III

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Matteo

As comemorações em minha casa nunca foram muito grandes por não termos tanto dinheiro, mesmo assim qualquer data comemorativa que fosse considerada importante para nós era celebrada em família.

Por isso, estava sentado na mesa de jantar da casa que vivi durante a infância, assoprando as velas no bolo de aniversário feito pela minha mãe enquanto eles cantavam parabéns.

— Viva o tio Matteo! — Francisco vibrou e o resto da família o acompanhou logo em seguida.

Partimos o bolo e cada um comeu seu pedaço em meio a conversas e risadas.

Infelizmente nossa pequena festa não durou tanto, já que os adultos precisam acordar cedo no dia seguinte para trabalhar. Quando fui me despedir dos meus pais, recebi uma ordem muito clara de mamãe para entregar os pedaços de bolo de Matilda e Joseph, somente depois disso ela me liberou para ir embora.

Caminhei com David e Isabel até quase a metade do caminho.

Francisco dormia tranquilamente com a cabeça no ombro do pai e a pequena Marta fazia o mesmo em meus braços, minha cunhada também estava fazendo um certo esforço carregando meu terceiro sobrinho em seu ventre.

Ao chegarmos a casa, deixamos as crianças em seu quarto e me despedi de Isabel quando David me levou até a porta.

— É, querido irmão, mais um aniversário seu e eu ainda não tenho uma cunhada, nem sobrinhos.

— Bem, uma perna defeituosa não me deixa tão atraente para as moças, mas se você conseguiu minha cunhada com essa sua cara estranha, eu também consigo. — Apenas dei de ombros. — Brincadeiras a parte, você sabe que não quero me casar só por casar, quero o que você e Isabel têm, o que papai e mamãe tem.

— E você terá...Quando chegar a hora.

David e eu trocamos um olhar cúmplice. Sempre fomos muito unidos, talvez por causa das idades próximas, afinal, ele tinha pouco mais de um ano quando nasci.

A experiência de ter dois filhos abaixo dos dois anos ao mesmo tempo foi o suficiente para meus pais tomarem cuidado para o caso de vir um terceiro um dia, mas isso nunca aconteceu.

— Preciso entrar agora. Te vejo em breve, irmão.

— Até mais. — Dei-lhe um tapinha amigável nas costas e caminhei em direção ao portãozinho na frente da casa.

As ruas estavam praticamente desertas graças ao feriado, luzes acesas dentro das casas indicavam famílias reunidas, nas mais ricas talvez houvesse funcionários aproveitando a festa dos patrões para celebrar também. Em poucas horas estaremos iniciando um novo ano e com ele novas oportunidades.

Atravessei o parque e saí pela entrada que dava para a frente do teatro. Teria chegado a casa dos Hudson em mais uns sete minutos de caminhada, mas algo chamou minha atenção.

Da lateral esquerda do teatro saiam duas pessoas, que mais a frente se encontram com uma outra. Curioso, me aproximei apenas para tentar distinguir melhor quem poderiam ser, o que só serviu para me intrigar ainda mais, já que se tratavam de dois guardas e Eveline.

Minhas pernas se moveram antes que eu me desse conta, não fazia ideia do que estava fazendo, mas senti a necessidade de ajudar de alguma forma.

— Algum problema, senhor? — perguntou o primeiro a me ver, o outro cessou a discussão com Eveline para dar atenção a nossa conversa.

Não conhecia um, mas o outro costumava patrulhar próximo a casa da família Hudson, então já o vi algumas vezes.

— Boa noite senhores. Gostaria de saber o que está acontecendo aqui.

— Não é nada, apenas pegamos essa jovem invadindo o teatro. Iremos levá-la a delegacia agora, então lhe peço licença. — O guarda me deu as costas e estava prestes a levar Eveline embora.

— Desculpe, mas os senhores não podem fazer isso. — Mais uma vez agi sem pensar e agora tenho três pessoas intrigadas à minha frente.

— E por que não? — o guarda parecia irritado.

Eu não tive muito tempo para elaborar uma mentira, então disse o que pensei que ajudaria, apesar de ser completamente absurdo.

— Porque essa jovem é minha noiva. — Observei Eveline arregalar os olhos, em choque, mas eu precisava sustentar a história mais um pouco.

— Sua noiva?

— Sim, minha noiva... E somos funcionários de lorde Hudson, então ela tinha permissão para estar no teatro, já que os próprios a enviaram.

Os dois guardas me analisaram com um semblante impassível e desconfiado, mas o guarda que segurava Eveline parecia um pouco mais crédulo sobre a minha mentira.

— Ah, eu reconheço você. — O guarda aproximou-se e entregou-a a mim. — Pedimos perdão pelo equívoco, senhor. Mandem felicitações ao lorde Hudson por nós e parabéns pelo noivado.

— Obrigada senhores. Bem, preciso levar minha noiva em casa, já está muito tarde e não há mais nada a ser feito aqui. Boa noite. — Saímos andando antes que eles mudassem de ideia.

Quando viramos a esquina mais próxima e saímos da visão dos dois, Eveline desvencilhou-se de mim e me encarou em um misto de confusão e gratidão.

— O senhor está louco?! Acabou de mentir para dois guardas.

— Sei disso, sinto como se meu coração fosse sair pela boca. — Isso era verdade, nunca senti meus batimentos ficarem tão rápidos. — Pode me dar um segundo, por favor.

Apoiei a mão livre em meu joelho e deixei que minha cabeça pendesse para frente. Aos poucos minha respiração foi voltando ao normal e consegui me recompor, Eveline continuava a me encarar, em busca de uma explicação para o que havia acabado de acontecer.

— Certo, veja bem, eu estava voltando da casa dos meus pais e vi a movimentação ao lado do teatro, quando vi os dois guardas saindo com a senhorita fiquei preocupado e quis ajudar.

— Eu agradeço a ajuda, mas precisava inventar um noivado? Só nos falamos uma vez. — com ela falando assim parecia bem patético.

— Perdoe-me, mas eu entrei em pânico. Foi a única desculpa que consegui pensar em tão pouco tempo.

Eveline soltou uma lufada de ar e assentiu, mas claramente estava incerta sobre o que essa mentira poderia causar se um dia fosse pega invadindo o teatro outra vez. Aliás, pensei em perguntar o que ela estava fazendo lá, mas, assim como tudo em sua vida, isso permaneceria como um mistério.

— Certo, hum... Agora que tudo foi resolvido acho melhor eu ir andando, minhas tias devem estar preocupadas. — Ela começou a andar lentamente de costas e sorriu antes de virar-se. — Obrigada mais uma vez e adeus!

— Adeus. E por favor, não invada o teatro outra vez! — falei um pouco mais alto pela distância entre nós.

A observei enquanto ela sumia rua abaixo e somente quando a perdi de vista segui meu próprio caminho.

Ao chegar na casa dos Hudson, encontrei-me primeiro com Joseph e só tive tempo de entregar-lhe o seu pedaço de bolo antes da senhora Morris aparecer e nos dar algumas tarefas, afinal, ainda havia uma grande festa acontecendo.

Somente lá pelas tantas da madrugada pude conversar com Joseph e Matilda e contar-lhes o que aconteceu nas últimas horas do ano, tudo nessa história parecia tão absurdo que os dois apenas riam e repetiam "Ah Matteo", pensando bem, era realmente algo engraçado de se imaginar, eu e Eveline casados era a última coisa que poderia acontecer. 

A Bailarina de NeveOnde histórias criam vida. Descubra agora