Acordo respirando de maneira ofegante.
Meu corpo todo treme como se eu estivesse morrendo de frio.
Eu não sei NADA sobre meu estado atual, nem se estou de fato respirando ou se estou delirando.
Uma das coisas que eu menos esperava que aconteceria,aconteceu.
-Você pediu.
Uma voz grossa e de um tom rancoroso surge em meus ouvidos.
-Como é?
Finalmente percebo que por todo este tempo,estive chorando,sem motivo,ou talvez eu tivesse um que não me recordo.
-Você pediu. Todos os dias,me implorava para o nintendo explodir e você viver aqui para sempre. Eu te ouvi e você literalmente ignora este fato culpando um objeto inanimado.
-Eu NUNCA pedi pro nintendo explodir. -Disse com o ênfase em "nunca" para o ser que se comunicava comigo entender de fato meu argumento. -E outra,eu nem sei que porra você é. Como eu iria pedir algo?
Me levanto com os olhos fechados,mas lentamente abro-os com um pouco de dificuldade.
É um homem com cabelos longos roxos e um chapéu cumprido.
-Achei que a "Aurorinha" tinha falado de mim.
Junto as peças,mas pela minha própria surpresa,não fico em pânico.
É como se eu conversasse com Wizard todo dia.
-Ela disse.
-E então?
-Ela te odeia.
Wizard tem os olhos vermelhos,um semblante assustador de fato,mas algo nele me soa familiar.
-Eu sempre sou odiado sem motivo. Talvez por estar vivo?
-Se você é odiado sem motivo,por que mexe tanto no jogo?
O homem me olha com cuidado,um pouco de terror,mas ele parece me conhecer mais do que eu me conheço e conheço ele.
-O jogo nunca teve dono.
-E isso é justificativa pra você me fazer ir em TODOS os lugares que eu definitivamente não deveria ir?
-É pro seu bem.
-Pra quê?! Você sente tesão fazendo isso?! -Meu tom irônico é quase como desafiador,mas não tenho intenções de ser tão ousadê.
-Você sentia dor quando ia nas minas,certo? Seu corpo recebia todos os machucados que você sofria dentro do jogo na vida real. Por que o cheiro te assustou tanto?-Olho para baixo sem uma resposta definitiva,ele realmente me calou de uma forma estranha. -Eu sei o motivo Mey.
-Ah por favor,vai me dizer que sabe até meu RG agora?
-Você se importa apenas com os outros,não com você. Mas no final,todos são uma parte sua que você recusa assumir que tem. O cheiro te assustou pois a chance do nintendo desligar era enorme. Você não liga pros seus machucados,você só se importa em esquecer dele. Como você se sente em relação a isso?
-O quê?
-A morte do seu vô.
Pego a faca no meu bolso e vou até Wizard.
Minha sanidade se vai como se eu estivesse ligado o foda-se,apenas me importando em esfaquear o desgraçado com toda minha força.
Jogo o homem do chão,esfaqueando seu coração com toda a minha força.
O sangue dele se encontra em minha face,enquanto o mesmo só me olha sem reação.
Nenhuma expressão de medo contamina Wizard,que apenas me olha com o semblante mais tranquilo que já vi,me fazendo tomar conta de mim novamente.
Paro de colocar a faca no coração do mesmo,respirando ofegante enquanto tento não continuar com aquela atitude desesperada.
Wizard pega meu braço.
-Isso não vai trazer ele de volta.
Meus olhos nem se dão ao trabalho de reagir,me fazendo só começar a chorar enquanto meus dentes tremem.
É como se todas aquelas facadas tivessem se voltado contra mim.
Acho que por isso Wizard nem pensou em reagir quando eu comecei aquilo.
Meu completo pesadelo tinha voltado,por conta de uma frase insignificante.
Eu me odeio tanto por não esquecer disso mesmo com tantos dias aqui.
Ele tinha razão,eu não queria sair do jogo,nunca.
Eu não quero voltar pro mundo real e viver com minha familia de novo.
Eu não queria voltar de novo,eu não queria olhar aquela puta em forma de aranha de novo ou aquele merda sem orelha,eu não queria sair daqui.
O ÚNICO motivo que me faria sair seria o Hunter,e eu tenho certeza absoluta que pra ver ele,eu teria que ver meu pai ou minha mãe também.
Eu não estou bem,muito menos com cabeça pra sequer pensar num jeito de encontrar aqueles seres repugnantes sem querer visitar meu vô eternamente.
Ou eu morria no jogo,ou eu morria na vida real com a culpa pela morte do meu vô nas minhas costas e o nojo ao ver os olhos do meu pai me tocando novamente,enquanto minha mãe devia fazer algo.
-Me tranca aqui... -Estou implorando enquanto tento não demonstrar que estou em desespero por pensar que o nintendo poderia de fato explodir. -Por favor.
Wizard apenas me olha com uma mistura de susto com compreensão.
Ele sabia que eu não queria sair do jogo,mas não sabia que eu IMPLORARIA para ficar no jogo eternamente.
Wizard vê meu estado,mas não reclama da minha decisão.
O mesmo apenas concorda com a cabeça.
-Está bem. Mas você sabe que se você continuar jogando isso não vai te ajudar a...
-EU SEI! -Grito. -Eu sei.
-Então por que você quer continuar aqui?
-Eu consigo esquecer por um tempo.
-Mas não é para sempre,né?
Me calo novamente com lágrimas no olhar.
Eu sei que é verdade,mas talvez não fosse bom ouvir isso assim.
Sabe quando alguém comenta sobre algo que você prefere morrer do que comentar?
Como um término,uma amizade antiga ou até a morte de alguém.
Quando você sabe que você continua daquela forma que você começou,mas é tão ruim quando alguém chega e te fala.
Ok Wizard,eu sei que eu continuo a mesma porra de sempre,mas se você ficar repetindo é capaz da minha vontade de te esfaquear novamente volte. Eu fiquei com vontade de dizer isso,mas eu sabia que minha garganta com um nó não suportaria nem respirar direito.
Acho que aquilo nem precisou de resposta,então voltei com meu implorar.
—ME TRANCA AQUI LOGO! —Grito sem paciência.
—Mey,isso não vai ajudar em nada. Não pense que só te trancando aqui tudo vai ficar bem..
—Como?
—Eu sei que você quer se esquecer da morte de seu vô mas só se trancar em um jogo não seria a melhor chave...
—O QUE SERIA?! ME FALE!
—Você se ENTREGAR ao jogo. De maneira completa. Se sua consciência continuar no mundo real,você nunca vai poder de fato esquecer que seu vô não existe mais. A não ser que...
—O QUE?! O QUE EU PRECISO FAZER?!
—Entregar sua consciência para mim num ato indolor.
—Mas se eu entregar minha consciência,eu quando quiser,poderei voltar para o mundo real,certo? —Wizard coloca as duas mãos no rosto. —Wizard?
—Foi uma ideia banal correto? Você não vai aceitar.
—Isso significa que se eu entregar eu não vou retornar para o mundo real...
—Exatamente.
—M-mas... E o Hunter?! O que vai acontecer com ele se eu fizer isso?!
O dono dos olhos macabros se levanta como se o peso de meu corpo fosse o mesmo de uma pena,me fazendo olha-lo confusê.
—O Hunter vai continuar vivendo normalmente.
—NORMALMENTE?! —Vou até o mesmo com ódio no olhar. —SE EU NÃO SALVAR ELE,O MESMO NUNCA VAI VIVER NORMALMENTE! —Seguro a gola do homem. —ME FALA SE O HUNTER VAI FICAR BEM OU NÃO PORRA!
—Como você sabe o que é ficar bem sendo que você NUNCA ficou nem alegre em toda a sua vida,apenas com o jogo? —Arregalo os olhos olhando para a esquerda. —Está vendo? Nem você sabe o que é melhor para si. —Wizard segura meu rosto. —Aceite que é impossivel salvar aquela marionete agora...
Tiro a mão do homem empurrando o mesmo contra a parede.
—REPETE ISSO SEU CUZÃO!
Wizard não expressa nada,apenas me observando com um ar vitorioso.
—Ok,se ele não é uma marionete,o que ele estava fazendo enquanto você quase vomitava todas as noites? Ah não,outra pergunta banal já que está nítido que suas cordinhas nunca permitiriam que o mesmo SEQUER PENSASSE que não era filho único! Ou será que sua existência era tão insignificante pro garoto que nem pensou em ajudar mesmo sem cordinhas?! —Levanto a faca respirando ofegante. —Quer matar algo que não existe ou só está se recusando a aceitar que você nunca teve ninguém?! Aliás teve sim,mas essa pessoa está apodrecendo a baixo do chão sem vida neste exato momento,e eu vou ser bem claro Mey. —Wizard se abaixa para sussurrar em meu ouvido. —Você não pode fazer NADA diante a morte de alguém. É inútil você continuar na vida real.—Ele estende o braço para um aperto de mão.—Toda essa dependência mentira,pressão,timidez,raiva,dor,depressão,fadiga,auto cobrança,vicio,medo e vontade de visitar seu vô eternamente vai ir embora. É só aceitar ficar para sempre jogando e jogando. Você só precisa apertar minha mão.
Tudo que Wizard tinha dito para mim estava tão empregado em minha cabeça que apenas estava tentando raciocinar qual seria minha atitude dali em diante.
Alguém comum recusaria a proposta,mas e se você não aguentasse mais a vida real ao ponto de sentir que nada poderia te fazer voltar para aquele lugar?
A vida real me apresentou a morte,a dor,e aqui me apresentou o minimo que minha familia nem se preocupou em fazer.
Eu estava em certo ponto pensando em recusar de fato,pelo Hunter,mas será que valia a pena me sacrificar novamente por ele?
Talvez eu não fosse tão importante pro mesmo assim,talvez nada do que eu fiz fez de fato minha existência ser no minimo importante pra porra daquela familia que nem ligava pros gritos de desespero.
Talvez o jogo fosse de fato minha única chance de parar de pensar que meu vô não está aqui comigo sendo que ele era minha única motivação em continuar aqui.
Talvez eu não merecesse viver sem meu vô.
E eu com certeza não mereço passar por toda aquela merda novamente.
Eu olhei Wizard,me recompus e esperando pelo melhor,eu me aproximei,assim apertando vossa mão.
Vai se fuder mundo real.
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SEMPRE VALLEY
Fanfiction"Sempre Valley" é uma narrativa que mergulha profundamente no universo de Mey, um jovem que herda um Nintendo do seu avô após a sua morte. Diante do luto e da dificuldade em lidar com a perda, Mey encontra uma fuga para fugir da realidade: o mundo...