JULHO

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Os planetas pareciam estar todos em desordem, sua cabeça doía e estava mais estressado do que nunca antes. chegou a acidentalmente espantar um cliente com seu mal humor, e toda vez que ele tentava se concentrar em algo bom se lembrava das palavras jogadas em sua cara.

“eu não sinto nada, a gente não tem nada a ver”

Já deveria desconfiar, se envolver com alguém que já no passado o tratou mal era a coisa mais burra que ele já tinha feito.
Se sentia burro, estupido, fraco e odiava esse drama. suspirando em meio aos seus pensamentos sentiu dois braços o abraçarem por trás de seu corpo, conhecia aquele cheiro doce.

– filho, o que você tem? – a mulher passou as mãos pelos fios lisos do mais novo, ele a abraçou forte, não queria soltar.

Tófani chorava, os braços de sua mãe eram a única coisa que queria naquele momento. Não queria sair, poderia ter todo tipo de briga, mas ela era a única pessoa que podia o abraçar com tanto amor sem ao menos saber o que tinha. ela tinha tudo que ele precisava no momento.

– pode chorar, isso afasta muitas coisas ruins meu bem – ela o apertou mais forte.

– eu sou tão fraco mãe – murmurou abafado pelo aperto.

– quer me contar o que aconteceu? – ela afastou o corpo dele. – quer saber, vamos fechar por hoje eu vou fazer aquele bolo que você ama e nós vamos comer o tanto de açúcar que ninguém permite – ela disse determinada.

parecia o momento ideal, pois sua mãe também estava com problemas. Ele já havia notado e se conformado que seus pais estavam prestes a se divorciar. Viviam brigando, não se abraçavam e aquele amor que ele via quando era criança parecia ter se tornado costume.

Concordou com a cabeça e eles fecharam tudo, sua casa era do lado da locadora então não demorou muito para chegar. Seu pai não estava, Thomás estava na escola e o ambiente estava completamente silencioso.

– meu bem, eu sei que seu pai e eu pegamos muito no seu pé pra que você estude. – ela começou. – se for por isso que você anda triste…

– não mãe, não é culpa sua. – Pedro se sentou recebendo o bolo de brigadeiro. – eu sei que o pai fica enchendo seu saco pra me cobrar que eu siga a profissão que ele quer, porque ele nunca soube me cobrar nada com a mesma firmeza que você, ele só fala com você mas dá pra ouvir tudo – partiu o bolo com o garfo. – essas paredes são finas.

– seu pai e um ogro, mas isso não tira minha culpa – ela o olhou com os olhos tristes.
– prometo que vou tentar ser uma mãe melhor pra vocês, estou conversando com uma terapeuta e ela nos sugeriu terapia de casal, talvez dê certo?

Pedro sorriu de lado, a mulher sempre foi forte e muito mais inteligente do que poderiam imaginar. mas ela também sempre foi muito triste, e enchergar um começo era algo bom, não estava tudo tão ruim.

– não é por isso que eu tô triste, na verdade essa cobrança só me deixa irritado – deixou o prato de lado. – é que eu conheci uma pessoa –  desviou o contato visual, com medo da reação e julgamento.

– uma pessoa? filho, isso não é ruim, é ótimo! – ela sorriu mas se desfez quando o outro levantou o olhar, seu rosto estava brilhando tristeza, preocupação e agonia.

– essa pessoa é super complicada mãe – as lágrimas começaram a cair. – mas, é uma pessoa boa, uma pessoa boa que só não me ama de volta – finalizou, recebendo novamente o abraço da mais velha.

– eu conheço ela? – ela disse baixinho, não podia desviar sua curiosidade.

– conhece, ele – soltou de uma vez, sentiu a ausência dos braços da mulher. o rosto dela era indescritível, ele não sabia se deveria continuar lá ou se encarava de uma vez.

– uau, você – ela apontou para o filho.

– eu descobri que gosto, gosto de meninos e também de meninas – ele soluçou.

nunca havia se preparado para aquele momento, na verdade ele fugia em todas as suas oportunidades.

– mas eu tô apaixonado por um, um menino e isso não muda o fato de que eu também possa me apaixonar por meninas okay? – passou suas mãos pelos olhos.

– eu, não estava esperando – ela se afastou o fazendo sentir uma sensação de desgaste imensa, mas não demorou muito pra que voltasse.

– eu vou ter que ir embora de casa? – Pedro ainda chorava, mas eram lágrimas silenciosas.

– Que? de onde você tirou isso, você tá maluco garoto? – ela sorriu e abraçou o corpo do filho. – eu só fui digerir, você sabe… essas coisas são muito novas. – ela acariciou o cabelo dele. – Pedro, eu já passei por tantas coisas com você e sabe porque? porque eu amo você, eu te amei desde antes de saber seu rosto. – ela beijou a bochecha do filho.

– eu te amo mãe – ele agarrou o corpo dela.

O abraçou se cessou depois de alguns minutos, seu coração já estava mais calmo.

– só não conta pro pai tá? Acho que ele vai surtar comigo – ele voltou a se sentar e comer o bolo.

– combinado, segredo nosso – ela fingiu passar um zíper na boca. – tá bom mas me conta, quem é o vacilão que não te ama de volta, um menino bonito desse?

O moreno riu, parando pra lembrar de seus últimos momentos com o cacheado.

– é o João, sim, o dono do sobrenome mais rico da cidade – ele riu. – nós odiávamos um ao outro até que rolou, tínhamos um acordo pra não envolver sentimentos mas eu sempre fui mais intenso que ele. – mordeu os lábios tentando não chorar outra vez.

– eu deveria saber que isso aconteceria de novo, sempre foi ele né ? – a mulher disse fazendo o filho levantar a sombrancelha, com muitas perguntas para fazer.

– como assim, do que você tá falando? – o menino se sentou com as pernas dobradas no sofá.

– bom… quando nos mudamos de BH pra cá, você acabou se aproximando dele, junto com a Ana. – ela se sentou, encarando o filho. – seu pai achava ele estranho.

Começou a se lembrar brevemente dessa parte de sua infância, porque ele havia esquecido?

– quando esse menino estava com Ana, eles brincavam de boneca e era aquela coisa toda, você sabe, hoje as coisas mudaram.
mas um dia nós presenciamos algo que mudou tudo.

Conforme ela iria descrevendo, sua cabeça resgata de um lugar fundo e oco essas lembranças.

Julho, 2015 – eles tinham apenas 11 anos de idade. nessa idade que pessoas começam a sentir coisas, o famoso primeiro amor.

A lembrança era clara
João e Pedro andando de mãos dadas, eles contavam segredos um para o outro e se chamavam de namorados. Ninguém sabia, eles escondiam muito bem.
Até que um dia na casa da árvore de Ana, o cacheado tomou a iniciativa. Selou seus lábios com os de Pedro e juntos tiveram seu primeiro beijo.

Aquela lembrança se destruía e se bagunçava o levando no momento em que Ana dizia sobre João coisas muito cruéis.
Ela dizia que ele não queria alguém como Pedro por perto, e que eles eram muito diferentes.

– Ana acabou descobrindo vocês dois, ela contou para o seu Pai, ele rasgou o convite que João tinha te enviado e a pediu para que dissesse que ele não te convidou. – a mulher contava assistindo o olhar de choque de Pedro. – bom, ele não deixou mais João frequentar a casa da sua prima.

Aquilo tinha uma explicação, pelo trauma ele havia esquecido. Mas sempre foi João. Eles sempre se gostaram desde sempre. Seus olhos derramaram lágrimas grossas e cheias de vários sentimentos. Bons e ruins.

Se levantou e correu, não pensou duas vezes antes de se trancar e surtou.
surtou por todos os anos que perdeu, por toda dor que sentiu porque no fundo todo ódio que sentia de João, sempre foi amor.

Lábios de vinho - pejãoOnde histórias criam vida. Descubra agora