Duas Malas

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Pov. Theo

Depois da discussão vi minha mãe ajudando Boris a fazer as malas, duas malas de viagem abertas em cima da cama dele, ela dobrando as roupas e ele jogando elas amaçadas dentro da mala, ele estava revoltado e fazendo o possível para não chorar, eu nunca vi ele assim, ele sempre pareceu tão forte, ele estava especialmente magoado, como uma mistura de sentimentos que ele nem conseguia expressar, a linguagem corporal confusa e agitada, o clima na casa toda ficou pesado, silêncio mortal, ninguém falava nada, só ruídos e inspirações pesadas.

Fiquei parado na porta vendo, era como se eu estivesse vendo tudo de fora do meu corpo, como se fosse um filme ou algo acontecendo com outras pessoas mas não com nós, na nossa casa, não parecia real o modo como as coisas desandaram tão rápido e por minha culpa, a sensação de angústia não me deixou um minuto, tudo estava bem e agora ele tem que ir embora por minha culpa.

Minha mãe saiu do quarto em algum momento que eu nem percebi, eu estava sem foco nenhum, tudo parecia bagunçado e errado, mas ainda não tinha me caído a ficha de que tudo era real até ver Boris sentado no chão do quarto com as duas malas fechadas uma em cima da outra e seu guarda-roupas aberto sem nenhuma roupa pendurada além de uma camiseta preta escrito "never summer" em letras góticas brancas, me veio na memória na hora que era a mesma de quando nos conhecemos.

Empurrei as malas e sentei do lado dele, nós só ficamos em silêncio por um bom tempo, não sei quanto tempo passou mas pareceram horas, na realidade deve ter sido só uns minutos, mas em meio a aquele silêncio mortal que abafava o desespero da casa, segundos pareciam muito maiores e os minutos uma eternidade. Eu decidi quebrar o silêncio:

-"O que está acontecendo?"

-"Eu não sei"

Ele respondeu baixinho e com a voz fraca.

-"Não quero que você vá!"

-"E eu não quero ir. Mas meu pai não me quer aqui e nem sua mãe quer mais, então está decidido."

-"Não, não parece certo, o que a gente pode fazer?"

-"Nada, já está tudo resolvido, não está vendo?"

-"Para onde você vai?"

-"Internato, um em outro estado, meu pai vai me levar."

-"Quando eu vou te ver de novo?"

-"Não sei, Potter."

-"Boris, não vai vir nos visitar?"

-"Como? Se não me querem aqui?"

-"Então é isso? Acabou?"

-"Parece que sim, Potter."

-"Achei que você nunca desistia."

-"Olha, Theo, já passei por muita coisa, e quando achei que tudo tinha se ajustado tudo quebrou de novo, acho que nunca vou ter uma vida normal, talvez seja só assim que as coisas são, uns podem ter e outros simplesmente não, talvez alguém lá em cima não goste de mim ou talvez Deus e o céu não existam. De qualquer modo, nunca fui religioso, mas agora não importa mais, não posso fazer nada."

Fiquei confuso e perdido diante do uso do meu nome real já que ele sempre me chama de, Potter. Olhei para ele e ele apenas deu um sorrisinho triste e meio esperançoso, como eu imagino que ele tenha feito com as outras pessoas que ele conheceu e que foram importantes para ele e que logo ele perdeu devido às constantes mudanças, parece muito  solitário, de país em país perdendo tudo e todos a cada viagem, eu diria deprimente, mas a verdade é que antes de Boris eu não havia notado quão sozinho eu me sentia antes de ter ele comigo, quase imediatamente ele se tornou meu sol, não sei o quanto do que temos é amor e quanto é dependência emocional mas eu não me imagino sem ele, agora não tem mais vida sem ele.

Boris me mostrou lados da vida que eu nunca me atreveria a tentar se não fosse por ele, eu não acho que eu possa viver aqui sem ele, claro, eu tenho a Scarllet e o Jhonny, mas nada vai ser o mesmo.

Tudo estava estranho, o clima na casa era tão denso que parecia difícil até de respirar, tudo pareceu um borrão, só me lembro bem do pai de Boris colocando as malas no carro e eu gritei "Boris, espera!" Ele veio até mim mas não falei nada, não tinha o que dizer, ele apenas de inclinou e me beijou na boca, "Eu não vou esquecer de você, não importa como as coisas aconteçam para nós daqui para frente" então ele se virou e entrou no carro, eu nem sei se vou ver ele de novo algum dia, eu espero estar sendo dramático mas o que sinto é só vazio e incerteza, isso me dá falta de ar e vontade de chorar, estou bem e do nada isso me acerta com tanta força que peito chega a doer, eu não sei se vou vê-lo de novo.

Quem diria que a vida toda de alguém pode caber em duas malas?! Os dias sem ele são cinzentos, não importa o quanto reclamem do sol de Vegas, eu só vejo nublado, tudo que Scarllet e Jhonny tentam fazer para me animar é inútil, minha mãe não sabe mais o que fazer também, eu me sinto mal por estar tão apático, acham que estou deprimido mas não é verdade, é pior, é uma sensação de uma culpa nojenta e desespero eu sinto uma sensação horrível no meu peito como se tivesse coisas grudentas e pontudas em volta do meu coração, e um peso dolorido na garganta como se estivesse com algo alojado na traquéia, eu me sinto fraco e patético, tudo aconteceu e eu só fiquei parado, agora mesmo não estando sozinho, afinal eu tenho a Sca e Jhonny, que são meus melhores amigos, eu me sinto sozinho, frágil, fraco e nojento, eu sinto desgosto e vergonha, tenho ataques repentinos de falta de ar e acessos de choro, como de meus ossos do tórax estivessem sendo quebrados por algo me esmagando, mas passa rápido, a primeira pessoa com quem me conectei de verdade foi embora e a primeira chance dele de ter a vida normal que ele sempre quis foi tirada dele, como é simples machucar alguém.

Quem diria que seria tão fácil acabar com tudo assim, só duas malas, um carro com o tanque cheio de gasolina, uma passagem de avião só de ida e uma ligação para uma vaga em outro estado. Tão simples, tudo se foi em duas malas.

Boreo - "Irmãozinho"Onde histórias criam vida. Descubra agora