XIV

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Eveline

Secretamente torcendo para não haver nenhuma conversa estranha, deixei Matteo com a senhora Jude e usei as escadas na lateral do palco para descer até o subsolo, ali havia uma pequena área onde as bailarinas costumam se alongar antes das apresentações.

Com ajuda da vela em meu castiçal, acendi as velas que ficavam presas nas paredes e comecei a me preparar, calcei as sapatilhas e prendi melhor meu cabelo para ele não soltar sem querer em algum momento.

Organizei mentalmente os passos que tentaria dessa vez, passei as últimas semanas tentando montar uma nova coreografia e decidindo de que maneira ela poderia ficar melhor. Eu sei que nunca terei uma grande plateia me assistindo, mas tento dar o meu melhor a cada ensaio para provar a mim mesma que sou capaz.

Passaram-se alguns minutos até que eu subisse ao palco. A falta de música não era mais um problema há algum tempo, pois comecei a memorizar os passos feitos pelas bailarinas profissionais e contava os segundos entre eles para imitar.

Completei as duas primeiras coreografias e segui para a terceira, essa eu mesma havia criado.

Não percebi a presença de Matteo e Abigail ao lado do palco até o momento em que os dois me aplaudiram calorosamente quando terminei a dança. Estava acostumada ao olhar orgulhoso dela ou ao das minhas minhas tias quando treinava em casa, mas o dele era diferente de todos os outros que já recebi.

- Eu preciso ir ver algumas coisas no meu camarim e encontro vocês daqui a pouco. - Abigail nos deu as costas e saiu em direção a área subterrânea do teatro.

Não demorou muito e ele caminhou devagar até onde eu estava no centro do palco, o som da bengala batendo suavemente na madeira ecoava pelo local.

- Sobre o que é essa coreografia?

- É como uma demonstração do inverno. - comecei a explicar enquanto refazia o meu coque, minha tentativa de prendê-lo mais cedo falhou na metade da dança. - Os sentimentos e emoções da estação, principalmente a melancolia dela e também sobre a sensação reconfortante de saber que, apesar do frio e das dificuldades que ela traz, não vai durar para sempre, mas ainda pode ser lindo enquanto acontece.

- Nossa, isso é incrível. - Um sorriso suave formou-se em seus lábios. - Você já escolheu um nome?

- Ainda não, mas você me disse uma coisa que me fez pensar em uma opção.

Por alguma razão, sentia que não conseguiria falar se continuasse olhando para ele, então sentei-me no chão e comecei a desamarrar as sapatilhas para guardá-las, usando isso como desculpa, mas confesso que não adiantou muita coisa pois ainda conseguia sentir minhas bochechas ficando quentes enquanto explicava.

- Mas não sei se quero compartilhar isso agora, talvez quando eu tiver mais certeza. - Levantei-me depois de arrumar tudo e tive que encará-lo outra vez.

- Sério? Mesmo tendo parcialmente te ajudado a ter a ideia? - perguntou em um tom brincalhão.

- Mesmo tendo ajudado.

Sorrimos um para o outro, apesar de ainda estar me sentindo um pouco desconcertada. Isso me causava uma sensação estranha na barriga, como se tudo dentro dela estivesse girando, mas não ao ponto de vomitar.

- Gostaria de poder dançar com você. - sua confissão tímida me deixou genuinamente alegre, apesar de eu nem sequer entender o motivo.

- Acho que podemos dançar.

Matteo ficou surpreso com minha resposta, mas não mais do que ao me ver colocar minhas coisas no chão outra vez e diminuir a distância entre nós.

Eu não tinha certeza do que estava fazendo, mas queria tentar mesmo assim, então peguei sua mão e a levei até a minha cintura, depois pus uma das minhas mãos sobre o seu ombro e a outra sobre a que ele usava para segurar a bengala.

A Bailarina de NeveOnde histórias criam vida. Descubra agora