Estaciono a moto na frente da casa de Marty. Marcamos de estudar juntos para as provas de final de ano e depois ir para o ensaio do coral da igreja. Meu amigo enfrenta problemas parecido com os meus: somos jovens gays apaixonados e lidamos com o mesmo dilema de sermos gays da igreja. Me pergunto se ele já pensou em me perguntar alguma coisa, de me ouvir dizer que sou gay. Tenho essa vontade de dizer para ele sobre mim e escutar o que ele tem a dizer sobre si. Eu sei que tem muita coisa entalada dentro dele, dentro de nós.
— Marty, abre aqui pelo amor de Deus! O sol tá me torrando aqui — grito do lado de fora da casa dele.
O portão se abre — é automático — e eu entro.
— Você é a pessoa mais preguiçosa que eu conheço — digo, ao entrar e ver ele jogado no sofá com o prato do almoço no peito. — Será que você não tem um pingo de modos?
Os olhos dele passeiam por mim e em seguida de fecham.
— Não tô com coragem pra estudar hoje — ele balbucia.
— Nem vem, Marty! Foi você que me chamou. Era pra eu tá dormindo agora, sabia?
— Eu que quero dormir — ele rebate, sonolento. Seu rosto está inchado e o estômago dele não para de emitir sons de digestão pesada.
— Para de graça e levanta desse sofá — digo, e, preguiçosamente, ele levanta colocando o prato na mesa de centro.
— O que você quer que eu faça?
— Primeiramente, tomar um banho. Parece até que tá porre.
Arrasto ele pela sala até seu quarto e enfio Marty dentro do banheiro.
— Você é a pessoa mais chata que conheço, Will.
— Cala essa boca e toma logo banho. — Reviro os olhos e bufo. — E ver se não demora, a gente ainda tem ensaio hoje.
— Acho que vou ter que ir arrastado.
Deixo ele resmungando sozinho lá para dentro do banheiro. Me jogo na cama dele e fico olhando para o teto. Será que devo falar para Marty que sou gay? Ou dizer sobre Michael? Quero poder dividir isso com alguém, estou quase explodindo. Mas não sei se estou preparado para uma possível reação negativa.
— Parece que tô melhor — ele diz, saindo do banho.
— Não parece, você tá melhor — digo, e ele sorri, esfregando a toalha na cabeça. — Dá pra gente estudar agora?
Jogando todos os livros na cama, ele responde:— Qual matéria você quer?
— Sei lá, talvez alguma de exatas, já que é bom nelas.
Ao contrário de mim, Marty é excelente com contas. Eu prefiro lidar com Mapas e as loucuras de Hitler.
— Tudo bem. — Ele responde, pegando o livro de química e de física. — Na próxima vez você me ajuda com as de humanas.
Abro meu caderno e pego canetas. Passamos horas batendo cabeça com cálculos e fórmulas horríveis. Minha sorte é que Marty é muito paciente. Eu não teria a calma que ele tem para ensinar alguém tão lerdo com contas que nem eu. É por isso que amo meu amigo.
— Por que esse hematoma no pescoço? — Marty quer saber, enquanto passa a caneta em cima do chupão de Michael me deu.
— Que hematoma?— digo com os olhos arregalados.
— São bem pequenos, quase imperceptível.
— Não sei. — Estreito os olhos, finjo tentar lembrar. — Acho que foi mosquito.
Conheço Marty, sei que em algum lugar da mente curiosa dele, ele pensou na pessoa certa que fez isso. Só não tem certeza, e nem vai.
— Hm... Eu já acho que andou apanhando — ele brinca, franzindo o cenho.
— Só se for da vovó — zoo.
Marty fica em silêncio por um tempo.
— Se eu te contasse um segredo. — Ele fica sentado na cama com as pernas cruzadas e inclinado para mim. — Algo bastante sério. Você me julgaria?
Não imaginava que essa conversa partiria dele.— Lógico que não. Pode ser qualquer coisa. Até que você é um assassino — brinco, para enfatizar que ele pode se abrir comigo.
— Eu... Como posso dizer isso? Eu... gosto do...
Ele é interrompido pelo toque do meu celular.
Marty engole em seco, aparentemente muito nervoso, e me observa atender Camila.
— Ela só queria dizer pra eu chegar mais cedo pra ir não sei onde com ela — digo. — Pode voltar a me contar o que tava dizendo.
— Não era nada, deixa pra lá.
O rosto dele se enternece. Sei que ele queria me falar sobre Pablo, e ele iria falar se não fosse Camila ligar bem na hora e atrapalhar tudo. Mas eu vou tentar criar mais oportunidades para que ele possa me dizer.
— Acho que tá na hora da gente ir pro ensaio — ele diz, fugindo do meu olhar curioso. — Trouxe roupa? Pode tomar ba-
nho aqui se quiser.
— Sim, eu trouxe.
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Corpos em chamas: um clichê de romance adolescente
RomanceCom 12 anos, Willian Rodrigues se apaixonou pela primeira vez. O cara que fez seu coração bater mais forte era Daniel, nada mais além do que o namorado da sua melhor amiga; uma menina evangélica que acabou conseguindo convencer ele a entrar para a i...