Amor nas Entrelinhas

Prólogo

Sinto a dor antes mesmo do soco de John acertar meu rosto. Consigo ouvir o som do choro de Amy daqui do meu quarto, mas também como eu não iria ouvir? Essa casa é tão pequena que ao mesmo tempo que tudo é visto e ouvido, tudo é mantido em silêncio e as escuras.

Eu sabia que não deveria ter ido com King, sabia que uma hora ele iria me pegar, eu só não entendo o porque. Durante todos esses anos eu tentei entender o porque, o porque de minha mãe, se é que posso chamá-la assim, sempre ver seu marido me agredindo e nunca fazer nada, sempre ver ele me olhar de maneira estranha e nunca fazer nada, olhar Amy, nossa garotinha, e nunca fazer nada.

As vezes eu penso que é por medo, as vezes eu penso que é por que ela não liga, mas eu sei que ela liga. Acho que depois de todo esse tempo ela simplesmente resolveu ignorar tudo isso, ignorar as agressões que ele comete contra nós, ignorar que tem uma filha de 5 anos que precisa dela, ignorar tudo isso.
Acho que eu também ignoraria tudo, mas nunca, em circunstância nenhuma, eu deixaria alguém fazer o que ele faz comigo, fazer com minhas filhas.

— Tá ouvindo sua puta? — John diz ao acertar outro soco no meu rosto, mas dessa vez eu não consigo pensar em nada do que está acontecendo.

Não consigo pensar no choro de Amy que cada vez fica mais alto e estridente, não consigo pensar em minha mãe que está na frente da televisão como se nada tivesse acontecido, não consigo pensar em John que continua me xingando e dizendo que eu sou uma prostituta que sai com os jogadores por dinheiro e fama. Eu não penso em nada disso.

Eu só penso no beijo doce que King me deu quando nós terminamos o filme. Só penso na maneira que ele me olhou, só penso em nós. Nessa única coisa boa que a vida me deu, depois da minha Amy, é claro.

E é com todos esses sentimentos conflitantes, com a dor dos socos sendo desferidos contra mim que eu simplesmente me desligo de tudo e deixo a escuridão me levar.