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Eveline

Eu evitei até chegar perto da rua da minha casa durante os últimos dias. Talvez eu esteja sendo a maior egoísta de todos os tempos, por privar Matteo das respostas que lhe devo, mas simplesmente não tenho forças para encará-lo.

Há duas noites atrás, enquanto eu fingia dormir, ouvi a tia Josephine dizer à irmã que o encontrou por acaso na rua. "Ele me cumprimentou com um sorriso, mas dava para ver que estava triste", ela contou. Passei horas acordada pensando nisso.

Se fosse por mim ainda estaria escondida embaixo das cobertas na casa das minhas tias, mas elas insistiram que eu saísse para respirar um pouco e Abigail me encontrou. Então agora estou aqui, sentada no divã amarelo do antigo camarim, enquanto ela se arruma na penteadeira e eu conto tudo que aconteceu à ela.

— Meu bem, se você está com saudade, a resposta é simples: Volte para casa. — uma sugestão prática e direta como sempre.

— Eu não posso simplesmente voltar...

— Por que não? — interrompeu-me, largando a maquiagem sobre a mesa para me encarar. — Eveline, preste bastante atenção, você o ama, não é? — Assenti. — Ótimo, porque ele claramente também ama você.

Abigail levantou-se, arrastando seu vestido enorme e bufante até o divã e sentou dramaticamente ao meu lado, ela segurou as minhas mãos como se eu fosse uma criancinha e olhou no fundo dos meus olhos.

— Sabe, Eveline, eu fui casada sete vezes e seis delas foram com homens idiotas. — Ela deu uma risadinha. — O único que deu certo foi o quarto casamento, nós nos amávamos de verdade, talvez, sob outras circunstâncias, eu nunca tivesse me casado depois dele. — Um sorriso triste encontrou seus lábios, mas ela não se deixou abater e continuou. — A questão é que: Pode parecer muito assustador agora, com um milhão de pensamentos girando pela sua cabeça, mas algo como o que vocês tem só aparece uma vez na vida.

Baixei a cabeça e suspirei, em conversas como essa a sensação de culpa parece puxar meu corpo para baixo, como se eu fosse derreter ou me fundir ao chão.

A senhora Jude segurou levemente o meu queixo, para que eu voltasse a encará-la e gentilmente colocou uma mecha solta de cabelo atrás da minha orelha, um gesto simples, mas que carregava um afeto inexplicável.

— Não deixe isso escapar pelas suas mãos, meu bem. — pediu.

— Não irei. — as palavras saíram tão rápido que acho que estavam apenas esperando por esse momento. — Eu prometo.

— Muito bem. — Ela sorriu e logo em seguida levantou-se, apressada. — Infelizmente, receio que você precise ir agora, Eveline, preciso terminar de me arrumar, tenho que estar no palco em quinze minutos.

Apenas assenti e me despedi dela rapidamente, mesmo sabendo que na verdade ela acabaria levando meia hora para entrar no palco e não somente os quinze minutos previstos.

Saí do teatro e fui para casa sob um céu ameaçadoramente nublado e ventos fortes o suficiente para levar o chapéu de quem estiver distraído. Assim que cheguei a porta de minhas tias, o cheiro familiar de sopa adentrou minhas narinas e de repente eu tinha sete anos outra vez, sentada à mesa com elas no fim do dia, depois de ficar sentada nas escadas da entrada observando as outras crianças da rua brincando.

— O cheiro está ótimo tia Jen. — Beijei-lhe a bochecha ao me aproximar. — Posso provar?

— Pode, mas tome cuidado que está quente. — Ela pegou um pouco do líquido na panela e me entregou a colher, soprei-a para esfriar um pouco antes de levá-la a boca e então finalmente provei a sopa. — Você vivia pedindo para provar as comidas quando era criança, lembra? Cheguei a pensar que você se tornaria cozinheira por causa disso.

— Gosto de cozinhar, mas não a esse ponto. — Limpei a colher e a devolvi para juntos dos outros talheres antes de me sentar.

— Como foi o passeio?

— Foi bom, só andei pela cidade por um tempo, mas depois a senhora Jude me encontrou e fomos conversar no teatro. — expliquei enquanto ela tirava o avental para se juntar a mim à mesa. — Ela me deu alguns conselhos sobre voltar para casa...

— E o que você vai fazer? — Seus olhos castanhos voltaram-se para mim, com o entusiasmo pairando neles. Por mais que tia Jennifer tentasse esconder seus sentimentos, os olhos sempre a entregavam.

— Bem, eu não sei. Acabei dizendo que voltaria, mas agora estou com medo de novo.

Jennifer assentiu e ficou em silêncio, o que foi bem surpreendente, já que minha tia não é muito conhecida por ficar quieta. Ela levantou para verificar a sopa e apagou o fogo ao ver que estava pronta, depois voltou a se sentar, foi quando resolveu falar.

— Sabe, Ev, eu sempre fui a mais sonhadora entre as minhas irmãs, papai costumava dizer que eu vivia com a cabeça nos contos de fadas, o que não era mentira. — ponderou — Infelizmente eu não vivi um conto de fadas como esperava, mas isso não me fez parar de acreditar no amor, acho que é por causa disso que pensei que o seu relacionamento pudesse dar certo, sabe? Eu via como se alguém que eu amo finalmente estivesse tendo a chance de viver um conto de fadas.

— Talvez meu conto de fadas não tenha um final feliz, titia. — argumentei, enquanto ela gentilmente negou com a cabeça.

— Só se vocês não quiserem, Eveline.

Querer... Nunca pensei que eu quisesse algo assim. Meus desejos sempre foram práticos: Um teto, comida sobre a mesa todos os dias e saúde e felicidade para as minhas tias. Porém, agora eu me pergunto se não havia outro desejo ali também, um desejo só meu, de ter por completo algo que só tive em pedaços durante a vida inteira, ter o cuidado, a alegria, o amor, ter...

— Esta vindo um temporal. — tia Josephine comentou ao chegar com as compras. — Ainda bem que você viu o que faltava cedo, Jennifer, duvido que a feira vá ficar aberta por muito tempo hoje.

As duas engataram em uma conversa que não prestei muita atenção, a última frase dita por tia Jennifer martelava na minha cabeça e parecia estar de acordo com o que Abigail me falou mais cedo. E se fosse verdade? E se eu apenas deixar os "talvez" de lado e ir atrás de algo concreto?

— Tias! — as chamei por impulso e levantei-me rapidamente. — Eu preciso ir resolver uma coisa.

— Agora? — tia Josie perguntou, confusa. Atrás dela, tia Jen sorriu e assentiu. — Mas pode chover a qualquer momento, querida...

— Não se preocupe, irmã. — Jennifer pediu. — Ela vai ficar bem.

Abracei rapidamente cada uma e prometi que voltaria logo, depois saí pelas ruas da cidade, ignorando as gotas de chuva que aos poucos faziam poças no chão e deixavam as minhas roupas frias. Eu não queria ter que esperar nem mais um minuto, pois certamente minha coragem iria embora se o fizesse, então apenas segui rumo à minha casa.

Subi os pequenos degraus da entrada e bati à porta, ainda me perguntando se era o momento certo para isso, mas não havia mais como voltar atrás quando Matteo abriu a porta e me encarou, surpreso.

— Podemos conversar?

A Bailarina de NeveOnde histórias criam vida. Descubra agora