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2017

Dezembro, 31

Segunda-feira

São Francisco — California

20:15

— Pare de se mexer ou vou jogar você pra fora do quarto. — Papai reclama me empurrando da cama. — E ainda quis brigar comigo quando disse que você tinha sentimentos por ele.

— Pai! Não diga isso. — Evitei encarar seu rosto, ficando parada na cama com suas palavras. — Se ouvir mais alguma coisa com a palavra sentimento vou me enforcar com o papel higiênico de duas camadas do hotel.

No dia seguinte à festa no hotel convenci papai a passarmos o ano novo com os Buffet, sua única exigência foi que poderiamos bancar a gasolina e hospedagem. Não questionei, sabia que se fosse eu também faria algo como esse,  nenhum de nós dois gostaríamos de passar a impressão de "alpinista social".

— Vocês não se veem há três dias só e trocam mais mensagens e ligações do que é saudável, por que está tão ansiosa? — Virou de lado na cama pra me encarar, uma das sobrancelhas arqueadas em desconfiança.

— Talvez você tenha razão e eu tenha algum sentimento por ele. — Admiti baixo tentando não me afundar ainda mais no travesseiro.

— Domi, está tudo bem em sentir coisas, você faz isso parecer o fim do mundo!

— Pai, é muito diferente do que eu já senti antes, tem alguma ideia do que é encontrar alguém que te faça sentir tantas coisas novas que chega perto de uma combustão?

Meu pai riu tirando alguns fios de cabelo do meu rosto para trás.

— Tenho.—Sua resposta me fez agitar chutando o edredom branco para o lado, isso me fez perceber da idiotice que eu perguntei. — Há 30 anos atrás em um acidente de carro, com seu Tio Ernie, conheci uma gordinha muito brava por terem passado por cima de sua bicicleta. Me lembro de ter descido do carro e me perder no rosto com bochechas grandes avermelhadas e olhos tão negros que não se viam pupilas, o cabelo selvagem e curto voando enquanto ela gesticulava gritando os palavrões mais sujos que conhecia.

Meus olhos marejaram automaticamente com o ar nostálgico emanando dele. Eu sabia quem era a garota raivosa..vejo uma versão dela no espelho todos os dias.

— Desculpe, eu não quis te puxar pra isso logo no último dia do ano. — Lamentei jogando um braço em cima dele que me puxou de forma que minha cabeça ficasse em seu peito. — É a primeira vez que você me conta como se conheceram.

— Ernie desceu do carro logo atrás se desculpando em meu lugar, fiquei paralizado por muito tempo apenas ouvindo e quando ele me chacoalhou a primeira coisa que fiz foi perguntar o nome dela. Ela reagiu como se tivesse levado um choque parecendo realmente me ver depois de tanto gritar, sua voz ficou baixa quando respondeu "Loretta Esther, você me deve uma bicicleta e um bom primeiro encontro", ela me fez rir de forma tão espontânea que eu apenas nunca mais quis deixá-la ir. — Continua contando, a voz ficando um pouco trêmula, o que me fez agarrar mais forte seu torso. Ele passou as mãos e beijou o topo da minha cabeça quando percebeu meu primeiro soluço. — Sua mãe foi uma grande mulher, sempre será o amor da minha vida e eu tenho muito a agradecer todos os dias por ela ter me deixado você. Um pedaço de nós dois.

"Loretta era sarcástica, doce, inteligente e muito fiel. Você puxou todas essas características, vejo isso o tempo todo e nada me alegra mais pois não faz o luto constante menos doloroso. Talvez eu tenha errado em quase nunca falar dela, posso ver isso agora. Se você tem certeza de que seus sentimentos por Bradley são reais e genuínos não seja medrosa, o amor é diferente da paixão, se permita viver o melhor sempre. Ninguém jamais perde por dar amor."

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