DOZE

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Dan estava no escritório e, enquanto resolvia seus negócios, um olhar meigo visitou sua mente.

Anelise!

Aquela jovem que era tão impulsiva, porém dócil para as pessoas que tinha apreço. No entanto, ele sabia que não fazia parte desse grupo de apreciados.

Tirou seus óculos, os repousou sobre a mesa e massageou as pálpebras. Sentia-se cansado. Precisava terminar aquela investigação sobre Anelise o quanto antes, mesmo que não fosse benéfica de nenhum jeito, pois de qualquer forma ela estava condenada.

Ele levantou da cadeira e seguiu até a sacada, de onde podia enxergar a grande paisagem noturna. Colocou as mãos no bolso e se lembrou do momento à tarde quando esteve perto da jovem, mas a voz de Adina os interrompeu e eles não tiveram mais nenhum momento a sós depois daquilo. Ele desejava a confiança de Lise, mesmo ela não estando disposta a conceder.

— Senhor, sou limitado, apesar de todo esse "poder" em minhas mãos, e Tu sabe que não posso libertá-la. O que será dessa jovem? — ele clamou.

Ainda permanecia no mesmo lugar quando a porta de sua sala foi aberta e Aurel entrou com um envelope nas mãos.

— Trouxe o que me pediu, senhor!

Dan pegou o envelope em mãos e abriu sem demora. Estava tudo lá. Anelise era realmente brasileira, órfã de pais e sem contato de nenhum familiar em sua ficha. Enquanto vivia no Brasil trabalhava num Instituto e estava realmente ali por causa de um intercâmbio. Com certeza a jovem não sabia, mas havia passado em uma faculdade pública para o curso de Inglês, que começaria no próximo semestre.

Em outro papel estava a filha real dos Clinford, Adelina, que era muito parecida com Anelise fisicamente. O mesmo cabelo cacheado e tom de pele, embora não tivesse o mesmo rosto delicado e olhos audaciosos, Dan constatou. Contudo, a jovem não se encontrava na Romênia, antes estudava na França.

Dan ficou com a respiração ofegante ao ir lendo todas aquelas informações. Foi tudo uma grande confusão. Narcís e seu desejo de poder, unido àqueles dois irmãos, condenaram uma menina inocente a uma vida de escravidão. Inferno!

— Marque uma reunião para dentro de uma hora. Quero todos do clã aqui! — Dan exigiu e voltou a sua mesa com a cabeça a mil.

Dentro do tempo estimado, 14 homens compareceram e se encontravam sentados ao redor de uma mesa oval de 6 cadeiras em cada lado, e duas no centro. Dan se sentava numa ponta e seu pai em outra. Seu primo Narcís estava presente, junto a todos os outros líderes de famílias poderosas que compunham o clã!

Dan sabia que sua autoridade dentro daquele clã era limitada pelas tradições. Na verdade, ele era o responsável por manter as tradições vivas e atuantes com mãos rígidas.

Ele contou a todos sobre a situação de Anelise e todo o erro cometido por seu primo, Narcís, que havia mandando sequestrar uma pessoa e fez isso errado. Os líderes ouviram e após toda a exposição dos fatos, seu pai, do outro lado da mesa, declarou:

— Dan, você sabe que a tradição diz que todos aqueles que uma vez são inseridos dentro do clã não podem mais sair, a não ser por pena de morte.

É claro que ele sabia. Esse maldita tradição ecoava há dias na mente dele.

— Espero que tenha entendido que ela não entrou por livre e espontânea vontade, mas por uma inconsequência. A menina tem toda uma vida pela frente — Dan declarou.

Sua postura estava firme por fora, mas temerosa por dentro, pela situação que a jovem se encontrava.

— Nossa lei é clara sobre isso. Não há chances para aqueles que uma vez entraram e fizeram parte de nós. Ela deve ficar aqui para sempre e se fugir sua sentença será a morte. — Um dos chefes de família disse, sem nenhuma piedade.

— Foi para isso que o escolhemos como KAFA, Dan! — O tio dele, senhor Ale, declarou. — Para fazer cumprir a lei.

— Mas isso não é justo. Uma jovem ser condenada para sempre a uma vida que não buscou. Ela desejava voltar para o país dela — Dan procurou apelar para a consciência daqueles homens, contando que Deus pudesse suavizar o espírito deles.

— Se a tradição for desobedecida uma só vez, o que será de nós diante dos outro clãs? Seremos os homens cuja piedade os enfraquece? — Um outro homem moreno e de bigode grisalho, por nome Ciprian, bateu na mesa exaltado.  — O que é essa menina para fazer com que quebremos a lei? Ela será mantida e se fugir morre!

Depois de tamanha exaltação, ninguém mais pronunciou nada. Narcís olhou para Dan com diversão, pois sabia que o espírito do primo era inclinado a misericórdia, e essa era uma fraqueza que deseja explorar. E nem tinha arrependimento de ter condenado uma inocente com aquele sequestro.

— Você é o KAFA, cumpra a tradição! — Narcís disse de maneira zombeteira e os demais o apoiaram.

Dan apenas olhava aqueles homens de faces duras e cruéis de forma pesarosa, percebendo como o homem sem Deus não pode ter nada de bom em si.

A reunião não se alongou mais. O decreto estava dado: Anelise ficaria para sempre ali.

O jovem líder assistia todos saírem do escritório, até ficar somente ele e o pai. O velho senhor, na cadeira de rodas, o pediu para se aproximar.

— Sei que deseja mudar isso, filho, porém o melhor modo de cuidar da vida dessa menina é mantê-la aqui — aconselhou. — Faça dessa casa o melhor lugar para ela, se desejar. — Então saiu, manobrando a cadeira, deixando Dan sozinho.

Que situação! Dan apoiou as mãos na mesa e inclinou o corpo para frente. Precisava ajustar os pensamentos antes de fazer alguma coisa. Buscando calma, chamou Grace e pediu um chá. Após um tempo, ele se sentou em sua mesa e a mulher o serviu. Ele agradeceu e antes que ela pudesse partir, Dan indagou:

— Anelise já jantou?

— Dan, ela não desceu para comer — Grace respondeu, o que causou um despertar nele.

— É comum ela não querer jantar? — Ele já foi se levantando devagar, estranhando o fato.

— Na verdade, não. É sempre muito pontual. Às vezes ela desce até antes para nós ajudar a preparar — Grace disse, pensando sobre isso. — A vi de tarde e ela falou que descansaria antes do jantar, disse estar se sentindo indisposta. Quando não apareceu para jantar, pensei que o sono a tivesse dominado.

— E foi até o quarto dela conferir? — Dan começou a andar para o lado de fora da sala.

— Não fui...

Grace não disse mais nada, pois o patrão sumiu da sala. Dan correu pelas escadas e chegou até o quarto de Anelise mas, para sua completa decepção, ela não estava mais lá. Chamou Aurel e informou a situação.

— Precisamos encontrá-la. Rápido! — exclamou de forma dura.

Eles procuraram por toda a casa, jardim, estufa, estábulo e tudo mais. Porém, nem sombra de Anelise.

— Não encontramos, senhor. Ela fugiu! — Aurel constatou o temor de Dan, tendo vários de seus colegas de profissão a suas costas.

— Como pode uma menina fugir em meio a tantos seguranças, hein? — indagou retoricamente para os seguranças, que abaixaram a fronte envergonhados, ao ver a face enfurecida do chefe.

Ele fechou o punho com força. Seu coração batia forte e seus pensamentos eram ágeis ao pensar no futuro da jovem.

— Sua tolice condenou você a morte, Anelise! Por que fez isso? — Dan disse para si mesmo.

— O que faremos, senhor?

— Entrem nos carros e a procurem por cada canto dessa cidade e a tragam pra mim viva. E façam isso rápido! — ordenou com sua voz imperiosa.

Dan seguiu para seu próprio carro sozinho e entrou. Ao dar partida com o automóvel em alta velocidade, falou:

— Que eu encontre você antes de qualquer outro, Anelise! É sua única chance.

*KAFA (Cabeça)

E agora como Anelise vai escapar de tudo isso?

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