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2017
Dezembro, 5
Terça-feira
Residencial Slimani — Yale
19:56
— Fiz salada de frutas, está na frigobar.
Soltei um "uh" prolongado me abaixando pra tirar um potinho, peguei uma colher e o encarei depois de abrir.
Levantei uma sobrancelha pra Luigi com descrença e ele deu de ombros.— Salada de frutas.. onde? — Questionei vendo apenas bananas cortadas.
— Era só o que tinha! Aprecie meu esforço, mal agradecida. — Se indignou ignorando meu riso.
— Você não viu o cacho de uva?!
— Vai chegar em algum lugar com isso?
Revirei os olhos começando a comer a banana, ele terminou de se arrumar e se despediu com um dedo do meio. Sentei na cama pegando o celular pela quinquagésima vez atrás de alguma mensagem e finalmente apareceu.
Mas não era de quem eu esperava. Dylan, pra quem eu liguei pela manhã pra saber sobre o gracinha.
"Boa noite, só avisando que o seu amigo está bem, só não foi as aulas hoje por conta do remédio."
"Ok, obrigada! Ótima noite."
Sem muita escolha, mandei uma mensagem atrás do meu.. não! Atrás de Bradley.
"Hey, morreu e esqueceram de avisar?"
Sem resposta imediata apenas decidi me entreter com tipografias de músicas depressivas, me imaginando em um avião diretamente para Paris, onde eu poderia sofrer de forma luxuosa e não no dormitório com um pote de "salada de frutas" comido pela metade. Não sei exatamente em qual minuto meus olhos se fecharam mas exatamente as 00h45 eles se abriram ansiosos com o toque de ligação.
— Espírito hoje em dia tem até celular, bendito seja Hades..— Bocejei ajeitando o travesseiro com a mão livre.
"Fico feliz que tenha sentido minha falta nas últimas 24h, Abelhinha." Sua voz até mesmo parecia rouca demais, como se ele tivesse fumado duas carteiras de cigarro antes de me ligar. "Pra sua informação é Hermes quem leva as almas até o submundo, mas outra hora podemos discutir sobre isso. Alguma novidade que queira me contar?"
— Na verdade não, fiquei preocupada com você, sua voz está péssima e você não apareceu pra me dar bom dia o que significava; ou que voltou com a megera ou que faleceu. — Ignorei seu bufar na linha pra rir baixo.
"Já conversamos sobre isso, não tem volta.E sobre ter sumido: fiquei doente, dormi mais da metade do dia e depois me ocupei com anotações da aula. Sinto muito por te deixar assim, juro que estou bem melhor e amanhã quando acordar vai ter o melhor bom dia do mundo pra te compensar." Se desesperou atropelando algumas palavras e novamente a sensação de ter alguém e ao mesmo tempo não ter surgiu.
— Se acalme, o importante é que está vivo e bem o suficiente pra querer me dar uma palestra sobre Deuses gregos.
" Mesmo se estivesse mal me esforçaria pra entregar quarenta minutos de aula com direito a powerpoint e quinze minutos de debate."
Rimos sabendo que ele poderia mesmo fazer algo assim.
— Passa das uma da manhã, já é dia seis..— Soltei sem muito contexto e ele disse um 'hum' em contraposição. — Decidiu se vai passar o natal com seus pais?
"Como diabos eu adivinhei que você diria algo sobre isso eu não faço ideia, mas sim eu falei com meu irmão mais velho no domingo e pelo que as más línguas dizem se eu não for minha mãe vai arrancar os cabelos." Começou como uma fofoca e eu sorri para o nada imaginando uma mulher exuberante tentando ficar careca por ter filhos desobedientes.
— Seja grato por isso, e aproveite todo e qualquer momento em família, ninguém fica pra semente mio ragazzone . — Tentei coloca-lo juízo de um jeito delicado e um suspiro fofo escapou dele.
" Abelhinha.. eu tenho uma pergunta." O nervoso no tom de voz me fez abrir os olhos novamente em alerta total. "Por que não podemos nos conhecer?"
— Hipoteticamente falando, caso eu não tivesse uma aparência boa, qual seria sua reação?
Diferente do normal, sua reposta não veio rapidamente como o esperado e apenas sua respiração pesada soou contra minha orelha enquanto meu coração se apertava um pouco.
" Está querendo me dizer que esse tempo todo eu nunca soube nada que te revelasse apenas por conta de uma autoestima baixa?" Uma grosseria incomum fez com que eu me ajeitasse de forma a ficar sentada, querendo que as cobertas me engolissem de repente.
— Não..eu só..— Respirei fundo sabendo que imediatamente ele havia se tocado de que era esse o problema. — Eu sinto muito, não tenho certeza se quero que você me veja pessoalmente.
"Não confia em mim o suficiente nem pra me dizer seu nome, certo? Somos mesmo amigos?"
— Acho que deveriamos nos acalmar e con-
"Estou calmo no mesmo nível que estou chateado." Me interrompeu deixando que eu soubesse ainda mais que seu estado era diferente. " Alguma vez nesses quase três meses eu dei algum sinal de que sou um idiota viciado em esteriótipos perfeitos?"
— Não, desculpe eu só não me sinto bem ainda pra que você me veja.
"Tenho confiado minha vida a você desde a primeira ligação por algum motivo que ainda não entra na minha cabeça, e eu achei que você também sentia algo por mim."
— Eu sinto, pode acreditar nisso.. Só, eu prometo tentar mostrar um pouco mais sobre mim e qu-
Bradley riu, mais amargo do que alguma vez já tenha ouvido antes me fazendo parar imediatamente.
" Não quero forçar algo que deveria vir naturalmente de alguém. Se você ainda não quer se mostrar não o faça." Sua voz ainda irritadiça endureceu não deixando sequer que eu relaxasse. "Mas não continue esse jogo comigo enquanto não tiver certeza de que confia em mim."
— Não é uma questão de confiança, pelo menos não em você! — Meus olhos marejados poderiam concordar fielmente com minhas palavras mas o suspiro cansado na linha, o suspiro de alguém que não iria mais ter paciência com um segredo não concordam.
"Você precisa descansar.. Fique bem, certo? Quando tiver superado isso lembre-se de ligar."
Ele ainda esperou uma resposta de volta.
Por exatamente um minuto inteiro e quando ele soltou um bufo e eu sabia que ele iria desligar..Entrei em colapso.
De forma arriscada, inconsequente e talvez um pouco desesperada
eu gritei ao telefone;
— Meu nome é Dominique!
Já era tarde, assim que fechei a boca a linha ficou muda.
Bradley, o cara doce, gentil e extremamente confiável de quem eu não sei exatamente o que sou havia desistido.
Eu havia estragado tudo, e dessa vez não precisei que ele visse minha gordura o que é ainda pior.
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Quem é você?
RomanceUma mensagem de um número desconhecido tirou Dominique Vergari de sua zona de conforto pela primeira vez em 21 anos.