Dizem que a primavera é a estação das flores e do amor, mas há quem discorde e veja mais encanto no frio do inverno. Talvez tenha sido esse encanto que uniu Matteo, um jovem valete, e Eveline, uma aspirante a bailarina.
Para livrá-la de um problema...
Havia algo mágico em observá-la de longe, balançando os pés sobre a água naquela manhã de inverno, seu rosto lembrava a primeira queda de flocos de neve da estação... Na verdade, tudo no cenário parecia ser parte dela.
Eveline é uma garota misteriosa, a conheço desde que me entendo por gente mas nunca fomos amigos de fato.
A observei levantar-se e encarar o pequeno píer com um suspiro, indo embora logo em seguida, daria tudo para saber no que estava pensando. Já ouvi burburinhos sobre ela vindos de algumas cozinheiras e, por isso, sei que tem mais ou menos a minha idade, vive com duas senhoras no subúrbio e trabalha na fábrica, isso é tudo.
- Matteo, pare de espiar pela janela. - senhora Morris repreendeu-me - Algumas cartas chegaram para o lorde Hudson, leve-as para o escritório por favor.
Ela entregou as cartas em minhas mãos e saiu para dar ordens a outra pessoa. Trabalho na mansão da família Hudson a mais ou menos seis anos, graças a uma lesão na perna esquerda quando sofri um acidente que impossibilitou meu trabalho anterior, nunca mais consegui movimentá-la bem depois disso.
Bati na porta e ouvi um "entre" abafado do outro lado, August e Raven Hudson estavam sentados em um sofá de dois lugares, bebendo chá e conversando, uma cena rotineira.
- Matteo, meu rapaz, o que tem para mim hoje?
- Algumas cartas e convites, milorde.
- Ah sim, ponha-os na mesa, por favor. - Apenas assenti e me apressei em deixar as cartas e seguir para minha próxima tarefa do dia.
E assim segui com meus afazeres normais até às três da tarde, quando a senhora Morris pediu que a acompanhasse até a modista para pegar os novos vestidos das meninas Hudson.
Após alguns minutos esperando do lado de fora do ateliê, sentei em um dos bancos na calçada e observei o que acontecia ao meu redor, apesar de toda a movimentação típica daquele horário, meus olhos foram rapidamente atraídos para alguém que não parecia se encaixar naquela multidão.
Era Eveline outra vez, descendo a rua apressada com vários rolos de um tecido vermelho e vibrante nos braços e uma espécie de bolsa pendurada em seu ombro, ela passou pelo teatro e entrou na rua ao lado dele. Senti vontade de segui-la para ver o que faria com tudo aquilo, mas a senhora Morris saiu do ateliê e fomos embora antes que pudesse fazer qualquer coisa.
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À noite, enquanto jantava junto aos outros empregados, ouvia todos conversarem animadamente sobre uma pequena comemoração que aconteceria nos subúrbios, cuja maioria parecia empolgada em ir.
- Vai conosco, Matteo? - Joseph perguntou. - Talvez sua garota misteriosa do píer apareça esta noite.
- Joseph! - Matilda o repreendeu. - Desse jeito vai constranger o garoto.
- Bobagem, querida. Ele nem faz questão de esconder. - defendeu-se enquanto eu apenas ria da situação.
- Bem, irei com vocês, mas não por esse motivo.
- Ótimo! Iremos assim que o jantar acabar.
E assim fizemos. Quando chegamos a rua onde a festa estava acontecendo, já havia bastante gente dançando ao som de violinos animados e crianças correndo ou fazendo bonecos com a neve nas calçadas.
Apesar da estação, não fazia tanto frio, o que talvez indicasse que o inverno não seria tão rigoroso este ano. Não são todas as famílias que conseguem sobreviver às nevascas, muitos aqui vivem em conjunto, dividindo abrigo, lareira e mantimentos, mas os que não tem essa sorte acabam morrendo, na maioria das vezes de frio.
Espantei esses pensamentos e foquei em aproveitar a festa, mesmo que não soubesse o que exatamente estavam comemorando, a alegria de todos era contagiante e não conseguia parar de sorrir com o que via.
- Esquerda, casa meio amarela, olhe para a porta. - Joseph disse poucos segundos antes de levantar e puxar Matilda para dançar.
Olhei para o local que ele indicou e vi Eveline de pé, ao lado de uma senhora sentada em uma cadeira. A mulher levantou-se e beijou o rosto dela, depois entrou na casa, Eveline colocou a cadeira para dentro e voltou a observar a festa.
Continuei parado em meu lugar, me perguntando se deveria ir falar com ela, virei-me para olhar meus amigos e pedir a opinião deles, mas os dois estavam tão concentrados conversando e rindo que não poderiam me notar. Então, reunindo toda minha coragem, levantei e caminhei até a porta, algo que ela não pareceu notar até o momento que comecei a falar.
- É uma bela noite, não acha?
- Hã? Ah sim, acredito que seja. - Ela parecia um pouco confusa.
- Desculpe, não me apresentei, me chamo Matteo Castelo.
- Eveline. - Aqui está outro detalhe importante: Ninguém sabe qual o sobrenome dela e ela também nunca o diz. - Você é filho dos Castelo que moravam no fim da rua, não é?
- Sou sim.
- Ah, agora sei porque você parece tão familiar. Como seus pais estão?
- Estão bem, obrigado. - Um silêncio esquisito pairou sobre nós e escondi minhas mãos nas costas enquanto me preparava para quebrá-lo. - Pode parecer meio estranho perguntar isso, mas, o que exatamente estão comemorando?
- É como um Natal antecipado, a maioria de nós comemora alguns dias antes porque arranja trabalho na casa dos ricos, eles precisam de mais gente para ajudar nas festas chiques deles.
- Ah, certo.
Durante algum tempo, apenas contemplamos as pessoas na festa ao nosso redor, eu gostaria muito de continuar conversando, mas fui interrompido quando um garotinho correu até nós para chamá-la para dançar, ela aceitou e despediu-se com um sorriso e um aceno.
Voltei ao lugar onde estava sentado minutos antes e fiz o que eu costumo fazer em festas: Observar. Eu era mais participativo antes do acidente, mas agora a pouca mobilidade da minha perna me atrapalha bastante, então eu apenas fico aqui e vejo as pessoas se divertirem, não é muito interessante, mas é melhor do que ficar em casa fazendo nada.
Joseph, Matilda e eu voltamos para casa lá pelas tantas da madrugada, não consegui falar com Eveline outra vez, mas estava feliz pelo tempo que tive para isso mais cedo.
Nos dias que se seguiram, continuei normalmente com minha rotina, às vezes a curiosidade me fazia ter vontade de aparecer naquele lado da cidade e encontrá-la propositalmente, mas não o fiz, me alegrava apenas em vê-la passar por mim vez ou outra na rua e trocar um "Olá" e acenos. Porém, tudo mudou na véspera de ano novo.