Capítulo 36

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Rafaela Narrando

Quarta-Feira 18:39

Empurro a porta de casa com o corpo devido as mãos cheias de sacola. Hoje estava um clima gostosinho pra ficar em baixo das cobertas assistindo filme. Tess ia pegar o turno da noite hoje e eu não queria ficar sozinha. Mesmo com Andrielli passando os dias aqui em casa eu me sentia sozinha as vezes. 

__ Titia - Isadora pula do sofá pra me abraçar assim que adentro a casa

__ A tia sou Isa - Pietra resmunga sentada no sofá - Ela você pode chamar madrasta ou boadrasta - Ela diz baixo para que só eu escute

__ Oi amor - Me abaixo na sua altura para deixar um beijo em sua bochecha e mando cara feia pra Pietra - A tia trouxe doritos e coca-cola pra você, mas só depois que comer sua sopa ouviu?

Ela comemora e eu caminho até o fogão despejando uma sopa caseira que eu tinha comprado da dona Bete que fazia uma comidinha caseira maravilhosa, porque se depender de mim, ninguém janta comida nessa casa.

__ Sopa essas horas Rafaela? - Pietra olha a sopa de verduras com cara de nojo

__ Na sua casa ela vive de que? Não vai me dizer que ela só come besteira - Indago pegando um pratinho infantil que ela passou a ter aqui em casa e despejo uma pequena quantidade dentro

__ Dona Lourdes deve dar alguma coisa decente pra ela - Ela dá de ombros - Já tentei da fruta mais ela não curte muito

__ Ela tem só 4 anos Pietra, precisa comer verduras e você tem que insistir se não é claro que ela não come - Coloco o pratinho dela em cima da mesa e arrumo uma almofada em baixo dela pra que ela fique da altura da mesa - Come tudinho ouviu? Se não, não ganha a sobremesa

Ela começa a comer a sopa distraída enquanto assistia Frozen pelo tablet, e não demora muito até que ela tenha terminado a refeição. Pietra olhava a sobrinha comer e em sua face continha uma expressão de espanto

__ Que bruxaria tu fez com essa menina em Rafaela? Ela é um porre pra comer - Ela diz retirando o prato vazio da frente da sobrinha e levando até a pia - Tu é um anjo mulher, se meu irmão nao casar com você, eu caso - Dou risada da sua fala

__ Vou tomar um banho - Aviso me dirigindo ao quarto - Vai cortando os frios e coloca nos potinhos, arruma tudo que eu já volto pra assistir o filme

A Isadora passou a frequentar minha casa com frequencia e eu já corri comprar as coisinhas dela pra deixar em casa. Eu gostava dela de verdade, e era perceptível o carinho que ela também sentia por mim. Nossa conexão foi crescendo aos pouquinhos. O pai dela já não pega mais no meu pé e eu ando bem confortável passeando na cama dele vez ou outra, assim como na do primo dele.

__ Vamos assistir o que? 

__ Mulher-Maravilha - Isadora vibra com a menção da personagem

__ Ai credo - Pietra faz careta - Prefiro 50 tons de cinza

__ Tem criança em casa Pietra - Eu a lembro

Passo pelo quarto da Tess notando a porta entre aberta. Coloco a cabeça pra dentro vendo Andrielli chorando em cima da cama.

__ Tu comeu hoje? - Me aproximo dela que me ignora e permanece chorando. Seu rosto que costumava ser cheinho está bem fino - Sabe que não pode chorar pra sempre, não é?

__ E você sugere que eu faça o que Rafa? - Ela diz entre o choro

Eu tinha pena dela. Depois do barraco todo que a Tatiana aprontou com a menina, como se não bastasse, ela ainda foi fazer barraco na porta da casa dela, e como a mãe dela é crente bem rigorosa expulsou a filha de casa.

Ela tinha só 16 anos e não tinha onde morar, então eu e Tess trouxemos ela aqui. Achei um absurdo o que a Tatiana fez. Andrielli jurou de pé junto que nunca ficou com a marido da outra, mas ele insistia em mandar mensagem pra ela e ficar de perseguição pra cima da menina. Eu acredito nela, até porque uma menina de 16 anos não vai querer nada além de dinheiro de um cara horrível de 43 anos, que tinha idade pra ser pai dela. Andrielli deu uma virada na vida dela, a mãe sempre prendeu e não deixava ela ter a liberdade dela, e chegou um tempo que ela já não obedecia a mãe e começou sair pra baile, mas ela era uma menina direita. Não dava moral pra cara casado e muito menos ligava pra dinheiro, ela só queria se divertir mesmo, mas infelizmente deu no que deu e agora ela está sem ter onde morar.

__ Eu sugiro que você levante e vai tentar arrumar sua vida - Me sento ao lado dela - Eu e a Tess podemos te dar abrigo, mas não podemos resolver a sua vida pra você - Toco sua mão gentilmente, não quero ser invasiva nem nada mas to vendo que ela precisa de um conselho - Volta pra escola, tenta arrumar um emprego por aqui, mês que vem tu já faz 17 e logo chega 18. Ergue sua cabeça que tu não ta no erro. Deixa sua mãe pra lá, logo ela cai na real e vai ver a mulher forte que vai se tornar

Ela não diz mais nada e eu também não insisto, deixo pra Tess conversar com ela porquê ela era mais próxima dela e levava mais jeito com as palavras do que eu.

Entro no meu quarto tirando o vestido de mangas longas e a sandália dos pés, escolhendo um pijama confortável. Meu celular vibra em cima do criado mudo e eu me assusto assim que bato meus olhos na mensagem que havia acabado de chegar.

Desconhecido 19:03 //  Achou que ia se livrar de mim? Não vejo a hora de ter tu nas minhas mãos de novo

Meu coração erra uma batida, minhas mãos ficam tremulas e meu celular cai no chão fazendo um alto barulho. Preciso me sentar para evitar cair junto com o celular.

__ Que barulho foi esse? - Pietra aparece na porta junto com a Isadora - Tu ta pálida mulher, aconteceu algo?

Tento da melhor maneira disfarçar o quão afetada eu estava. Mantenho um sorriso disfarçado no rosto e seguro com força o acolchoado da cama

__ Não foi nada, acabei derrubando o celular - Lanço um olhar pra Isa que me olhava curiosa - Vai lá pra a sala com a Tia Pietra que a tia Rafa já vai ta bom?

Assim que elas me deixam a sós eu corro até o banheiro terminando de me despir e entro em baixo do chuveiro. Ligo o jato no máximo e na temperatura fria. Mesmo com o clima frio meu corpo parecia estar em erupção. 

Só podia ser ele. Vandal tinha me achado e eu não sei como ele pode ter descoberto o meu número. Eu me negava a acreditar mas no fundo da minha alma estava lá, a certeza martelando indicando que só podia ser ele.

Sinto ás lágrimas quentes escorrer pelo meu rosto, minha respiração acelera, a língua prende dentro da boca e a angústia dentro do meu peito é tão grande que preciso me sentar no cão e encostar na parede fria para me conter.

Eu não quero voltar para o inferno que eu passei nas mãos do Vandal. Eu amo morar aqui no morro eu cresci aqui, nasci aqui. Mas eu faria qualquer coisa pra ir embora daqui e nunca mais voltar se o preço fosse me ver livre do Vanderson.

Ele fodeu a minha vida de uma maneira inexplicável, ele se achava meu dono, queria ter total controle em cima de mim. Ele era um monstro sem amor ao próximo, me tratava igual lixo. Eu implorei diversas vezes pra Deus me levar, porquê eu não suportava mais viver nesse inferno.

Nesses 7 meses que estou livre dele eu pude sentir o prazer de ser dona de mim mesma. Ter minha vida, minha liberdade, aproveitar a noite e dormir tranquila, sem medo do escurecer sabendo que ele não chegaria em casa e me bateria ou me estupraria, porque era isso que ele fazia comigo.

Não sei quanto tempo eu fiquei ali sozinha, chorando no chão frio, mas voltei a mim quando escutei batidinhas suaves na porta e um "tia, o filme vai começar" do lado de fora, e o meu coração foi se acalmando aos poucos.

Um passo de cada vez eu disse a mim mesma. Eu já cheguei até aqui e não vai ser agora que eu vou desistir.

Doce Perdição ( MORRO )Onde histórias criam vida. Descubra agora