XVII

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Matteo

Era a quarta vez em que eu tomava café da manhã sozinho esta semana, já que Eveline vinha pulando refeições por estar indisposta. Ela ignora completamente o café da manhã, foge do jantar sempre que pode, e belisca um pouco de comida no almoço, sei que temos nosso acordo silencioso de não fazer intromissões na vida um do outro, mas isso não é saudável.

Minha preocupação com ela aumentou desde que fomos à casa de suas tias e Ev descobriu o que queria sobre seus pais. Eu tinha uma certa noção de que não seria fácil, porém a situação está começando a sair do controle e não sei o que posso fazer para ajudá-la, há dois dias pedi conselhos a Joseph e David e eles me sugeriram dar espaço e tentar conversar respectivamente, o que não me ajudou muito.

— Está tudo bem, Matteo? — lady Hudson perguntou, ela e o marido entraram no gabinete enquanto eu estava organizando alguns documentos que chegaram a pouco. — Você parece distraído.

— Está sim, milady. — Coloquei os últimos documentos no lugar e fiz uma breve mensura. — Terminei por aqui milorde, se precisar é só me chamar.

Lorde Hudson apenas assentiu e saí da sala sob o olhar curioso dele e de sua esposa.

Ainda na porta, esbarrei sem querer no barão de Fitz, logo atrás dele vinham seus filhos, o mais novo, pobrezinho, parecia nervoso como quem acaba de testemunhar um crime, mas também estava sorrindo, o que me deixou levemente confuso.

— Perdão lorde Floyd. — disse ao homem mais velho. — Com licença.

Afastei-me dos três e segui para a cozinha. Desconfio que não estão aqui para uma simples visita e, se o que Eveline me contou sobre Peter e Camille estiver certo, eles vieram selar um acordo de casamento.

É impressionante como Eveline sempre retorna a minha mente, mesmo quando o assunto não é sobre ela. Tudo que eu gostaria nesse momento é saber o que fazer para ajudá-la, é como se minha esposa estivesse vivendo a quilômetros de distância de mim.

— Está tudo bem, querido? — Matilda pôs a mão em meu ombro gentilmente. — Você parece distante, no que está pensando?

— Estou preocupado com a Ev. — admiti, sem rodeios. É estranhamente fácil contar qualquer coisa a Matilda.

— Por que? — Ela sentou-se ao meu lado, pronta para ouvir a história.

Contei-lhe em resumo o que descobrimos há alguns dias, não cabia a mim dizer os detalhes, me parece algo pessoal demais para que outras pessoas saibam, por mais íntimas que sejam.

— Você pode tentar animá-la de alguma forma... Ah, que tal dar um presente a ela? Um vestido novo talvez. — ou sapatilhas, pensei. — Mostre-se disponível para o que ela precisar também, cuide dela, dê atenção aos detalhes, nós gostamos disso, mas não vamos pedir. É o mínimo que vocês deveriam fazer.

— Por que isso pareceu mais um desabafo que um conselho? — Sorri para minha amiga e ela suspirou pesadamente.

— Porque seu amigo precisa aprender o que eu acabei de te ensinar e você irá aconselhá-lo despretensiosamente em algum momento.

— Ah, sim, pode deixar. — Matilda devolveu-me um sorriso e levantou-se para voltar aos seus afazeres.

Sozinho mais uma vez, pensei um pouco no que Matilda me disse e cheguei a conclusão de que talvez um presente pudesse animar um pouco Eveline, eu só precisava conversar com Abigail e ela me diria onde eu poderia comprar um novo par de sapatilhas para minha esposa.

Com essa ideia em mente, aproveitei meu horário de almoço para ir ao teatro, não tinha certeza se a encontraria lá pelo horário, mas não custava nada tentar. Entrei pela mesma porta lateral que costumamos usar à noite e recebi um olhar curioso dos que ali estavam.

— Posso ajudá-lo rapaz? — um senhor de cabelos brancos e bigode perguntou com um sorriso simpático.

— Boa tarde, senhor. Estou procurando a senhora Abigail Jude, ela está?

— Está sim, me acompanhe, por favor.

O homenzinho me deu as costas e pôs-se a andar rapidamente em direção aos camarins no subsolo, não demorou muito até que ele batesse à porta do camarim e ela fosse aberta por uma senhora Jude cheia de coisas no cabelo e um roupão cheio de plumas.

— Pois não?

— Este rapaz estava te procurando, madame. — O homem deu um passo para o lado e então ela notou minha presença, abrindo um sorriso largo.

— Senhor Castelo, que surpresa agradável! Entre, por favor. — Ela afastou-se um pouco para que eu pudesse passar, enquanto rapidamente agradecia ao senhor que me trouxe até aqui. — Bem, a que devo a honra desta visita?

Expliquei-lhe rapidamente a mesma história que contei à Matilda agora a pouco e Abigail compreendeu tudo rapidamente, dando-me conselhos bem parecidos com os outros que recebi, mas sem o tom intimidador da primeira vez.

— Bem, as bailarinas aqui do teatro estão encomendando sapatilhas novas para a apresentação que acontecerá em breve, posso pedir para acrescentar um par no tamanho de Eveline. Peço para que alguém entregue em sua casa quando chegarem.

— Isso seria ótimo. Muito obrigado, senhora Jude. — Sorri em agradecimento e resolvemos alguns outros detalhes da surpresa.

Poucos minutos depois eu já estava novamente na mansão Hudson, um pouco mais confiante sobre uma possível melhora no humor de minha esposa. Realmente espero que ela fique feliz com o presente, é doloroso vê-la tão triste e pelos cantos.

Pensei em usar a entrada da varanda dos fundos dessa vez, e, por causa disso, pude ver a senhorita Emanuelle conversando com sua irmã mais velha. As duas pareciam bem sérias, quase não notaram minha presença até que eu as cumprimentasse antes de passar para a cozinha.

— Ah, espere, senhor Castelo. — Dei meia volta ao ouvir o pedido de Camille.

— Sim milady?

— Sabe onde está a Eveline? Ela desceu para procurar um brinquedo que minha irmã acha que esqueceu na sala de bordado, mas não voltou.

Tentei parecer o mais calmo possível ao ouvir isso, mas preciso confessar que por dentro estava completamente apavorado. Já ouvi coisas sobre pessoas que fizeram besteiras em momentos de grande tristeza... Não acredito que a Ev seria capaz de fazer algo, mas a possibilidade é assustadora.

— Quanto tempo faz desde a última vez que a viram? — perguntei.

— Uma eternidade! — Emanuelle respondeu, emburrada. Vale ressaltar que ela não sabe as horas ainda, então tudo que demora para ela é uma eternidade.

— Não faz tanto tempo, mas como não a encontramos fiquei preocupada. — Camille ponderou. — Ela não parecia estar muito bem. — Engoli em seco, nervoso por outras pessoas também perceberem o estado de Eveline.

— Tudo bem... Irei procurá-la então, com sua licença, senhoritas.

Fiz uma breve reverência e saí em disparada para dentro da casa, afinal, não tinha como ela ter saído dali sem que alguém a visse.

Perguntei a todos que vi pelo caminho, mas ninguém sabia onde ela poderia estar. Por fim, pedi ajuda à Joseph e Matilda, nos separando para continuar a busca logo em seguida.

Passaram-se cerca de sete minutos até que tivéssemos passado por todos os cantos da casa, ela não estava em nenhum deles. Por fim, decidimos procurar nos arredores, Joseph teve que levar lady Hudson e a senhora Morris à casa de uma amiga da viscondessa para um chá, então sobramos somente eu e Matilda.

Nossa primeira opção de busca foi a velha casinha onde guardavam os equipamentos de jardinagem, ninguém ia lá há algum tempo então era um ótimo lugar para pensar e ficar sozinho.

Com dificuldade, empurrei a velha porta e ela rangeu em resposta ao ser aberta. A primeira coisa que senti foi um cheiro forte de mofo, seguido de um som abafado vindo do canto mais distante da casinha.

Foi ali que encontrei os olhos azuis e assustados de Eveline, encarando Alfred prestes a golpeá-la.

A Bailarina de NeveOnde histórias criam vida. Descubra agora