CAP 20: Harvey, o vicio.

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Meus olhos estavam tão embaçados que eu só sentia alguém me segurando fortemente para me manter vivo.
Eu sabia quem era. Era Mey.
Nunca vi tanta insistência em alguém para me ajudar.
Eu teria desistido de um drogado como eu na primeira oportunidade, um médico sem razão nenhuma pra parar com esse vicio que te contamina.
A vida de um cara que não aguenta mais ser tão ridicularizado por um simples sonho, ser piloto.
Tudo por conta de falar idiotas.
"Seu primo já é um médico".
"Seu primo já se formou em medicina".
"Você deveria ser como seu primo".
O nome do meu primo não vem na minha mente agora, pois depois de tanto tempo se drogando eu esqueci como de fato era minha vida antes do cheiro de maconha saindo das minhas narinas.
Ele era bem sucedido, tinha tudo na mão e meus pais tinham orgulho de serem tios dele, mas nunca de mim.
Eu não ligava pro meu primo perfeitinho, mas meus pais queriam tanto um filho que fosse bem sucedido que eu não vi outra escolha a não ser virar um robô que faz tudo que é mandado.
Eu estudava, mais e mais, para ser melhor que meu primo.
Eu estudava até meu coração parar.
Até meus pais FINALMENTE chegassem em mim e falassem que eu sou suficiente.
Até esse vicio em ser melhor parasse.
Mas, numa festa, tudo mudou.

Eu já tinha me formado em medicina, tudo estava bem tirando minha vontade de fazer uma cirurgia tão arriscada mas tão arriscada que fizesse meus pais sentirem orgulho de mim e não do meu primo.
Minha exaustão era tão enorme que eu procurava ajuda em novos meios de todos os jeitos.
Até que um currículo pousou em minha mesa.
Era o de Maru, uma cientista muito boa.
Eu contratei ela com 2 segundos e antes que eu visse, ela estava sozinha na Clinica enquanto eu estava numa festa para esquecer meus problemas como um covarde.
A música fazia o chão tremer, o cheiro  estranho era visivel e vários copos com álcool  eram jogados no chão.
O Vale do Orvalho sempre foi um lugar calmo, mas naquele dia em especifico, era uma festa tão desgovernada que prometia grávidas.
Eu nunca entendi o motivo de tanta festança naquele dia, mas acho que era por mim. Para encontrar aquele homem com um olhar descarado e uma blusa com bilhões de bolsos.
Tudo estava normal para mim, até que este homem vem em minha direção.
Certo, um pouco de contexto sobre como EU fui educado.
"Nada de drogas".
"Nada de álcool".
"Nada de gravidez indesejada".
Então eu SABIA o que era errado ou não.
Eu tinha noção que um simples "Desculpe moço, eu não quero" resolveria tudo.
Mas eu não era mais o Harvey com medo da sombra, eu era o Harvey errado que só queria parar com tanto desprezo na vida.
Não era mais sobre meu primo, meus pais ou até a minha comparação.
Era sobre MIM, sobre o vicio que eu teria que carregar por aceitar aquela droga.
O homem me olhava como se soubesse o tanto que eu queria recusar aquilo, mas ele continuava ali na esperança.
Na minha vida toda eu acreditei que quando oferecessem drogas pra gente, a música pararia, a droga virasse um monstro e a pessoa que oferecesse virasse o próprio satã em questão de segundos.
Mas nada.
Nada mudou.
Tudo que mudou foi minha expressão, apenas ela.
Passou de uma exaustão para um sentimento de liberdade com medo em alguns segundos.
Eu encarava a sacola com um pó branco enquanto suava frio.
Finalmente eu respirei fundo e olhei o homem, pronto para recusar, mas o meu maior erro foi olha-lo.
Era meu primo.
Era meu primo entregando a cocaina para mim com um olhar tão devastado quanto o meu.
Eu me comparei com ele e tentei sem melhor que o mesmo quase minha vida inteira, para chegar no momento mais decisivo da minha vida e ELE estar pior que EU?!
—Saimon...? —O nome dele recuava na minha cabeça como o toque de um alarme de incêndio.
—Harvey! Oi primo!
Ele parecia feliz.
Péssimo em questões de condição mas, feliz.
Até quase morrendo de tanto se drogar Simon era feliz, coisa que eu nunca fui depois de anos me comparando com ele.
—O que está fazendo com isso na mão?
Simon com seus cabelos mel olha para a droga e dá um sorriso fraco.
—Eu não estou no melhor momento da minha vida, mas posso garantir que isso ajuda! A minha tia e minha mãe não estão aqui para ajudarem a gente nessas coisas, mas isso está!
—E você não é mais médico?! Desde quando usa isso?!
—Desde sempre Harvey. Minha mãe nunca desconfiou por achar que o filho perfeito nunca usaria o dinheiro de médico pra comprar drogas, mas pode ter certeza que ela não me conhece mais.
Meu choque era enorme.
A vida, meus pais, todos a minha volta me compararam com alguém que usa todas as drogas que pode hoje em dia?!
—Simon, mas a sua mãe.. —Meu olhar ficou irritado. —A minha vida foi só reclamações por eu não ser digno como você!
—Eu sei disso. —Ele segura minha mão. —Por isso eu sei que você está tão exausto quanto eu! Isso vai te ajudar Harvey! Você não vai mais precisar ser tão necessitado de aprovação. Vai ser você com você! Eu faço até de graça pra você meu amigo, mas por favor, para de ser o coitado de sempre! 
Eu não via o satã ali, eu via um familiar meu, um homem que eu conhecia desde sempre.
Se ele está falando que salva, por que eu apenas não acredito nele?
O Simon foi perfeito na vida inteira dele, se ele mudou de rumo pode ser por conta disso.
Eu poderia finalmente ser melhor, melhor para mim.
Olhei para Simon que me olhava com um sorriso gentil, aquele sorriso de quem nunca faria mal pra você.
Eu fui um otário em acreditar naquele sorriso.
O cheiro contaminava minhas narinas e eu não conseguia parar.
Eu usava e usava, tanto que no mesmo dia usei maconha e cocaina.
Tudo com a presença do meu primo.

No dia que eu fumei tanto ao ponto de ficar chapado e me levarem no hospital, Saimon que me levou de volta para casa, e pelo meu choque, ele tinha parado de usar aquelas coisas.
Eu chorei o trajeto inteiro para casa.
Ele tinha superado aquilo, eu não.
Minha vida virou um vicio e eu que me comparava com ele, não minha familia.
Toda a minha trajetória até aqui foi a base de drogas que eu consumia.
Até que chegou hoje. O dia que eu explodi.
Se eu não era capaz nem de me livrar disso, eu não merecia estar vivo.
Eu não merecia essa Clinica, eu não merecia perdão.
A vida não fazia mais sentido pra mim.
Eu queria morrer pela coisa que me fez sentir vivo por alguns segundos, a droga.
A morte seria a única forma de me fazer sair disso, eu só queria morrer e parar de usar tudo isso.
Eu me sinto tão culpado por pensar que aquilo me salvaria.
A minha vida foi um sentimento cruel de vicio que me contamina até hoje.
Foi por isso que coloquei todos aqueles remédios na boca, eu só queria uma morte fácil, de acesso.
Mas antes que eu caisse no chão, a porta foi arrombada.
Mey entrou no meu quarto chorando de desespero enquanto eu fazia de tudo para não chorar mais, mas não aguentei.
Ver que Mey quebrou uma porta para me salvar e ainda gritava desesperadamente para me ajudar mesmo eu dificultando tudo me fez chorar como nunca.
Eu não merecia aquela ajuda mas Mey fez mesmo sabendo que eu não merecia.
Eu não merecia viver.
Mas Mey acreditou que eu merecia.
Eu não acreditava.
O vicio em ser melhor, o vicio em algo que não te faz bem e até pode te prejudicar no futuro como me prejudica, me fez não me achar merecedor de nenhuma ajuda.
Eu não sirvo para ser salvo.
Um vicio como eu não merece ser salvo.
Mas saber que alguém acredita nisso, me faz pensar que só talvez eu pudesse ser.
Não totalmente, mas...só talvez.

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