33. Sienna Depõe!

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Tobias Bernstorf

Sob o caloroso sol da manhã, percorro as ruas com um sorriso ansioso pintado no rosto. A noite passada na casa da Nihara foi incrível, e a ideia do dia que temos pela frente enche-me de alegria. Hoje, finalmente vou surpreendê-la com o piquenique que planejo há tempos. A antecipação dentro de mim é palpável, uma mistura de empolgação e carinho que mal posso conter.

Lembro de ler no seu diário que ela sempre quis, fazer algo assim, mas nunca teve oportunidade, portanto ela amará. Quem sabe não é hoje que ela dirá as palavras que tanto anseio ouvi-la dizer.

Ao chegar em casa, a minha energia se transforma em ação. Pego as cestas de comida que a Nana preparou com tanto esmero, visualizando a expressão dela ao descobrir essa surpresa. Os meus irmãos mais novos e a minha filha estão igualmente empolgados, prontos para se juntarem a nós nesse momento especial. Finalmente a Sophie vai poder conhecer oficialmente, a sua futura mamãe, dizer esta frase deixa-me com o coração aquecido e um sorriso bobo.

Mas a tranquilidade logo é interrompida pelo som insistente do meu telefone, retiro-o do bolso e o nome de Sienna brilha na tela, respiro fundo e segundo depois atendo. O seu tom urgente faz-me arrepiar, ela diz que está a ir à esquadra de polícia dar o seu depoimento relacionado ao que ela sobre o assassinato do meu irmão. E confessa que teme por sua segurança. A preocupação dela é notável, e é como se o passado estivesse a ressurgir diante de mim.

A suas palavras ressoam na minha mente, ela havia-me contado tudo o que sofreu nas mãos do seu ex, e que infelizmente terminar o nosso noivado foi a única forma de proteger-me, apesar de que a tragédia não foi evitada. Pensar nisso mexe comigo de maneira inesperada, e sem hesitar, prometo estar ao seu lado nesse momento angustiante.

Embora a minha mente esteja tomada por esse assunto repentino, não posso deixar de estar angustiado ao pensar em Nihara. Ela estará a esperar por mim, pronta para um dia que planejei com tanto carinho. No entanto, a responsabilidade que sinto em relação a Sienna parece ainda mais forte, considerando nosso passado compartilhado e a necessidade dela por apoio.

— Hermann, vou ter que sair agora. Peça ao Ibranov, para levá-los até ao parque e depois ir a busca da Nihara. Por favor, prepare tudo, estarei lá em uma hora.

— Aonde você vai? Aconteceu alguma coisa?

— Faça o que lhe pedi, depois explico melhor.

Peço desculpas aos meus irmãos e a minha filha, pela mudança de planos enquanto parto apressadamente. A cena do piquenique que imaginei com tanta emoção terá de esperar enquanto me dirijo a delegacia.

***

No ambiente austero da sala de depoimento, Sienna se senta, as suas mãos trêmulas buscando um apoio invisível. Os seus olhos encontram os meus através do vidro, eu posso vê-la, mas ela mesmo não podendo ver-me, sabe que estou aqui, a dar o meio apoio, independente de como as coisas terminaram entre nós.

— Por favor, conte-nos sobre o seu relacionamento com Jordan Kross — o delegado Lawson, conduz o depoimento com uma seriedade que reflete a gravidade da situação.

Sienna respira fundo, a sua voz vacilando no início, mas se fortalecendo à medida que ela compartilha a história de um relacionamento que começou como um conto de fadas e se transformou num pesadelo. Ela descreve o carisma inicial de Jordan, a sua atenção apaixonada e como eles mergulharam num amor que parecia ser tudo o que ela sempre quis. Mas logo os ciúmes excessivos emergiram, transformando a sua relação em algo tóxico e assustador.

Lentamente, Sienna relata os momentos de controle e possessividade que ela vivenciou. As proibições de sair, as mensagens constantes exigindo saber a sua localização, as explosões de raiva sem motivo aparente. Aos poucos, o amor transformou-se em medo, e ela viu-se encurralada por um homem que não conseguia aceitar o fim do relacionamento.

À medida que a sua narrativa avança, um silêncio pesado parece pairar sobre a sala. Sienna descreve os meses angustiantes em que Jordan a perseguiu, apesar das suas tentativas desesperadas de se afastar. O delegado, abre a garrafa com água e entrega a ela, que bebe o líquido, tremula, as lágrimas se misturando às gotículas que caem sobre a sua blusa. Vê-la assim, doí-me. O homem faz perguntas sobre as ameaças que ele fez, sobre as suas tentativas de chantageá-la para que voltasse a ficar com ele. Ela relata cada detalhe com uma honestidade crua, expondo as cicatrizes emocionais que ele deixou.

Então, ela chega ao momento ainda mais sombrio da sua história. Os seus olhos enchem-se de lágrimas novamente enquanto ela relembra o acidente que atingiu o meu irmão, Simon. Ela revela como Jordan acreditava que feria a mim, e assim o caminho estaria livre para ele, e a forçaria a voltar. A sala fica imersa num silêncio doloroso enquanto ela conta essa parte da história, a sua voz quebrada pela dor que ela carrega.

— Tobias — ela volta a encarar-me pelo vidro. — Eu nunca quis que nada disso acontecesse, eu daria a minha vida se pudesse para evitar tamanho sofrimento. Ele cometeu assassinato, como eu poderia ficar depois disso? Perdoa-me.

Do outro lado da sala, os meus punhos involuntariamente se fecham. A magnitude da crueldade que ela enfrentou atinge-me de maneira avassaladora. Lembro do nosso último encontro no restaurante, as palavras duras que ela dividia naquele momento. Agora, olhando para a mulher, a minha frente, a sua vulnerabilidade evidente, sinto uma onda de compaixão, culpa e fúria.

Uma Sienna assustada, emotiva e frágil se revela diante de mim, pedindo a compreensão que eu não oferecera quando nos reencontramos. Pensamentos invadem a minha mente, questionando se eu poderia ter sido mais empático, se deveria ter tentado entender o que ela passava antes de julgá-la tão duramente.

— Muito bem, senhora Sienna, agradecemos pelo seu depoimento, não saia da cidade, enquanto investigamos a veracidade da sua história. Dois policiais vão fazer a sua guarda durante o dia, qualquer situação que aconteça não hesite em ligar — ela assente, ao levantar e andar até a saída.

Concordo em levá-la de volta ao modesto hotel onde está hospedada, sob o olhar atento dos policiais que nos seguem. O trajeto até lá parece uma eternidade, o silêncio denso entre nós pairando no carro. Adentramos o quarto simples, e o espaço compacto parece reforçar a complexidade das emoções presentes.

Os meus olhos percorrem o quarto, evitando o contacto visual direto com ela. O desconforto que sinto é evidente, uma mistura de compaixão e da consciência do que a minha presença aqui pode ser mal interpretada por ela.

Sienna quebra o silêncio, a sua voz trêmula enquanto ela expressa a sua gratidão por meu apoio. A suas palavras pairam no ar, pesadas e cheias de significado. Percebo que, apesar de tudo o que compartilhamos, esta é uma situação delicada que exige sensibilidade e limites claros.

Tento encontrar as palavras certas para responder, para declarar a minha preocupação e empatia genuínas sem cruzar linhas que não devem ser ultrapassadas. As minhas palavras saem hesitantes, mas honestas, reforçando que estou aqui para apoiá-la, mas também reconhecendo o contexto complexo da nossa interação.

Finalmente, um suspiro alivia a tensão que se acumulou entre nós. Levanto-me, percebendo que é hora de partir. Sienna se aproxima, toca o meu rosto delicadamente antes de beijá-lo e agradece-me novamente, os seus olhos transmitindo uma mistura de gratidão e algo mais profundo, algo que não ousamos nomear.

A porta do quarto se fecha atrás de mim, e enquanto caminho pelo corredor do hotel, a minha mente é uma confusão de pensamentos. O que aconteceu entre nós, o passado que compartilhamos, a escolha que fiz de estar aqui – tudo isso se mistura numa bagunça emocional que eu não consigo decifrar completamente. No fundo, sinto uma angústia silenciosa, uma noção crescente de que essa aproximação teve um impacto profundo que talvez eu só comece a entender com o tempo.


Será que Nihara vai entender Tobias tê-la deixando para ir atrás da ex-namorada?

Você o que faria no lugar dela, ou dele? Me conte aí. 

NÃO POSSO TE AMAR [Revisando]Onde histórias criam vida. Descubra agora