|AMARA|
Quando meus olhos finalmente se abrem, o quarto de hospital parece se estender infinitamente à minha frente, um abismo frio e vazio. O cheiro de antisséptico me atinge com força, enquanto a claridade branca da sala faz meus olhos lacrimejarem. Sinto dores espalhadas pelo corpo, pequenas lacerações aqui e ali, mas isso não importa. A dor física é insignificante comparada ao peso esmagador que se instala no meu peito assim que a realidade começa a se desenrolar.
Kaile. Lígia... Onde eles estão?
Eu tento me levantar da cama, mas uma pontada aguda no abdômen me faz recuar. Uma enfermeira entra na sala e começa a verificar meus sinais vitais, mas a única coisa que consigo perguntar, com a voz arranhada e fraca, é:
— Onde estão meus amigos?
Ela me olha por um momento, claramente incerta sobre o que dizer. Mas antes que possa responder, a porta se abre e Rodolfo e Débora entram no quarto. Eles estão feridos também, mas o alívio de vê-los vivos logo se transforma em pavor quando vejo o olhar vazio nos olhos de Rodolfo. Algo está terrivelmente errado.
— Amara... — Rodolfo começa, com a voz quebrada.
Débora pega minha mão, apertando-a com força, como se o contato físico pudesse de alguma forma amortecer o impacto do que está por vir.
— O que aconteceu? Onde está a Lígia? E Kaile? — pergunto, o coração acelerando, uma sensação de pânico crescendo dentro de mim.
Rodolfo engole em seco, desviando o olhar. E então ele diz, com a voz mais suave e devastadora que já ouvi:
— Lígia... ela não conseguiu, Amara. Ela... morreu no incêndio.
O chão desaparece sob meus pés. O mundo gira, e eu caio em um abismo sem fim. Minha melhor amiga... minha irmã... se foi. Para sempre. Não há retorno, não há mais risadas compartilhadas, não há mais abraços confortantes. Ela se foi, e o peso dessa realidade me destrói por dentro.
— Não, não, NÃO! — grito, a dor atravessando meu corpo como uma lâmina. Meus olhos se enchem de lágrimas, e tudo ao meu redor se dissolve. Choro com uma intensidade que nunca experimentei antes, o peito se comprimindo como se estivesse sendo esmagado por uma mão invisível. Débora tenta me abraçar, mas eu me afasto. A dor é insuportável. Não pode ser verdade, não pode.
Rodolfo tenta me consolar, me segurando pelos ombros enquanto eu desabo no chão, mas suas palavras são distantes, irreais. Eu continuo chorando, soluçando, como se pudesse trazer Lígia de volta com cada lágrima derramada. Mas nada acontece. Nada a trará de volta.
— Eu preciso ver Kaile — consigo dizer entre os soluços.
Débora e Rodolfo trocam olhares, hesitantes. Algo está errado, mais errado do que eu posso imaginar.
— Amara... ele não está bem — Rodolfo diz, sua voz cautelosa. — Ele está se culpando por tudo. E... ele não quer ver ninguém.
Ignoro as advertências. Kaile é tudo o que me resta agora, e preciso dele tanto quanto ele precisa de mim. Me levanto com dificuldade, sentindo minhas pernas tremerem, mas a dor emocional é muito maior do que qualquer dor física. Então, corro até o quarto de Kaile. Quando chego perto, ouço sua voz quebrada do lado de dentro.
— Eu sou o culpado! — ele grita, sua voz rouca e devastada. — Eu levei todos vocês para aquela maldita missão... Eu deveria ter morrido, não ela!
Meu coração se parte novamente, agora por Kaile. Bato na porta, desesperada para entrar, para abraçá-lo e dizer que não é culpa dele. Mas, quando entro no quarto, o que vejo me deixa paralisada. Kaile está deitado na cama hospitalar, o rosto marcado pelo sofrimento, os olhos azuis vazios, e seus lábios tremem com cada palavra de autodepreciação.
— Kaile — sussurro, avançando para ele.
Ele se vira para mim, mas não há alívio em seu rosto. Pelo contrário, há uma amargura profunda, uma dor que ele não consegue esconder.
— Amara, sai daqui. Eu não quero ver ninguém — ele diz, a voz dura, cortante.
— Kaile, por favor... nós precisamos uns dos outros agora. Você não está sozinho.
— Sozinho? — Ele ri, mas é um riso sem humor, cheio de desespero. — Olha pra mim, Amara! Eu sou um inválido! Minhas pernas... não se movem mais! Eu sou um fracasso! Não consegui salvar a Lígia, e agora... agora nem consigo me salvar.
As palavras dele me atingem como um soco. Minhas pernas tremem, e minha cabeça gira. Kaile está paralisado. E ele acredita que tudo é culpa dele. Tento me aproximar, tentando abraçá-lo, mas ele me empurra de volta.
— Sai daqui! — ele grita, a voz carregada de raiva e dor. — Eu não quero te ver! Eu não quero ver ninguém! Eu sou o responsável por isso tudo, e agora sou um peso morto.
Eu choro, mas ele não se importa. Kaile está perdido em um mar de culpa e autopunição, e eu não consigo alcançá-lo. Saio do quarto, soluçando, o coração partido pela segunda vez em um único dia.
Os dois dias que seguem são um inferno. Kaile se recusa a ver qualquer pessoa. Ele rejeita o tratamento médico, se recusa a falar, se recusa a aceitar ajuda. Ele está se afogando em culpa, e nenhum de nós consegue fazer nada. Rodolfo está exausto, tentando convencer Kaile de que ele precisa de ajuda, mas a resposta é sempre a mesma: raiva, rejeição, isolamento.
Rodolfo, em um último ato de desespero, toma uma decisão: ele liga para a família Bertotti. Fernanda, a irmã mais velha e médica. Miguel, o irmão do meio, que mora em Belo Horizonte com Arabella. E Isadora, a caçula. Ele acredita que talvez eles consigam resgatar Kaile desse abismo em que ele caiu.
Enquanto Rodolfo faz as ligações, fico parada do lado de fora do quarto de Kaile, ouvindo os gritos abafados dele. Meu coração dói por ele, por mim, por Lígia. Tudo que quero é que isso acabe, mas sei que este é apenas o começo de uma longa e dolorosa jornada.
A esperança, agora, está nas mãos dos Bertottis. Eles são a última chance de Kaile. E eu oro para que eles consigam salvá-lo, porque, se não conseguirem, temo que o Kaile que conhecemos já tenha desaparecido para sempre.
💔
Hello! Lembre-se da estrelinha e comentário. Mil Beijos, Sra.Kaya 😘
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Aprendizes -Os Bertottis #4 [Completo]
ChickLit[livro 4] Série Os Bertottis. O 1°Concorrentes, o 2° Subordinados e o 3° Transgressores. Kaile Bertotti é o terceiro filho de quatro irmãos. Sempre carismático e sorridente, ele esbanja charme por onde passa. Acostumado à boa vida e as amizades conq...