AMANHÃ

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Digitar aquela frase foi a coisa mais difícil que havia feito durante aqueles dias, queria que tudo fosse mais fácil, mas suas mãos tremiam toda vez que pensava em enfrentar seu pai. Entrou em contato com sua irmã escondido pela segunda vez, pedindo que ela cuidasse de Pedro e que ele fosse embora em segurança.

Tudo que tinha eram suas raízes, mas era tudo que não queria ser. Agora se arrumava para acompanhar seu pai na premiação de atores mais famosa da Itália, ele já sabia que o homem havia ganho como melhor ator, o que era uma ironia, já que seu personagem era bissexual e seu pai fingia o adorar.

Vestiu o casaco de penas da cor branca, suspirou encarando seu reflexo mais uma vez. Como alguém poderia acabar com tudo em tão pouco tempo? Ali estava ele, perdido, outra vez. E se ele não gostasse de si mesmo, e se ele for mesmo tão pequeno? Ele não queria precisar se desculpar ou se questionar, só queria viver quem era.

O caminho foi silencioso. Na noite anterior seu pai o trancou no quarto de hotel e foi calmo e ríspido. Ele não precisou levantar o tom de voz para o cacheado detectar a ameaça.

– você vai comigo na premiação, vamos ser pai e filho normais e felizes que se amam muito. E quando voltamos para o Brasil, eu vou procurar uma faculdade católica, eu quero te ver nos trilhos e eu sei que você não vai me desobedecer, não é?

Ele assentiu, o homem não tinha nada em mãos. Mas suas palavras giravam em seu cérebro como um moinho, que tritura todos os seus sonhos mais mesquinhos, reduzia suas ilusões a pó.
Sentia que do amor de Pedro, ele só havia herdado o cinismo. Cinismo de acreditar que seria forte como moreno, que sairiam da beira daquele abismo. Mas no fim, aquele era o abismo que havia cavado com seus pés.

Não pregou os olhos, não conseguiu escapar e muito menos ter coragem de apenas se deixar ir. Assistiu seu pai adormecer e seus pensamentos cochilaram. Agora voltava ao presente encarando seu reflexo no espelho.
Todas as cores pareciam nulas, ele odiava quem deveria ser, naquela noite.

Quase um ano de tantos sentimentos e sensações, tudo que queria era ter uma casa para voltar, uma casa de verdade.

Algumas horas se passaram

Subiu as escadas do palácio onde a premiação estava sendo realizada, junto de seu pai e dos outros três seguranças.

Houveram apresentações, discursos e pessoas se emocionaram. A imprensa brasileira estava presente para cobrir o evento, eles esbanjaram elogios ao romania mais velho.

Os olhos de João queriam se revirar quando seu pai subiu aos palcos como ganhador, e fazia seu discurso.

– senhoras e senhores, é com tamanha gratidão que represento meu país e a importância tão linda que esse personagem tem, um homem queer que não precisa de um par, ele é um super cara e reflete o quão o amor próprio importante para que possamos nos realizar – ele dizia olhando diretamente para frente, enquanto seu nome “Gustavo Romania” brilhava atrás de si.

O celular de João vibrou em seu bolso.

Caipira ♥️

Você não tá sozinho, tá?
Eu não vou desistir de você
Sei que é uma merda passar
Por esse momento. E que
Seja uma merda, mas você
Não vai passar por ela sem
O meu abraço.

Se quiser
Que eu fique longe, eu te entendo,
Mas eu nunca vou deixar de pensar
Em você, no tanto que me orgulho
No tanto que a sua força foi capaz
De mover nosso amor até os dias
De hoje, você é um cara gigante, sabia?
Eu amo a pessoa certa e sei disso,
O que for melhor pra você, eu irei
Respeitar. Vai doer como o inferno,
Mas nada como te ver bem.
Te amo, viva de verdade, eu sei
Que você pode.

Seus olhos ardiam enquanto seu dedo passava pela tela, assistindo da plateia.

– e estar mais um ano aqui, representando essa figura tão importante para uma comunidade tão importante – O discurso prevalecia, João tomou impulso de sua cadeira.

Ele se levantou e caminhou até o homem que estava de costas. Puxou o microfone de suas mãos, seus olhos brilhavam com os flashes que piscavam forte em sua face.

– vocês devem saber o meu nome – ele sorriu olhando para baixo, levantou seu olhar lembrando das palavras de Tófani. – mas eu não sabia quem eu era a um tempo atrás, por causa dessa cara – coçou a garganta e firmou seus olhos na direção de Gustavo, seu pai.

– eu sou um homem adulto, eu sou um artista e eu… – suspirou fechando os olhos – eu sou gay, meu pai nunca me deixou ser quem eu era e por mais que eu tentasse com toda a minha vontade ele nunca me deu voz.

– o que você tá fazendo? – o homem suspirava contra o filho.

– eu odeio quem você quer que eu seja, e se você me ama como diz na tv, como diz na imprensa, eu quero que você mostre aqui na frente de todo mundo – afirmou sua voz, levantando o tom. – pai eu sou esse cara, eu não quero mais viver os seus sonhos, eu tenho a minha própria vida e eu quero que se foda toda a sua vontade – soltou um riso em meio a fala.

Seu pai estava com as mãos no rosto, enquanto João mordia os lábios, voltou a se virar em direção aos flashes e luzes fortes.

– Pedro, tenho muitos arrependimentos
mas tirei da minha lista o de não dizer que sempre foi você – suspirou pesado em uma longa pausa. – eu sempre vou voltar, porque… eu aprendi a te amar nas minhas próprias condições, e essa é a pessoa que eu quero ser, a pessoa que você abraçou e ama. Me espera, quero te mostrar a Itália, meu amor.

Ele entregou o microfone de volta ao apresentador, desceu as escadas. Aquelas que gritavam se calaram.

Ele era o seu próprio amanhã.

Lábios de vinho - pejãoOnde histórias criam vida. Descubra agora