A história em terceira pessoa

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Enquanto tomávamos um café, mostrei a Maraisa a pasta onde eu guardava todas as informações que o investigador me fornecera sobre as duas adoções. Eu não queria que ela tivesse dúvida alguma sobre a situação. Também decidimos que ela passaria um tempo na minha casa sob o disfarce de ser minha amiga. Como Noah já a tinha visto antes, essa história funcionava bem. Ele provavelmente já havia deduzido que ela era uma amiga minha. Fazia sentido continuar com esse pretexto.

Ela visitara duas vezes nas duas semanas após a conversa que tivemos em meu carro. Em cada vez, tentou se conectar com Noah falando sobre animes e mangás, trazendo algumas novas revistas em quadrinhos que eu confirmara que ele ainda não tinha. Ela também mostrou a ele fotos da vez em que fora à convenção de animes quando estava na faculdade. Fiquei aliviada por vê-la lidando tão bem com tudo, e ainda mais aliviada por não ter mais que esconder algo tão importante assim dela.

Mesmo que ainda se recusasse a falar, Noah parecia estar com um humor melhor, aparentemente mais engajado e passando mais tempo à mesa de jantar antes de voltar com pressa para seu quarto.

Decidi contar a Maria a verdade sobre tudo, sabendo que ela veria Maraisa em casa e poderia tirar uma conclusão errada sobre nós mais uma vez. Ela ficou chocada, para dizer o mínimo, mas apoiou a ideia de Maraisa conhecer Noah melhor antes de darmos a noticia a ele.

Em uma noite de sexta-feira, Maraisa juntou-se a nós para o jantar, sua terceira visita desde que soube da verdade. Maria havia feito frango e couve-de-bruxelas assada. Insisti que ela se sentasse conosco, o que ela fazia ocasionalmente quando não tinha planos com Bob. Eu sabia que ela aceitaria a minha oferta naquela noite, porque estava muito curiosa sobre Maraisa desde que descobrira quem ela era.

Maria e Maraisa conduziram a conversa durante a maior parte do jantar, enquanto Noah e eu permanecemos quietos, embora eu tenha notado que ele estava prestando atenção ao que elas estavam dizendo. Maria falou sobre sua última viagem a Nova Orleans, e Maraisa parecia particularmente interessada em suas histórias sobre os locais que visitara.

Então, de alguma maneira, a conversa mudou para um novo assunto, sobre traços físicos incomuns. Maria percebeu que ela tinha os olhos de cores diferentes, coisa que eu não havia notado. Era uma diferença bem sutil, mas, quando ela apontou, pude ver bem.

— Ganhei de você, eu acho — Maraisa disse. — Tenho dedos siameses no pé.

— O que são dedos siameses? — perguntei.

— É quando dois dos seus dedos dos pés são grudados um no outro. Me incomodava quando eu era mais nova, mas aprendi a gostar.

— Acho que o termo para isso é sindactilia — Maria disse.

Sorri.

— Eu tenho que ver isso.

— Bem, eu tiraria o meu sapato, mas não é algo exatamente apropriado para se fazer à mesa de jantar — Maraisa falou.

— Eu tenho dedos siameses.

Soltei meu garfo. Quem disse isso?

Nós três viramos para Noah ao mesmo tempo.

Foi como se o próprio Deus tivesse falado conosco.

Maraisa olhou para mim, depois de volta para ele.

— É mesmo? Nunca conheci mais ninguém que tivesse.

Ele assentiu.

— Isso é tão legal — ela respondeu, parecendo tão agitada quanto eu me sentia.

Ficamos ali, paralisadas.. Eu sabia que, se comentasse, Noah poderia recuar, então tentei agir indiferente. Mas, por dentro, eu estava em êxtase.

— Eu não sabia disso sobre você, Noah — eu disse. — Acho que não olhei com muita atenção para os seus pés.

M. Mendonça | G!POnde histórias criam vida. Descubra agora