O incêndio foi um pesadelo que atravessou nossas vidas com uma fúria devastadora. Aquele inferno de chamas, calor e caos parecia não ter fim, e tudo que senti enquanto escapava com Débora era a incerteza se íamos sair vivos dali. Cada segundo parecia uma eternidade, e quando finalmente conseguimos nos afastar das chamas, o peso do alívio misturado com o medo por aqueles que ainda estavam lá dentro se abateu sobre mim. Eu sabia que Kaile tinha voltado. O louco, meu melhor amigo, tinha voltado para salvar Lígia. Ele arriscou tudo, arriscou a própria vida para salvar a dela. Do lado de fora, encontro Amara. Seu rosto está pálido, desesperado, o olhar ansioso varrendo o caos à nossa volta em busca de Kaile.

— Onde ele está? — ela pergunta, com a voz trêmula.

Respiro fundo, sentindo a dor cortar minha garganta ao falar.

— Ele voltou. Ele voltou para buscar Lígia.

Os olhos de Amara se arregalam e, por um segundo, ela fica paralisada. Então, sem aviso, ela tenta correr de volta para o prédio em chamas. Eu a seguro com toda a minha força, sentindo o desespero dela bater contra o meu próprio corpo.

— Amara, não! — grito, enquanto ela se debate. — Não vai adiantar você entrar lá. Eles já estão lá dentro, os bombeiros vão tirá-los!

Ela chora, soluçando de forma incontrolável, e eu a mantenho presa em meus braços, sentindo cada gota de desespero que ela derrama. O barulho das sirenes e o som das mangueiras dos bombeiros cortam o ar. As ambulâncias começam a chegar, os paramédicos correm para atender os feridos. Tudo parece um borrão, uma confusão que se move à minha volta, enquanto minha mente fica fixada apenas em Kaile e Lígia. Será que eles vão conseguir sair?

Somos levados para o hospital central. Débora, Amara e eu. Cada um em uma ambulância diferente. O trajeto é rápido, mas na minha mente, cada quilômetro se arrasta, como se o tempo estivesse se distorcendo. Meus pensamentos estão presos na imagem de Kaile entrando naquele inferno. Ele confiava em mim, e eu o deixei voltar.

Chegamos ao hospital e somos separados, levados para diferentes alas. Sinto um alívio ao saber que os ferimentos de Débora não são graves, mas o pavor continua a me consumir. Eu não sei como estão Kaile e Lígia. E se...

A noite chega, mas o sono, não. Pesadelos me assombram sempre que fecho os olhos. Faíscas, fogo, o cheiro de fumaça. O som do prédio desmoronando. Gritos. Meus próprios gritos. Uma enfermeira me aplica um sedativo, mas ele não apaga o medo que está gravado em mim.

Na manhã seguinte, o médico me libera para sair da cama. Ele diz que meus ferimentos não são tão graves, mas, na minha cabeça, sinto como se algo estivesse partido dentro de mim. Tudo que consigo pensar é em Kaile e Lígia. Preciso saber como eles estão.

Minha primeira parada é o quarto de Amara. Ela está adormecida, um sedativo foi administrado para acalmá-la, segundo uma enfermeira chamada Glória. Eu fico em silêncio ao lado de sua cama por alguns minutos. O rosto dela, mesmo sereno agora, ainda está marcado pela dor e pelo medo. Ela sussurra o nome de Kaile em meio ao sono, e meu coração se aperta ainda mais.

Depois, vou até o quarto de Débora. Ela está acordada, ainda abalada, mas não em pânico. Sento-me ao lado dela, pegando sua mão e beijando seus lábios suavemente. Conversamos por alguns minutos, mas meus pensamentos estão dispersos, presos ao destino de Kaile e Lígia. Débora percebe, me abraça e me diz para ir atrás das respostas que preciso. Eu a deixo descansar e saio do quarto. Ao sair, encontro Glória novamente. Paro diante dela, minhas mãos trêmulas, o peito apertado com o medo do que vou ouvir.

— E minha amiga Lígia? Ela foi socorrida? Ela também estava no incêndio conosco. — pergunto, minha voz quase se partindo.

Glória hesita. Algo no rosto dela me faz querer gritar, correr, fugir da verdade que eu sei que está prestes a ser dita. Imploro com o olhar, e ela finalmente suspira, seus olhos cheios de compaixão.

— Ela chegou aqui, mas... infelizmente, sua amiga não resistiu. Sinto muito. Ela já estava sem vida quando os paramédicos a trouxeram.

O chão parece se abrir sob meus pés. Lígia... morta? Não, isso não pode ser real. Minha mente se recusa a aceitar, e o impacto me deixa zonzo, cambaleando. Lígia morreu... Aquela frase ecoa em minha mente, como um golpe após o outro, e eu preciso me apoiar na parede para não cair.

— Não... — sussurro, mas minha voz é quase um gemido de dor.

Eu me viro, quase sem saber o que estou fazendo, e corro pelo corredor. Glória havia mencionado Kaile... ele está vivo. Ele sobreviveu! Mesmo com tudo desmoronando sobre ele, ele está vivo, mas eu... eu vou ter que contar para ele. Vou ter que olhar nos olhos do meu melhor amigo e dizer que falhei. Que ele falhou.

Chego ao quarto de Kaile e abro a porta sem pensar. Ele está acordado, deitado na cama, ainda pálido e ferido, mas... vivo. Quando ele me vê, um alívio indescritível inunda seus olhos, e antes que eu perceba, estou abraçando ele com toda força que tenho. Nós dois choramos, emocionados pelo simples fato de estarmos vivos.

— Você está vivo, meu amigo! — digo, entre soluços.

— E você também — ele responde, a voz trêmula.

Por um momento, tudo parece estar certo de novo. Mas então, Kaile olha para mim com aquela expressão esperançosa e faz a pergunta que eu mais temia.

— E Lígia? Ela está bem?

Eu dou um passo para trás. A verdade está presa na minha garganta, uma faca afiada que eu não consigo tirar. Tento falar, mas não consigo. E Kaile... ele percebe. Só de olhar para mim, ele entende tudo. Seus olhos se arregalam, o rosto se transforma em uma máscara de dor e incredulidade.

— Não... não! — ele grita, o som partindo meu coração.

O desespero toma conta dele, e tudo que posso fazer é ficar ali, impotente, vendo meu amigo ser consumido pela dor. A verdade o destrói, assim como está me destruindo. E nós desmoronamos...


💔

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Aprendizes -Os Bertottis #4 [Completo]Onde histórias criam vida. Descubra agora